Biografias

I – BIOGRAFIAS

 

1 . BRAZ, Sebastião d’Oliveira – Esboço Biographico de D. Antonio Barroso . Porto: Livraria Portuguesa Ed., 1921. 140 pp. Com Carta-Prefácio de António Barbosa Leão, Bispo do Porto.

Foi colega de D. António Barroso no Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim e depois, foi seu secretário em África e seu ecónomo na Diocese do Porto. Muito próximo, acompanhou-o também no exílio em Remelhe. No segundo aniversário da morte do bispo missionário, resolveu divulgar as grandes viagens apostólicas que este empreendera no Ultramar e que ele também conhecera de perto. Descreve minuciosamente alguns passos da sua vida, citando muitas vezes o Diário – um conjunto de apontamentos registados à mão por D. António e que, entretanto, desapareceram. Será a partir desta biografia que outros biógrafos cometem pequenos erros ou inexactidões.

Informa sobre a abertura da subscrição para a construção do monumento.

 

2 . PINTO, António Ferreira – D. António Barroso: Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar. Porto: Tip. Porto Médico, 1931. 198 pp.

O autor foi seu secretário nos primeiros 7 anos do seu episcopado no Porto e Vice-Reitor do Seminário a partir daí. Constitui-se testemunha da vida de D. António Barroso durante todo o seu episcopado no Porto. Sobre a estadia de D. António em Moçambique, diz ter consultado «quatro volumes« manuscritos. Seriam quatro cadernos de notas biográficas. Eram os chamados «papéis» do prelado – notas «redigidas ao correr da pena, pois simples apontamentos foram, nunca as reviu, ou porque não lhe sobejasse tempo para a tarefa ou não lhe atribuísse interesse capaz de as fazer passar à letra de forma. Por sua morte, esses autógrafos sofreram o dispersar das relíquias, e muitos deles vieram assim a perder-se», escreveu Amadeu Cunha, autor do trabalho biográfico que a seguir se refere.

 

3 . CUNHA, Amadeu – Jornadas e outros trabalhos do missionário barroso. [Lisboa]: Agência Geral das Colónias, 1938. 218 pp.

Este jornalista portuense que ao longo dos anos trinta do séc. XX publicou diversos trabalhos sobre as campanhas de Mouzinho em Moçambique, elegeu depois D. António Barroso como um dos seus heróis de África e decidiu escrever esta biografia interessante. Trata-se de um trabalho notável, sobretudo sobre a estadia do servo de Deus em Moçambique. Transcreve largos passos dos seus manuscritos, que lhe foram emprestados, segundo o próprio, pelo P. Sebastião Braz, autor acima mencionado. Amadeu Cunha refere também que um eclesiástico que privou com D. António Barroso lhe afirmou por carta que «não houve o cuidado devido em conservar as notas lançadas no seu diário pelo virtuoso prelado. Tive em meu poder dois manuscritos que faziam parte dele, mas os contínuos empréstimos, fizeram-me perdê-los de vista».

 

4 . GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: Ed. do Autor, 2002. 78 pp.

GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. 2.ª Edição, Revista, Corrigida e Ampliada.Sociedade Industrial Gráfica. Lisboa. Ed. do Autor, 2008. 160 pp.

Os promotores do Movimento Pró-Canonização de D. António Barroso foram o Pe. Manuel Castro Afonso, da Sociedade Missionária da Boa Nova, e o Dr. José Ferreira Gomes, autor da Súmula. Natural de Remelhe, este advogado da praça de Lisboa era grande admirador e devoto do insigne bispo missionário, seu conterrâneo. Primeiro Vice-Postulador nomeado para promover a Causa, foi neste contexto que redigiu o interessante e aturado trabalho, editado pelo próprio.

 

5 . ARAÚJO, Amadeu Gomes de, Carlos A. Moreira Azevedo – Réu da República, O Missionário António Barroso, Bispo do Porto, Alêtheia Editores, Lisboa, 2009.

Há vários anos que se planeava uma biografia aprofundada do notável missionário e destemido bispo do Porto. Saiu em  2009, a duas mãos, enriquecida com factos e leituras dessas duas dimensões. Os anteriores intentos de relatos biográficos foram recolhendo materiais que são elencados no final desta obra, mas não havia ainda uma visão abrangente da vida do Servo de Deus D. António Barroso. Era necessária e urgente. A introdução do processo de beatificação e canonização em 1992 veio aumentar o interesse por esta figura notável e conduziu a este trabalho de 347 pp.

 

II – RELATOS BIOGRÁFICOS

 

1 . RIBEIRO, António Alves Mendes da Silva – D. António Barroso: Bispo do Porto. Perfil. Aloysio da Cunha Leite, Editor. Porto, 1899.  47 pp.

2 . GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S. – D. António Barroso. Homem de Acção. Português de Lei. Pessoa de Bem (1854 – 1918). Minho, Fundação da Tertúlia de Afife, 1956.

3 .VAZ, António Luís – D. António Barroso, Missionário. Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1971. 195 pp.

4 . MACEDO, José Adílio Barbosa – D. António Barroso: síntese biográfica e bibliográfica. Barcelos Revista. 8 (1997) pp. 41-76.

5 . MACEDO, José Adílio Barbosa – D. António Barroso nasceu há 150 anos. Ed. autor. Remelhe, 2004.

 

 

III – VIDA E  OBRA DE ANTÓNIO BARROSO (1854 – 1918)

I PARTE

 

AS RAÍZES

Amadeu Gomes de Araújo


EM REMELHE (5-11-1854 – 3-11-1873)

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Quando o calendário pendurado na porta do celeiro da Casa de Santiago, em Remelhe-Barcelos, marcava 5 de Novembro de 1854, nasceu ali um menino que ficou registado com o nome de António José de Sousa Barroso. Era o primogénito de uns modestos subarrendatários da Casa, José António de Sousa e Eufrásia Rosa Barroso, casados em 22 de Junho do ano anterior. Os caseiros arrendatários[1], João José Campinho e Maria Rosa Senra, haviam-lhes dispensado umas divisórias do varandão anexo à casa da eira «para aí se acomodarem como pudessem, enquanto não arranjavam melhor poiso».[2] Foi, assim, na pobreza de um cantinho da velha Casa de Santiago, que em tempos funcionou como estância de acolhimento de peregrinos, que veio à luz o António José, «em condições precárias, que fazem lembrar o nascimento do menino de Belém».[3] A ruralidade do sítio e a profissão dos pais – um carpinteiro e uma tecedeira – patrocinam esta associação romântica ao presépio. A realidade dos factos era, porém, mais prosaica: «Casados contra vontade da família da mãe, mais abonada de bens do que a do pai, os jovens esposos tiveram de alugar parte duma velha casa maneirinha, até serenarem os ânimos»,[4] como adiante veremos.

Nasceu são e escorreito, e quatro dias depois estava a receber as águas lustrais do baptismo, das mãos do pároco encomendado da terra, Padre Manuel José Domingues.[5] Foram padrinhos António José Senra, lavrador abastado da casa da Fonte, e Joaquina Maria, irmã da parturiente.[6]

Criança forte e alentada, cresceu sem maleitas e saltou cedo para os caminhos íngremes da pacata aldeia. Correndo e pulando com os demais miúdos da sua terra, fez-se um rapaz robusto, de «estatura avantajada, olhos grandes e claros, brincalhão, com aspecto altivo mas bondoso e muito dado».[7] Os cabelos louros e a compleição robusta incutiam confiança, e a simplicidade do olhar abria para relações sinceras e francas.

O sossegado e diminuto lugar onde nasceu tinha então cinco casas, habitadas por trabalhadores da granja agrícola da Casa de Santiago. Esta Casa, nas suas origens, esteve associada à constituição da igreja com o mesmo nome, actual capela. Situada a poucos metros do local onde o António José veio ao mundo, a dita capela foi igreja paroquial da freguesia de São Tiago de Moldes, até 1566, ano em que esta freguesia foi extinta e integrada na freguesia de Remelhe, como adiante mais detalhadamente se informará.

Em meados do século xix, Remelhe era uma freguesia exclusivamente agrária, com férteis campos de terra negra, devesas com água abundante e bouças a perder de conta, onde medravam pinheiros e eucaliptos, e onde avultavam alguns sobreiros e carvalheiras. Nas encostas dos montes e nos outeiros, entre urzes e mimosas, pastavam grossos rebanhos de ovelhas, pertença de negociantes de gado que mercadejavam nas feiras das redondezas.

Ali ao lado da casa onde nasceu, um pouco mais acima, ficava o lugar de Torre de Moldes, que então tinha sete casas ou famílias, destacando-se a casa solarenga dos Fonsecas, antepassados da actual família Trigueiros, onde, algum tempo depois, nos anos da adolescência, o António José encontraria um prestimoso apoio. Era lá que ficava também a casa do Barroso, propriedade dos seus avós maternos, e que hoje pertence à família Trigueiros, a casa dos Simões, onde estava casada a sua tia materna e madrinha Joaquina Maria, a casa da Fonte, que ainda hoje mantém a designação e que continua na posse da família Senra, e onde então vivia o seu padrinho de baptismo António José Senra, a casa da Francisca[8], que anos mais tarde, em 1872, viria a ser comprada pelos pais do António José, passando a chamar-se casa do Sousa, a casa do Barros e a casa do Oliveira, que também viriam a ser adquiridas pela família Trigueiros. Situadas num lugar periférico da freguesia, todas estas casas ficavam junto a um caminho, que fazia a ligação do caminho do monte, ainda hoje conhecido por estrada da rainha, à capela de Santiago. Por aquele caminho bem antigo passaram ao longo dos séculos, muitos peregrinos em direcção a Compostela, os quais se serviam da Casa de Santiago, como estância de acolhimento.

Quando o António José nasceu, Remelhe teria cento e vinte e sete fogos. Barcelos, sede da comarca e do concelho, contava perto de oitocentos.[9]

Situada 18 quilómetros a Oeste de Braga, e com uma extensão de 5,18 km2, esta aldeia era então constituída por 24 lugares, alguns diminutos, com uma casa apenas.[10] Havendo ao todo 127 casas, e calculando uma família por casa, teríamos 127 famílias, mas eram certamente mais, porque muitas casas abrigavam mais que uma família. Era normal um dos filhos do casal «casar na casa», para acompanhar os pais na velhice, muitas vezes a troco de um pequeno «arranjo». Se continuarmos o cálculo numa base de 5 pessoas por família, Remelhe teria então cerca de 650 habitantes.[11]

Da infância de António José nesta pobre mas aprazível aldeia minhota onde foi nado e baptizado e onde espigou para a vida, não constam prodígios nem odores de santidade. Tão só os odores fortes do mundo rural onde gostosamente se embrenhou, cuidando, desde cedo, de ajudar os pais no pastoreio do gado.

 

Enquadramento histórico-geográfico

José Adílio B. Macedo, pároco de Remelhe e investigador, publicou, em 2002, uma interessante informação sobre este assunto.[12] A freguesia herdou o nome de Remellus ou Ramellus – um varão proveniente de Remi ou Rhemi, ao norte da Gália, região que tem por centro a cidade de Reims. Remellus ou Ramellus seria um dos muitos varões que acompanharam os príncipes e cavaleiros cristãos que vieram administrar os condados da Galiza e de Portucale. D. Raimundo e de D. Henrique, vindos da Borgonha, são, dentre estes, os nomes mais conhecidos. Eram os primórdios da nacionalidade. O varão Remellus ou Ramellus, terá assumido a restauração cristã e o repovoamento desta região, acabando por dar o nome a toda a vertente do monte da Vaia, que hoje é conhecido por monte de Remelhe.

A povoação de Remelhe terá, assim, tido origem numa pequena exploração agrícola e respectiva povoação que foram crescendo à medida que foi sendo aproveitada e ocupada a parte arável da encosta do monte da Vaia e das margens do rio dos Amiais, então chamado rio dos Moinhos, devido aos vários «engenhos» de moer farinha que havia no seu percurso.[13] A fertilização das terras era feita pelo rio e por outras pequenas nascentes que corriam do monte para o vale.

O primeiro documento escrito que se conhece com uma referência a Remelhe, é dos anos 1191 e 1192. Diz textualmente que Remelhe se situa no sopé do Monte de Faria, no território de Braga e na margem direita do rio de Moinhos, que corre para o Cávado.[14] É natural esta alusão ao Monte de Faria, a poente, monte outrora fortificado e que funcionava como um marco geográfico de referência, mas é interessante sobretudo a importância que dá ao rio, na altura chamado dos Moinhos, como se referiu. Este rio, hoje chamado dos Amiais, devido aos imensos amieiros que entretanto cresceram junto às margens, terá sido fundamental nos primórdios da freguesia, como também se escreve acima.

A partir de fins do século xii, Remelhe passa a ser referida como uma das paróquias da terra ou julgado de Faria. A instituição da paróquia é, assim, muito antiga também e terá tido origem numa igreja senhorial erecta na villa rústica de Remelli ou Ramelli. «Na verdade, no início do século xiii, ou, mais precisamente, em 1220, a paróquia de Remelhe contava oito chefes de família, além do pároco próprio, o abade Silvestre. Estava situada numa zona fértil, de águas cadentes e abundantes. […] De notar que nesta altura havia em Remelhe uma senhora notável, chamada D. Ouroana, que era ama da rainha D. Mafalda, filha de D. Sancho I.»[15]

A pequena freguesia de Remelhe, «na margem direita do rio dos Moinhos», como observa o citado documento do século xii, foi significativamente alargada, em meados do século xvi, com a incorporação no seu território da freguesia de São Tiago de Moldes, como também se escreveu.

A paróquia de Moldes é tão antiga que aparece mencionada já num documento de finais do século xi: a sua igreja «já vem mencionada no censual do bispo D. Pedro, elaborado entre os anos longínquos de 1085 e 1091».[16] Acabou, porém, absorvida por Remelhe, na sequência de orientações emanadas do concílio de Trento, que levaram o Arcebispo de Braga a decretar a união das pequenas paróquias para incrementar uma vivência cristã mais participada e sustentada. A incorporação não foi pacífica. As gentes de Moldes não acataram a disposição do Prelado, alegando serem em maior número e terem mais rendimentos que Remelhe e afirmando que constituía para elas um grande obstáculo terem de cruzar o rio que separava as duas freguesias, e, depois, terem ainda de atravessar o monte para chegar à igreja. D. Frei Bartolomeu dos Mártires respondeu com uma provisão de 30 de Agosto de 1566, ordenando que os curas de Santa Marinha de Remelhe e de São Tiago de Moldes passassem a celebrar as suas missas apenas na Igreja de Remelhe. Os habitantes da «outra banda» continuaram a reclamar e só aceitaram a determinação do Arcebispo, quando este a confirmou por sentença definitiva de 14 de Julho de 1567.

No linguajar da terra há ainda alguns resquícios desta divisão antiga. Sempre que se atravessa o actual riacho dos Amiais, vai-se «à outra banda», vai-se «ao outro lado».

Os contrastes mais significativos desta povoação quase milenar são, porém, de outra natureza. Ressalta o contraste entre os terrenos baixos e os pendores bravios, conferindo à aldeia uma intimidade peculiar e uma sensação de proximidade das terras circundantes. O vale de Alvelos e Pereira espraia-se a perder de vista, até ao Monte da Franqueira – uma barreira cerrada sobre a orla marítima do Atlântico. A nascente ergue-se o monte de Rio Covo, eminência granítica cheia de mirantes naturais. É impressionante o aglomerado de rochedos enormes suspensos sobre o covão de Midões. Ali de fronte fica o Monte Airó. Avista-se bem o Sameiro, Santa Marta, o Monte do Facho e o Vale do Cávado. O longe está perto. Por aqui andou, pulou e galgou o menino António José, apercebendo-se, desde novo, que o mundo era maior que o adro da sua igreja. Habituou-se, desde cedo, a ver ao longe e a sonhar com a distância.[17]

 

Contexto sociopolítico

Em Remelhe, embora todos vivessem quase exclusivamente do que a terra dava, havia também algumas ocupações artesanais. Havia artistas das chamadas artes civis: o tamanqueiro, que fazia socos, chancas e alpercatas, para uso local e para venda na feira, o sapateiro e o alfaiate, que ajudavam a calçar e a vestir os homens, para as lides do campo, e para as idas à vila ou para as saídas domingueiras, e o ferreiro, que fazia e consertava utensílios da lavoura. Era esta, por exemplo, a profissão de António José de Sousa, tio paterno do nosso biografado. Havia também santeiros de qualidade, que faziam e pintavam cristos e lindos oratórios que todas as famílias com algumas posses gostavam de ter em casa, para a eles acorrerem nas tempestades, nas trovoadas e noutras horas de angústia. Alguns destes artistas tinham um ou dois subordinados e um aprendiz. Havia ainda um ou outro pedreiro, um ou outro carpinteiro, como José António de Sousa, pai do António José, algumas costureiras e diversas fiadeiras e tecedeiras que fiavam e teciam a lã e o linho, rodeadas de fusos, rocas e dobadouras. Cuidavam de enredar boas meadas e sabiam tanger cadenciadamente os seus teares, donde saíam mantas, lençóis e outros tecidos para fazer camisas e peças várias de vestuário para usar pelo ano fora. Era assim a Eufrásia Rosa Barroso, sua mãe. Havia também alguns pastores, carvoeiros e bons cesteiros, além do moleiro, que tinha uma azenha no rio dos Ameais, a qual trazia acoplada uma maquineta de serrar madeira. A sardinheira e a padeira abasteciam-se na vila, donde vinham diariamente com pesados carretos à cabeça. Alguns eram de fora, como o azeiteiro, que vinha vender azeite e sabão, e o guarda-soleiro, que, com um pífaro, anunciava a sua presença, para pôr varetas ou consertar louça rachada, cravando-lhe «gatos». Havia o barbeiro, que também sabia arrancar dentes, e o carpinteiro de ramadas, que montava latadas para aguentar os vinhedos que se estendiam em redor dos campos de cultivo. Havia o carpinteiro de limpos, capaz de lidar com madeiras finas, manuseando o formão e a goiva, executando móveis e trabalhos diversos de entalhadura e marcenaria, e havia também o carpinteiro de toscos, que, com enxó e arte, fazia desde carros de bois a rodeiros, carrelas[18], masseiras e gamelas, e o tanoeiro, que fazia pipos e baças.[19] Havia ainda o matador de porcos, o capador, o podador e enxertador e outras profissões sazonais exercidas apenas durante algumas horas do dia, sendo as restantes ocupadas nas lides do campo. Importantes no dia-a-dia da aldeia eram também os carreteiros, geralmente pequenos lavradores com gado próprio, que asseguravam o transporte de lenhas, madeiras, vinhos e bens diversos. Mais bem cotadas e lucrativas, eram a profissão de cirurgião, perito em métodos tradicionais de medicina prática, e a de mestre-escola, o antepassado dos professores do ensino primário. O bisavô e o avô maternos do António José, respectivamente Manuel Gomes Barroso e Joaquim Gomes Barroso, eram cirurgiões, e este era também mestre-escola. O tio materno, José Gomes Barroso, foi mestre-escola e possivelmente também cirurgião.

A maioria da população vivia exclusivamente da lavoura, trabalhando, de sol a sol, para as grandes casas ou para grandes quintas. Grandes casas eram a de Torre de Moldes, a de Santiago e a de Santa Marinha. Quintas importantes eram a do Paranho, a do Hospital, a de Morais e a de Santo António. Havia também alguns lavradores com lavoura própria, que dispunham de casas fortes, como a da Fonte.

Os trabalhadores agrícolas repartiam-se por quatro classes: lavradores, caseiros, jornaleiros e criados de servir.

Os lavradores eram pequenos proprietários que trabalhavam nas suas terras, apoiados pela família, e por jornaleiros e criados, caso tivessem posses para os ter. Aqueles que, não dispondo de terras próprias para sustentar a família, tomavam de arrendamento as terras de outros (senhorios), mediante o pagamento de certa renda fixa (pensão sabida), ou entregando metade dos cereais que as terras produzissem e um terço do vinho encascado (de meias), eram os caseiros. Para ser caseiro era preciso dispor de algum dinheiro ou crédito para se estabelecer e ter pessoas de família bastantes para cultivar a terra. Alguns eram donos de uma junta de gado, geralmente vacas. Outros tomavam vacas e ovelhas a ganho, continuando estas na posse do dono, mas repartindo com ele as crias e a lã.

Os jornaleiros eram assoldadados ao dia ou ao meio dia, para todo o tipo de trabalhos agrícolas. A retribuição podia ser em dinheiro (trabalho a seco), ou em dinheiro e algumas refeições (a comer). O mais das vezes, os jornaleiros eram já filhos de jornaleiros ou de caseiros que haviam constituído família mas não dispunham de bens próprios nem de dinheiro ou crédito para se estabelecerem como caseiros.

Abaixo de todos estes, estavam os criados de servir. Os filhos dos jornaleiros ou dos caseiros geralmente começavam a trabalhar muito novos, logo no fim da infância. Não dispondo a freguesia de Remelhe de escola e não havendo qualquer tipo de ensino obrigatório, os miúdos iam servir muito cedo, às vezes ainda a «chorar baba e ranho». Eram menos bocas a comer em casa e sempre era algum dinheiro que entrava. Trabalhavam como criados para todo o serviço de lavoura e assim se mantinham enquanto solteiros. Justavam-se com o amo normalmente por um ano. A combinação do salário em regra cabia aos pais, que eram quem recebia o dinheiro, já que os filhos nem o viam, a não ser quando já tivessem casamento falado, para tratarem do fato e de algum enxoval. A retribuição podia ser só em dinheiro (a seco) ou em dinheiro e roupa de vestir (os usos). Ajudavam o amo nos trabalhos da casa e do campo, habitando a mesma casa, e, às vezes, eram tratados como pessoas de família.

Acima destas classes havia os grandes proprietários, os «fidalgos», que, salvo honrosas excepções, nada produziam e viviam dos rendimentos, e, abaixo de todas, estavam os mendigos, que pelo nascer do sol abandonavam os tugúrios de miséria onde se acoitavam, para calcorrearem os caminhos da caridade pública, numa luta diária pela sobrevivência.

Neste equilíbrio secular, sustentado em relações feudais serôdias, se sobrevivia no Baixo Minho, sob as bênçãos do clero e numa paz ténue com o poder instituído.

Os pais de António José começaram a vida como caseiros, e era esta a posição que ocupavam na escala social da terra quando o primogénito nasceu. A mãe era filha dum abastado lavrador que também exercia na terra as funções de cirurgião, mas o casamento havia-se realizado contra a vontade do pai e, consequentemente, sem o seu apoio, razão pela qual foi de algum aperto o início de vida do casal.

Desde lavradores, senhores de terras, até aos criados de servir, que nada tinham de seu, além da força dos braços, todos, sem excepção mourejavam nos campos, desde o romper do dia. Todos aguentavam a torreira do sol nos dias quentes do estio e os frios gélidos dos invernos rigorosos. Os momentos de alívio neste negrume da vida do campo, de que alguns românticos burgueses, como Júlio Dinis, deram uma visão idílica, eram as festas e as romarias. Para além da componente religiosa que as aureolava, estas funcionavam também como tubo de escape das múltiplas tensões acumuladas ao longo do ano. As mais importantes, ali nas proximidades, eram as de São Braz e São João, em Barcelinhos, a de Santa Justa, em Negreiros, a de Santo Amaro, em Chorente, a da Senhora da Franqueira, em Pereira, a de São Bento, na Várzea (duas vezes por ano), e a da Senhora das Águas Santas, em Santa Eulália de Rio Covo. Outros momentos de alguma descontracção eram também as segadas, as sachadas e as malhadas, além das alegres e folgazonas desfolhadas de milho e espadeladas de linho.[20]

Mas festas grandes eram as da vila, sendo de destacar as da Semana Santa, na Colegiada, a Procissão dos Passos, as Festas das Cruzes e a Procissão do Corpo de Deus. A procissão dos Passos era mesmo muito concorrida, mas mais importantes que todas, eram as festas das Cruzes, que atraíam imensos forasteiros, nos primeiros dias de Maio.

Barcelos era, naquela altura, a mais importante vila da província, não pelas suas festas, naturalmente, nem pela sua área geográfica, mas por ser a sede de uma das melhores comarcas do país e cabeça de um concelho com mais de quarenta mil habitantes.

Desde há muitos séculos associada aos caminhos de São Tiago, como a lenda do Galo recorda, Barcelos foi a primeira terra erecta em condado pelos reis portugueses.[21] Cabeça do primeiro condado, depois elevado a ducado, acabou por adquirir alguma importância no contexto nacional, e chegou mesmo a ser a maior comarca de todo o reino, compreendendo todas as terras que o ducado tinha no Minho e no Douro, até próximo de Aveiro.

Em 1854, ano do nascimento do nosso biografado, a vida económica de Barcelos assentava quase exclusivamente na produção agrícola e no pequeno comércio, não havendo indústria de merecer referência. O que merece registo é o importante movimento forense que a comarca tinha. É também de mencionar o clima de alguma insegurança que então se fazia sentir.

Respirava-se por todo o país, mas sobretudo no Norte, um ambiente de alguma tensão e de alguma intolerância. As desordens e a desconfiança geradas pelas lutas fratricidas e pela guerra civil de 1831-1834 haviam deixado marcas profundas. As ideias liberais e as reformas que estas acarretaram, vinham sendo mal digeridas. A nova lei eleitoral, o cadastro da propriedade rural, as reformas na administração geral e municipal, e toda uma série de medidas que estavam a ser tomadas com vista à modernização do país, esbarravam com hábitos antigos e com direitos adquiridos. Era gravíssima a situação das finanças públicas, devido aos empréstimos contraídos para fazer face às despesas da guerra. A venda de bens nacionais afigurava-se como tábua de salvação, mas tinha opositores.

O povo acreditava pouco nos governantes. Foi notória a falta de autoridade, nas décadas de trinta e quarenta: a Revolução de Setembro e a Belenzada (1836), o atentado frustrado contra o príncipe consorte, D. Fernando, a Conjura dos Marmotas e a Revolta dos Marechais (1837), a Revolta do Arsenal (1838), o golpe militar de Costa Cabral e do duque da Terceira (1842), a revolta militar malograda em Torres Novas (1844). Quando, em 1844 e 1845, foi publicada legislação na área da saúde, proibindo o enterramento dos mortos dentro das igrejas, houve forte mobilização popular, sobretudo nos meios rurais, contra o regime de Costa Cabral.[22] A partir de Março de 1846, deram-se grandes tumultos nas aldeias, contra os enterros nos cemitérios e contra os examinadores dos mortos antes de estes serem enterrados. Desconfiadas e, às vezes, acirradas, as populações reagiam com violência. O Baixo Minho era campo propício a polémicas, e foi por ali que alastrou a revolução popular da Maria da Fonte, contra as novas leis de saúde e contra a reforma do sistema tributário decretadas pelo governo autoritário e centralizador de Costa Cabral. Uma vez ou outra com o clero à frente, os tumultos estenderam-se a todo o Minho e Trás-os-Montes e ao Norte em geral, tomando uma feição de movimento miguelista, apoiado também por setembristas e cartistas dissidentes, numa luta cerrada que levou à queda de Costa Cabral.[23] Depois da Maria da Fonte, veio a Patuleia. A guerra civil e a matança só terminaram quando os setembristas, ou patuleias, apoiados pelos miguelistas, foram obrigados a assinar a convenção do Gramido.[24]

Com o país afundado na miséria, surgiu o desalento. Saldanha revoltou-se e ganhou asas o movimento «Regeneração de Portugal». Reuniu pessoas competentes, como Fontes Pereira de Melo e Almeida Garrett e contou com apoios importantes, como Alexandre Herculano. O país estava cansado da agitação política.[25]

O que mais abundava eram os candidatos a governantes. Entre Setembro de 1834 e Março de 1859, num espaço de tempo inferior a 25 anos, envolvendo os primeiros anos da vida de António José Barroso, sucederam-se 21 governos em Lisboa.

O clima de desconfiança que lavrava na sociedade civil, repercutia-se na Igreja. É disso exemplo a longa contenda que se gerou em torno da escolha do doutor Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e Melo, para Arcebispo de Braga. Lente da faculdade de direito da Universidade de Coimbra, apresentado para Arcebispo, por decreto de 15 de Janeiro de 1840, foi contestado pelos miguelistas que o consideravam um liberal e pelos absolutistas que o imaginavam ligado à maçonaria. O cisma reinou na Arquidiocese de Braga por mais de três anos.[26]

Foi neste ambiente de alguma crispação que o António José veio ao mundo, no início do inverno de 1854. Foi num clima de alguma tensão social e política que viveu os primeiros anos da sua vida, em Remelhe.[27]

 

Meio familiar

A família paterna, com o sobrenome Sousa, veio de longe, dos lados de Vila Verde, e estabeleceu-se em Remelhe, em 1814.

A família da mãe estava radicada na freguesia de Remelhe, pelo menos desde 1718, sempre com o apelido de Araújo e sempre na mesma casa: «A linha generativa do António José sobe pelo ramo feminino, sempre sob o apelido de Araújo (desde o Baptista de Araújo, a partir de 1718), e radica-se na casa de Torre de Moldes».[28] O apelido Barroso veio de Góios, e entrou na família materna, por casamento, em 1812.

Família paterna – Os avós paternos chamavam-se José António de Sousa e Ana Joaquina, sendo ele natural do lugar dos Cucos, freguesia de Santa Maria de Freiriz, actual concelho de Vila Verde, onde nasceu em 1780, e ela, nascida em 1784, era natural do lugar da Cruz, Macieira de Rates, concelho de Barcelos.[29] Este casal de lavradores caseiros aparece estabelecido em Remelhe em 1814, na Casa de Santiago, ao serviço da família Vale Vessadas.[30] José António de Sousa seria solteiro quando veio da distante freguesia de Freiriz para caseiro da casa de Santiago e terá casado em Remelhe com Ana Joaquina, da vizinha freguesia de Macieira. Quer tivesse vindo casado ou solteiro, a decisão que José António de Sousa tomou de deixar a freguesia de Freiriz, no distante concelho de Vila Verde, e de se fixar em Remelhe, dever-se-á ao facto de o abade daquela freguesia, Padre João Pedro do Vale e Abreu, ser tio do proprietário da casa de Santiago, Dr. José Maria do Vale Vessadas, como informa António J. L. Trigueiros, s.j.[31]

Este casal de lavradores caseiros, avós paternos de D. António Barroso, manteve-se ao serviço da Casa de Santiago até que, em 1826, morreu Ana Joaquina, com apenas 42 anos de idade, deixando o viúvo e 5 filhos, todos nascidos naquela Casa. O mais velho, António José de Sousa, nascido em 1815, casou em Remelhe, em 1842, com Clementina Barroso, do lugar de Passos, Góios, para onde foi viver e onde morreu, em 1869, depois de haver exercido a profissão de ferreiro e, depois, de lavrador. O segundo, José António de Sousa (júnior)[32], nascido em 1816, foi carpinteiro, pequeno caseiro e lavrador. Viria a ser o pai do nosso biografado. Seguiram-se Francisco José de Sousa, nascido em 1818, que embarcou para o Brasil, em 1856, Maria de Sousa, nascida em 1820, que morreu solteira, aos 29 anos, em Barcelinhos, para onde tinha ido servir como criada, e João de Sousa, o mais novo, nascido em 1824, que casou em Góios e embarcou para o Brasil, onde viria a falecer, em 1874.

As idas para o Brasil, onde se encontrava então o Rei e a Corte de Portugal, eram frequentes, e vários familiares de D. António para lá rumaram, alguns com bastante sucesso, sobretudo os da família materna, como adiante se informa.

Tendo ficado viúvo, em 1826, como referimos, o avô paterno de D. António voltou a casar. Quatro anos após o falecimento da primeira esposa, casou com Maria Joaquina Ribeiro, do lugar da Portela, da mesma freguesia de Remelhe. O novo casal de caseiros teve quatro filhos: Manuel, nascido em 1830, Domingos, em 1833, Clemência, em 1835 e Joaquim, em 1839, este nascido já na quinta do Paranho, para onde, entretanto, os pais se haviam mudado.

O José António de Sousa (sénior) e a Maria Joaquina Ribeiro trocaram assim a Casa de Santiago pela Quinta do Paranho, que pertencia à mesma família Vale Vessadas e ali passaram a ser feitores. O Pe. José Adílio B. Macedo escreve que foi nessa altura que o segundo filho do primeiro casamento, José António de Sousa (júnior), então com cerca de 23 anos, tomou conta da feitoria da casa de Santiago, em substituição do pai. Em 1843, o José António e a Maria Joaquina deixaram a quinta do Paranho e mudaram-se para a freguesia de Góios, lugar de Carcavelos. Foi nesta freguesia que ambos vieram a falecer: o José António de Sousa (sénior), em 1860, e Maria Joaquina Ribeiro, sua segunda esposa, em 1868. Foi também nesta freguesia de Góios que casaram o António José e o João, respectivamente o filho mais velho e o filho mais novo do primeiro casamento. Ali casou ainda o Manuel, primeiro filho do segundo casamento.

D. António Barroso, na infância não terá convivido muito com a família do pai, que passou dias difíceis, numa luta constante pela sobrevivência. Não chegou a conhecer a avó paterna, falecida em 1826, com 42 anos de idade, muito antes do seu nascimento, e terá conhecido mal o avô paterno, pois só tinha 5 anos quando este faleceu, aos 80, depois de ter residido em Góios na fase final da vida. Dos quatro tios nascidos do primeiro casamento do avô, que viera de longe, terá conhecido apenas o mais velho, António José, que foi ferreiro e lavrador em Góios, e que faleceu quando o António José tinha 14 anos. Compreende-se assim, que nunca tenha tido uma relação afectiva forte com a família Sousa. Teve sempre uma ligação mais próxima com a família da mãe, por razões de ordem diversa.

 

Família materna – Tal como a família paterna, também a família da mãe está ligada a Góios por laços profundos. Porém, ao contrário da família Sousa, a família Barroso viveu sempre com desafogo financeiro.

O avô materno, Joaquim Gomes Barroso, cirurgião e mestre-escola, era natural do lugar de Passos, freguesia de Góios, onde nasceu em 23 de Agosto de 1784. Era já filho de família abastada. O pai, Manuel Gomes Barroso, também natural de Góios, casara com Felícia Teresa da Fonseca, nascida na mesma freguesia, a 19 de Março de 1744, senhora da casa de Passos e descendente da antiga e ilustre família Fonseca, da casa de Amins, em Chorente.[33] Exercera a lucrativa e prestigiada profissão de cirurgião, nas freguesias de Santiago do Couto de Cambeses e de Santa Maria de Góios, onde veio a falecer, em 1 de Dezembro de 1805. O primeiro dos oito filhos deste casal, António Gomes Barroso, seguiu a carreira eclesiástica, ordenando-se presbítero. Nos outros sete se inclui Joaquim Gomes Barroso[34], avô materno de D. António. Casou em Góios, em 10 de Junho de 1807, com Teresa Maria de Araújo, doméstica, herdeira de uma das melhores casas de lavoura da freguesia de Remelhe, onde nascera.[35]

O exercício da profissão acabou por levar Joaquim Barroso, de Góios a Pedra Furada, mas, em 1812, já com duas filhas, resolveu fixar-se em Remelhe, terra da Teresa Maria de Araújo, indo o casal viver para a casa dos pais dela, no lugar de Torre de Moldes. Esta casa, que pertencia à família Araújo, desde 1718, havia quase um século, passou então a chamar-se casa do Barroso, o recém-chegado, que cedo se transformou em figura pública, devido às funções que exercia. Aqui nasceram mais seis filhos, ficando o casal com um rapaz e sete raparigas, uma das quais viria a ser a mãe de D. António Barroso.

Todos os oito filhos, que terão sido registados pelo pai, Joaquim Gomes Barroso, ficaram com o apelido Barroso, e três deles com Gomes Barroso. Só cinco foram registados também com o apelido Araújo, da mãe, Teresa Maria de Araújo.

Foram os seguintes os filhos deste casal: Delfina de Araújo Barroso, que terá nascido em 1808, e casou em Remelhe, em 8 de Janeiro de 1831, com José Gomes da Silva, da Casa de Vilar; Maria de Araújo Barroso, nascida em 3 de Abril de 1810, que casou a 30 de Abril de 1837, com um abastado lavrador de Gueral, e veio a dar origem à Casa dos Vitorinos de Góios; Joaquina Maria de Araújo Barroso, nascida em 17 de Março de 1812, que casou a 22 de Fevereiro de 1843, com Manuel José Simões, da Casa dos Simões, e que, aos 42 anos, viria a ser madrinha de baptismo do nosso biografado; José Gomes Barroso, nascido a 24 de Fevereiro de 1814, que casou aos 35 anos com Ana Maria dos Santos ou Ana Joaquina dos Santos, da abastada Casa do Ribeiro, em Góios[36]; Eufrásia Rosa Gomes Barroso, que também aparece designada Eufrásia Maria de Araújo e Eufrásia Maria Rosa de Araújo Barroso, nascida a 8 de Junho de 1817, que viria a ser mãe de D. António Barroso; Clemência de Araújo Barroso, nascida a 16 de Outubro de 1819, e que faleceu com 20 anos, solteira; Ana Gomes Barroso, nascida a 10 de Julho de 1822 e que também viria a falecer ainda menor; e Luísa de Araújo Barroso, a filha mais nova, que após a morte das duas irmãs que a precederam, casou, com 18 anos, em São Bento da Várzea, e lá faleceu, aos 31 anos.

Embora a Eufrásia, mãe de D. António Barroso, tenha vivido 72 anos, a maior parte dos irmãos dela tiveram vidas curtas. A própria Teresa Maria de Araújo, mãe desta vasta prole, tinha 47 anos quando faleceu, em 23 de Maio de 1832.

À morte de Teresa Maria de Araújo, só a filha mais velha, Delfina, estava casada, ficando o viúvo Joaquim Barroso rodeado de 7 filhos, a maior parte dos quais menores. A Eufrásia, que então completava 15 anos, manteve-se por casa, cuidando das três irmãs mais novas, duas das quais viu falecer, e cuidando do pai, que se foi habituando à ideia de a ter como apoio na velhice. Aos poucos, todos os irmãos foram casando, e a única solteira era ela, com 35 anos, idade bastante adiantada para uma mulher casar, naquele tempo. Compreende-se, assim, que o viúvo tenha ficado preocupado ao tomar conhecimento de que a filha Eufrásia, que já olhava como sua companhia para o inverno da vida, tencionava casar-se. E quando soube que o pretendente à mão da sua filha, bem dotada, era José António de Sousa (júnior), carpinteiro de profissão e filho duns modestos caseiros, o abastado e respeitado cirurgião Barroso terá feito cair o Carmo e a Torre de Moldes. Houve casamento, sim, mas contra a sua vontade, e sem dote.

 

Os pais – O pai, José António de Sousa (júnior), nasceu na casa de Santiago, em Remelhe, a 11 de Novembro de 1816, como se referiu, sendo o segundo filho de José António de Sousa (sénior) e de Ana Joaquina. Ali cresceu, ajudando os pais, caseiros, e aproveitou para aprender a profissão de carpinteiro. Quando tinha cerca de 23 anos, o pai, que entretanto enviuvara e casara em segundas núpcias, deixou a Casa de Santiago e foi tomar conta da quinta do Paranho, também como caseiro. Terá sido nessa altura que José António de Sousa (júnior) tomou conta da feitoria da Casa de Santiago, na opinião do Pe. José Adílio Macedo. António J. L. Trigueiros, s.j., contrapõe que ele passou então a trabalhar como carpinteiro da Casa de Torre de Moldes e que tomou de renda alguma terra do senhor Bernardo Limpo da Fonseca, – o cortelho da Infresta.[37] Certo é que se manteve solteiro até as 36 anos, altura em que decidiu constituir família.

A umas dezenas de metros da Casa de Santiago, onde fora criado, ficava a casa do Barroso, onde vivia, mais ou menos com a mesma idade e também solteira, com boa fama e bom dote, Eufrásia Rosa Gomes Barroso, nascida em 8 de Junho de 1817.

O José António de Sousa (júnior), homem simples, com tarimba de lavoura e muito manejo de plaina, e a Eufrásia, experiente nas lides da casa e no tear, sete meses mais nova, conhecer-se-iam bem, pois cresceram em casas chegadas, embora com posses diferentes. Eram de condição social diferente, de acordo com os conceitos da época. Acertaram casamento, ainda que contra a vontade do pai dela. Eufrásia, fazendo jus do carácter e determinação que andavam associadas ao apelido Barroso, aceitou casar sem dote. Aprendera a profissão de tecedeira que lhe garantia alguma subsistência. O casamento realizou-se na igreja de Remelhe, em 22 de Junho de 1853, dias depois de a noiva haver completado os 36 anos.

À falta de apoios da família, os então caseiros da Casa de Santiago, João José Campinho e sua mulher Maria Rosa Senra subarrendaram-lhes umas divisórias (cozinha e quarto) do varandão da Casa de Santiago, para lá se poderem acomodar até encontrarem melhor solução. Foi nessa dependência, anexa à eira, onde se guardavam os cereais da Casa, que, em 5 de Novembro do ano seguinte, lhes nasceu o filho primogénito, António José, como no início escrevemos.

A situação de pobreza em que viviam terá chocado uma das irmãs da parturiente, possivelmente a Joaquina Maria, madrinha de baptismo do recém-nascido, a qual terá intercedido junto do senhor Bernardo Limpo da Fonseca para que lhes arrendasse uma casa que este tinha mesmo em frente à do Barroso. Para ali se mudaram pouco depois do nascimento do António José e foi também nesta nova habitação que, cinco anos depois, nasceu o segundo e último filho do casal, Manuel José, em 26 de Março de 1859. Ali se mantiveram, na condição de caseiros da Casa de Torre de Moldes, até 1872, ano em que conseguiram adquirir habitação própria. Esta versão de António J. L. Trigueiros, s.j., baseada no testemunho oral credível de uma sobrinha de D. António Barroso, difere da versão do Pe. José Adílio Macedo que escreve: «Não estiveram o José Sousa e a Eufrásia Barroso muito tempo em Santiago. Alguns anos mais tarde já estão na quinta do Paranho, também como simples caseiros […] Aí estiveram durante bastante tempo – mais de uma dúzia de anos […] até comprar casa própria.»[38] É de crer que os pais, atendendo às limitadas condições de que dispunham no varandão de Santiago para criar o filho recém-nascido, tenham ficado algum tempo na tal casa alugada ao senhor Bernardo Limpo da Fonseca, e que, ao vagar a feitoria das terras do Paranho, tenham partido para a quinta, que era bem conhecida de António José Sousa (júnior), até porque o seu pai fora ali feitor até 1843, ano em que se mudara para a freguesia de Góios, onde então se encontrava, e onde veio a falecer, pouco depois.

A situação económica da família viria a melhorar, mas só uns bons anos mais tarde. Quando o velho cirurgião Joaquim Barroso morreu, em 1866, com 82 anos de idade, sucedeu-lhe na casa o único filho varão, José, como já referimos, e sendo este viúvo e sem filhos, vendeu, com reserva, por escritura de 11 de Março do ano seguinte, a casa do Barroso a uma sobrinha, Delfina Rosa (da casa dos Simões), ficando esta obrigada, em termos explícitos na mesma escritura, a dar uma quantia em dinheiro à Eufrásia Rosa.[39] Com esta herança, o casal adquiriu uma casa que pouco depois vagou ali perto, quase contígua à casa dos Simões, para onde casara a irmã de Eufrásia, madrinha do António José. A casa fora fundada por Francisca Gomes, costureira, filha bastarda do capitão José Pereira da Fonseca, senhor da Casa de Torre de Moldes, e chamava-se casa das Cirurgionas, quando foi vendida, por escritura de 24 de Dezembro de 1871, sendo compradores José António de Sousa e Eufrásia Rosa Barroso. Duma assentada, os pais de D. António compraram o eido e a casa, bem como o Campo de Quil, de lavradio e mato, o Campo da Bouça e uma tomadia no Monte de Remelhe.[40] Consertaram assim a vida, passando de modestos caseiros a lavradores proprietários, embora continuassem a fazer algumas terras da Casa de Torre de Moldes, o que mostra que não eram grandes lavradores, como também informa o biógrafo Pe. Sebastião de Oliveira Brás. Este, que, uns anos mais tarde, passaria longos períodos em Remelhe, como secretário de D. António Barroso, escreveu assim, referindo-se aos pais: «vivendo mais que modestamente, do trabalho de uma modesta lavoura, mas primando sempre por trilhar o caminho da honradez, e orientando nêle os passos do seu primogénito».[41] Também Bertino Daciano Guimarães se lhes refere como «lavradores caseiros modestos».[42]

Aos 17 anos, o António José passou, assim, a viver em casa própria, com os pais e com o irmão. Casa que, com o correr do tempo, viria a chamar-se «casa do Sousa». Os pais compraram também algumas pequenas courelas, como acima se escreve, e por ali viveram, cerca de 18 anos, cuidando dos dois filhos e da pequena lavoura. A Eufrásia aprendera também, desde cedo, a arte de manejar o tear e de tecer o linho, e acabou por criar um grupo de senhoras e de raparigas que a acompanhavam no seu labor. O casal cuidou sempre da plaina e do tear, com o mesmo empenho com que puxava uma junta de vacas ou se agarrava à rabiça do arado.

Depois de longos anos de labuta, faleceram na casa que adquiriram e a que deram nome. A Eufrásia Rosa faleceu em 11 de Maio de 1890, com 72 anos de idade, tendo junto de si o filho primogénito, que regressara das terras do Congo, coberto de honras e de méritos pelo trabalho ali realizado, e que, poucos meses depois, seria nomeado, por decreto real, para Prelado de Moçambique. O José António faleceu onze meses depois da esposa, em 14 de Abril de 1891, com 74 anos de idade, três meses antes de o filho ser ordenado Bispo.[43]

 

Sinais de ruptura. a escola

D. António Barroso, que foi grande admirador de Leão XIII, o Papa dos trabalhadores, nasceu e cresceu num mundo rural em mudança.

Para entreter os serões, ouviria o pai, que tinha família em Vila Verde, contar histórias da Maria da Fonte, que, lá por perto, fizera eclodir uma rebelião, pouco antes; eventualmente, escutaria nos sermões da igreja alguns horrores, também frescos, sobre o «Mata-Frades», que extinguira as ordens religiosas, e talvez lhe chegassem, pelo grupo de tecedeiras que trabalhavam com a mãe, nebulosos rumores sobre o bandoleiro «Zé do Telhado», então na moda.

Havia sinais de ruptura. As mudanças de que o António José se apercebeu na infância marcaram o seu espírito, e ajudarão a entender a acção marcadamente reformadora que veio a desenvolver.

No início do século, as invasões francesas, a fuga da família real para o Brasil e a abertura dos portos daquela colónia a países estrangeiros, haviam arruinado as bases da economia portuguesa. No descalabro que então se gerou, bastantes portugueses sonhavam que, perdida a colónia brasileira, era ainda possível criar novos Brasis na África[44], mas muitos economistas e políticos achavam que era tempo de pôr os pés na terra e criar riqueza a partir da agricultura. Havia porém um problema de fundo: no mundo rural as pessoas viviam amarradas por laços feudais que travavam o progresso. O rei, os senhores das terras e o clero continuavam a sobrecarregar o povo com impostos, com rendas e com dízimos. O modo de produção agrícola era primitivo, porque os fidalgos, donos das terras, não tinham nem queriam ter conhecimentos de agricultura, e o povo não tinha nem conseguia ter instrução nem dinheiro para investir.

Apesar dos entraves, operaram-se grandes transformações no país. Desenvolveu-se uma burguesia endinheirada, de comerciantes e pequenos industriais. Surgiram novos proprietários agrícolas, senhores de vastos terrenos que antes eram da coroa e das ordens religiosas. Estas, acusadas de apoiar os reaccionários absolutistas, foram expulsas e perderam as suas terras, a Igreja reduziu significativamente a sua influência e cresceu um forte movimento anticlerical.

Apesar das reformas em curso, a vida dos camponeses continuava negra. Era no campo que vivia mais de oitenta por cento da população portuguesa. Era ali que os pais, cobertos de pó e suor, criavam os filhos, o melhor que podiam e sabiam, esperando que estes os amparassem na velhice. As crianças eram obrigadas desde cedo a colaborar nas lides do campo e no pastoreio: «O trabalho do menino é pouco, mas quem o despreza é louco», dizia o povo. Assim, desde tenra idade, o António José colaborou com a família nas canseiras do campo, ajudando a cuidar do gado, a desbravar a terra e a pô-la a produzir, e assim se terá apercebido de quanta coragem é necessária para transformar a realidade. Tornou-se, desde muito novo, um observador atento dos trabalhos agrícolas, apercebeu-se das rotinas do campo, dos desperdícios de tempo, dos atrasos dos métodos, da irracionalidade de alguns costumes, assuntos sobre os quais mais tarde reflectiu e que abordava com agrado. O Cónego Ferreira Pinto, que foi seu secretário na Diocese do Porto e o conhecia na intimidade, escreveu sobre o interesse crítico com que olhava os campos da sua aldeia: «sei que falava muito da agricultura, dos campos da sua terra e da pequena produção que os atrasados processos do nosso agricultor tiravam do solo. Na conversa sôbre a lavoura salpicava, com um chiste que lhe era peculiar, a rotineira do trabalhador do campo […]. Às vezes lastimava a preguiça de muitos, a indolência doutros.»[45] Assim foi também robustecendo o físico e desenvolvendo a simplicidade do trato, tão importante nas relações entre os homens.

Eram frequentes as alusões à infância, que viveu numa época em que se implementavam medidas de ruptura com o passado, embora as suas preocupações de criança fossem outras, naturalmente.

Como a maioria dos miúdos do seu tempo, cresceu no campo, ora brincando, ora ajudando os adultos e aprendendo os rudimentos da vida. Os pais eram, como referimos, caseiros de poucas posses. Para assegurarem o sustento da família, o pai, além da lavoura, agarrava-se à enxó e à plaina, e a mãe fazia-se à dobadoura e ao tear, o que contribuiu para que o filho conhecesse, desde cedo, diferentes formas de luta pela subsistência.

Bertino Daciano Guimarães escreve que «passou a sua infância na aldeia, a traquinar com os demais rapazes, a labutar nos campos, a fazer recados, a transportar o correio de Barcelos para a Casa da Torre de Moldes. E justamente de Bernardo Limpo, um dos Senhores dessa Casa, recebeu ele as primeiras luzes da língua latina.»[46] Também o biógrafo Pe. Sebastião Braz refere que «até á idade de 16 annos, em que fez o seu exame de instrucção primaria, como então se lhe chamava, a vida decorreu-lhe por entre os pinheiraes e campos da sua aldeia – Torre de Moldes – dividindo o seu tempo pelo trabalho da modesta lavoura paterna e umas lições de latim, que lhe dava o seu visinho e rico proprietario, Bernardo Limpo».[47] É idêntica a referência que o também biógrafo Cónego Ferreira Pinto faz deste período da vida: «antes de partir para o colégio, os estudos de António Barroso limitaram-se ao exame da instrução primária e lições de latim que Bernardo Limpo, proprietário vizinho, lhe dava nas horas vagas».[48] Informação semelhante presta Amadeu Cunha, que no fim dos anos trinta, do século passado, também lhe dedicou uma biografia: «Destinavam-no os pais à lavoura de que, no seu apêgo à terra, vivera sempre a família. […] Ainda mal espigado, viu confiarem-lhe às mãozitas a soga dos bois e sempre a ajudar a todos, na lavra das reduzidas courelas familiares, ia crescendo. […] Vivia por aquêles tempos, no seu solar em Remelhe, o sr. Bernardo Limpo, varão tão venerado […] Foi êste fidalgo quem primeiro pressentiu a vocação do um dia bispo D. António Barroso.»[49]

De quanto foi escrito sobre este período da vida de António José Barroso, sabemos ao certo que aí pelos sete anos ele começou a aprender as primeiras letras na casa do seu avô materno, Joaquim Gomes Barroso, o mestre-escola da aldeia, que veio a falecer em 9 de Maio de 1866, quando o neto tinha 11 anos. Em 18 de Novembro de 1865, matriculou-se na freguesia vizinha de Góios, e começou a recorrer também aos ensinamentos do tio materno José Barroso, que viria a falecer em 1873, poucos meses antes de o sobrinho ingressar no Colégio de Cernache do Bonjardim. Esta informação é confirmada pelo testemunho de Ana Joaquina Senra da Casa de Santiago. Em entrevista que deu ao Diário do Norte, em 1951, aquela anciã explicava que Joaquim Barroso era cirurgião e mestre-escola, porque «dantes não havia formados. Eram os que tinham andado no mar, nos navios», e acrescentava que o D. António, quando era novo «era um rapaz folgazão e o avô, o Joaquim, dava-lhe as lições como aos demais, assim como, depois, o tio José. E eu ouvia-o dizer, a queixar-se, que o António deixava os livros aí pelos matos e não ia à lição. Preferia ir pastar as ovelhas até que o pai tirou-o de cá e pô-lo em Braga.»[50]

Pelos vistos e pelos ditos desta simpática amiga de infância, o António José perdia os livros e faltava às lições, preferindo a sombra dos pinheiros do monte de Remelhe e o pastoreio das ovelhas no Campo de Quil ou no Campo da Bouça.

«Aos onze anos encontrámo-lo a frequentar a escola particular do professor Domingos da Fonseca Martins, na freguesia de Santa Marinha de Góios.»[51] Frequentou esta escola, entre 18 de Novembro de 1865 e 31 de Agosto de 1868, «com muita aplicação e aproveitamento, sendo exemplar o seu comportamento». Tal é o que consta de uma certidão passada pelo professor Domingos Fonseca Martins, seu mestre em Góios. Tratava-se aliás de um primo seu.[52] Não obstante esta observação positiva do mestre, não conseguiu fazer qualquer exame.

Era complicado o sistema de ensino primário, que havia sido objecto de reforma em 20 de Setembro de 1844. Ficou então estabelecida a obrigatoriedade de frequência do ensino primário para as crianças dos 7 aos 15 anos, residentes em povoações onde existissem escolas. Nem Remelhe nem Góios tinham escola.

A instrução primária estava dividida em dois graus. No primeiro, aprendia-se a ler, a escrever e a contar, e eram ministrados princípios gerais de moral, doutrina cristã e civilidade, além de exercícios gramaticais e princípios de geografia e história portuguesas. No segundo grau, completavam-se estes estudos com a aprendizagem de gramática portuguesa, desenho linear, geografia e história geral, história sagrada do Antigo e Novo Testamento, aritmética e geografia com aplicação à indústria, e escrituração.

A nova burguesia que triunfara com a vitória dos liberais, reformou o ensino secundário e introduziu melhorias no ensino superior, cuidando dos seus próprios filhos, mas não cuidou de alargar o ensino primário, porque a falta da instrução básica era garantia de mão-de-obra barata. Mais de oitenta por cento dos portugueses viviam no campo, sem assistência médica nem escolar. Dados relativos a 1890, confirmam que ainda então 75% dos portugueses eram analfabetos. Muitas das escolas do ensino primário que foram surgindo pelo país, deveram-se a beneméritos, muitos deles emigrantes no Brasil, que haviam percebido, pela sua experiência de vida, o poder libertador da instrução.[53]

À medida que foi tomando contacto com os livros, o António José terá começado a entender melhor as transformações em curso no seu país. Os ideais libertadores do liberalismo, importados da Europa, iam tomando terreno, ainda que com exageros à mistura.

Foi neste contexto de grandes reformas na sociedade portuguesa, que o adolescente António José de Sousa Barroso despertou para a possibilidade de trocar o sossego dos campos pelo trabalho da mente. Na sombra desta opção, decisiva para o seu futuro, está a figura atenta e perspicaz dum fidalgo vizinho: Bernardo Limpo da Fonseca.

Homem culto, de diversos saberes, este aristocrata teve, de facto, um papel importante no encaminhamento do António Barroso para os estudos e contribuiu para a sua formação intelectual, na fase da transição da adolescência para a juventude. Era o filho mais novo do Corregedor de Barcelos, João Nepomuceno Pereira da Fonseca e Silva Veloso. Cidadão limpo, no sobrenome e na vida, era capaz, ao contrário da maioria dos seus pares, de combinar a cultura das letras com o amanho dos campos da sua Casa de Torre de Moldes, onde nascera em 1797. Como escreveu Amadeu Cunha, em 1938, era um varão venerado pela dignidade da sua linhagem e pela «gravidade do porte moral, sem quebra que andasse boquejada, ao invés do que de ordinário se dava com morgados e outros vultos provincianos, e pela generosa sabedoria nunca aborrecida de prestar a quantos, entre os vizinhos, procuravam das suas luzes, conselho, ensinamento. Podia contar-se sempre para o efeito, com a presença do rico-homem».

Uma queda, nos anos da mocidade, dificultara-lhe o andar, e obrigara-o a interromper os estudos na Universidade de Coimbra. Recolheu-se então à quinta da família, em Remelhe, e dedicou-se a administrar a casa de seus pais, que aumentou consideravelmente, ao mesmo tempo que cultivava a poesia, sendo um particular apreciador de Garrett.

Rico-homem, foi provedor do concelho de Barcelos e Secretário de Sub-Prefeitura da comarca da mesma vila. Agraciado Cavaleiro da Ordem de Cristo, por D. Maria II, em 20 de Março de 1837, faleceu octogenário, em 15 de Novembro de 1881, ano em que o seu discípulo entrou, como missionário, em São Salvador do Congo.

Foi este fidalgo, que se dedicava com igual esmero ao estudo da agricultura e ao das letras, mas que não descurava a vida dos homens que o serviam nas suas vastas terras de Torre de Moldes, quem primeiro se apercebeu das potencialidades do adolescente António José e o incentivou a trocar o manejo da enxada pelo manuseio dos livros. Bem mais distraído andaria então o pároco encomendado da freguesia de Santa Marinha de Remelhe, responsável pela catequese da paróquia, Padre Manuel José Domingues.

Atento às capacidades do adolescente António José, Bernardo Limpo da Fonseca, então com cerca de setenta anos, chamou o pai, José de Sousa, caseiro e carpinteiro de sua casa e a mãe, Eufrásia, e despertou-os para a flor de lótus que lhes desabrochava dentro do quintal. Anunciou-lhes também a sua intenção de industriar o filho no latim. Era uma experiência que pretendia fazer, nas horas vagas, lembrando, contudo, que o candidato a estudante devia continuar a auxiliar os pais no amanho da modesta lavoura da família. Se resultasse, os pais fariam o possível por encaminhá-lo para estudos mais avançados em Braga. Há inteligências brilhantes que não desabrocham cedo, por razões diversas, e o perspicaz fidalgo insistia na ideia de que o António José estaria ali para confirmar a regra. Os pais anuíram de bom grado à possibilidade de o filho vir a estudar em Braga.

Escreve, a propósito, Ferreira Gomes que o António José «era bem dotado de inteligência e de memória, com uma dicção fluente e muito eloquente, de comunicabilidade fácil, de espírito franco, e de uma simpatia natural e aliciante. Por isso deu na vista a um fidalgo vizinho que se lhe afeiçoou e aconselhou seus pais a darem-lhe outros estudos, começando mesmo por lhe ensinar latim.»[54] Julgamos que para entender o relacionamento de António José com o fidalgo vizinho, há que ter presente sobretudo que o pai era carpinteiro da Casa da Torre de Moldes, e que o avô materno, cirurgião, era quem tratava do proprietário da mesma, Bernardo Limpo da Fonseca.[55]

  1. António Barroso guardaria para sempre uma excelente recordação deste vizinho.[56] Numa carta para José de Azevedo e Meneses, da Casa do Vinhal, em Famalicão, datada de Barcelos, em 14 de Fevereiro de 1912, percebe-se que o ensino de Bernardo Limpo não se restringia ao latim «Quando eu era rapaz de 12 para 14 annos e estudava latim com o meu vizinho e inóvidavel homem de bem, Bernardo Limpo da Fonseca, pae do fallecido coronel de engenharia Francisco António de Brito Limpo, tenho a certeza que ‘li’ uma composição poética referente ao Castello de Faria. A lettra era a de Brito Limpo […] Seriam umas sete ou oito páginas, talvez em quadras. Eu sentia-me entusiasmado com a proeza da gente do Castelo.»[57] Desta missiva se conclui que o adolescente António José começou a estudar latim, entre 1866 e 1868, «de 12 para 14 annos», e que os estudos iam para além dos textos de Cícero. Terá sido por volta dos seus 13 anos, idade que tinha quando deixou a escola particular de Góios, em 31 de Agosto de 1868.

 

II PARTE

OS ANOS DA JUVENTUDE

                                           

 Amadeu Gomes de Araújo


FORMAÇÃO ACADÉMICA E PREPARAÇÃO MISSIONÁRIA

(3-11-1873 – 20-9-1879)

Tendo recebido de Bernardo Limpo as primeiras lições de gramática latina e, ao que se depreende da carta acima transcrita, também uns rudimentos de português, o António José abalou para Braga, no decurso do ano lectivo de 1871-1872, com 17 anos feitos.

À partida, o seu objectivo era seguir a carreira eclesiástica, como fizera um irmão do avô materno, o Padre António Gomes Barroso, que deixara nome. No mundo rural do norte minhoto, o destino de um miúdo que sobressaísse por ter mais jeito para os livros que para a sachola, era o seminário. E se houvesse um clérigo na família, não havia mais que duvidar. Foi assim também com o António José. Ouviu os conselhos do fidalgo vizinho, acertou pormenores com os pais, rogou as bênçãos dos avós e dos padrinhos, carregou o baú de folha no carro de vacas do pai e seguiu com ele para Braga, a uns 20 quilómetros de casa.

A vida na capital do distrito custava dinheiro, que escasseava na algibeira dos pais. Com a partida do filho, o José António de Sousa passou a fazer também de carreteiro. Uma vez por outra, largava o trabalho da lavoura e da oficina e atirava-se à estrada, agarrado à soga do gado, com pequenos carretos de lenha, para amealhar algum.[58] A vida das gentes do campo era negra, e manter um filho a estudar fora, enchia de brio os pais, mas custava-lhes os olhos da cara.

Naquela altura, os seminários não ensinavam os preparatórios, e os candidatos ao sacerdócio tinham de ir fazê-los ao liceu.

As condições de ingresso nos seminários tinham sido objecto de um decreto, em 26 de Agosto de 1859, publicado logo em 12 de Setembro, pelo ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens[59], o qual estipulava, no art.º 15.º: «Um ano depois da publicação do presente Decreto, ninguém será admitido à matrícula do primeiro ano do curso teológico em qualquer dos Seminários do reino e ilhas, sem que junte certidão de aprovação em algum dos liceus públicos, nas seguintes disciplinas: instrução primária, latinidade, francês, oratória, história, filosofia racional e moral e elementos de direito natural, elementos de aritmética, álgebra e geometría.»[60]

Na sequência desta legislação, o Liceu de Braga passou a ser frequentado também por candidatos à carreira eclesiástica, que se matriculavam nas cadeiras exigidas para ingressar no curso de Teologia. Outros faziam os estudos liceais sob a orientação de professores particulares e iam, no final do ano lectivo, fazer os exames ao liceu. Era esta a intenção do António José: fazer os estudos preparatórios numa escola particular, para depois se candidatar a exames no Liceu Nacional de Braga, e seguir a carreira do tio-avô. Por não existirem seminários menores, o liceu era, para estes alunos, uma espécie de escola preparatória para o seminário maior – o Seminário de São Pedro, situado no Campo da Vinha.[61]

Os Liceus Nacionais eram uma novidade no país. Instituídos por Passos Manuel (um por cada cidade capital de distrito – 17 na metrópole e 4 nas ilhas), só lentamente foram implementados. O decreto que os criou é de 17 de Novembro de 1836. É desta data a primeira grande reforma geral do ensino[62], que veio abolir o velho sistema em vigor desde os tempos pombalinos. Os liceus adoptaram um sistema uniforme de cadeiras ou disciplinas e passaram a ministrar um ensino com conteúdo mais prático, não se limitando a preparar os alunos para o acesso ao ensino superior, mas também preparando cidadãos que a ele não aspiravam e que precisavam de preparação científica e técnica para desenvolverem a sua actividade nos tempos novos que então se viviam.

Era, assim, recente o liceu da capital do Minho, então a terceira maior cidade do país, em termos de população. Fora inaugurado em 1840, numa parte do edifício do Seminário de São Pedro, mas quando o António José seguiu para aquela cidade, em 1871, estava a funcionar no extinto Convento dos Congregados, ao antigo Campo de Sant’Ana. Ocupava apenas três salas, pois ali funcionavam também outros serviços, nomeadamente a Biblioteca Pública.

 

 

À deriva, na cidade dos arcebispos

Como oportunamente se escreveu, o António José, que tinha aprendido as primeiras letras com o avô materno, Joaquim Gomes Barroso, entretanto envelhecido (viria a falecer meses depois), matriculara-se na freguesia vizinha de Góios, em 18 de Novembro de 1865, junto de um mestre que também era seu familiar. Tinha então onze anos completos. Ali estudou até 31 de Agosto de 1868, «com muita aplicação e aproveitamento, sendo exemplar o seu comportamento».[63] Esta certidão foi passada pelo professor Domingos da Fonseca Martins, seu primo.[64] Dela não consta, porém, que ele tenha completado a instrução primária, naquela escola.

Além do exame de instrução primária, que não estaria feito, eram muitas as disciplinas em que tinha de se submeter a exame, para poder matricular-se no primeiro ano do curso teológico. Foi com este objectivo que seguiu então para Braga, indo estudar com o professor particular José Valério Capella, que tinha uma escola de ensino primário, onde também dava explicações, pelo menos de algumas das disciplinas que o António José precisava de fazer no liceu. Nesta escola particular, que frequentou no ano lectivo de 1871-1872, revelou «bom comportamento e gosto assíduo pelo estudo», e no certificado de comportamento lê-se, textualmente: «frequentou comigo a instrução primária».[65] Sabendo-se, como acabamos de referir, que ele já tinha frequentado a instrução primária em Góios, com o professor Martins, é de supor que tenha feito com o professor Capella uma revisão da matéria, por ter deixado a escola havia três anos, e terá feito então o exame da instrução primária, de que precisava para prosseguir os estudos.

Depois das explicações que recebeu, no fim daquele ano lectivo de 1871-1872, matriculou-se nas disciplinas de Português (curso completo), Gramática Latina e Latinidade.[66] Se conseguisse resultados positivos, manter-se-ia em Braga no(s) ano(s) seguinte(s), preparando-se para as demais disciplinas que compunham o curso preparatório. Mas os resultados não corresponderam às suas expectativas. A certidão de habilitações emitida pela actual Escola Secundária Sá de Miranda, depositária do arquivo do ex-Liceu Nacional de Braga, é do seguinte teor: «Fez nesta Escola, no ano lectivo 1871/1872, o exame de Português – curso completo, com a classificação de 10 (dez) valores. No mesmo ano fez exame à disciplina de gramática latina e latinidade, tendo sido reprobado». A latinidade englobava língua, cultura e civilização latinas. O exame de Português, de que saiu aprovado, fê-lo em 5 de Julho de 1872.

Apesar destes resultados pouco animadores, tentou prosseguir no Liceu de Braga, matriculando-se, para o ano lectivo de 1872-1873, como aluno voluntário, nas disciplinas de Francês, Caligrafia e Desenho, Cálculo mental e quatro operações. A Francês foi classificado de Mau, em 6 de Dezembro, e de Suficiente, em 19 de Fevereiro. A Caligrafia e Desenho, faltou às provas, a 9 de Dezembro e a 17 de Fevereiro, perdendo automaticamente o ano. A Cálculo mental e quatro operações, faltou também às provas de 16 de Dezembro e de 18 de Fevereiro, com perda automática de ano.

Partira com algum atraso e com idade algo avançada em relação a muitos dos colegas que com ele iniciavam a vida de estudante.[67] Desmotivado, frustrado com as classificações, e não conseguindo adaptar-se ao ambiente, resolveu regressar à casa paterna, no decorrer do ano escolar, assim defraudando as expectativas e os esforços dos progenitores. Braga ficou mais longe.

O bulício da cidade dos arcebispos deixou-lhe fracas recordações. «António Barroso não se deu com a vida buliçosa do estudante bracarense, e, já muito tarde, na conversa íntima fazia referências que não lisonjeavam os seus camaradas que, por êsse tempo, na cidade dos arcebispos, se preparavam para o sacerdócio.»[68] Eram muitos os candidatos ao sacerdócio em Braga, e algumas crónicas da época fazem eco de desacatos e de distúrbios que seriam frequentes, ainda que normais num ambiente estudantil.

Sebastião Braz, seu biógrafo e ex-colega, escreve que regressou de Braga com pouco mais cabedal de conhecimentos do que para lá tinha levado, «trazendo apenas algumas recordações das frigideiras e de dois condiscípulos» cuja amizade cultivou, e que tiveram carreiras de sucesso, na área da medicina: o conhecido Dr. Magalhães Lemos, «uma competência em doenças nervosas e mentais», e o Dr. Meira, distinto clínico e cirurgião de nomeada. Os dois condiscípulos prosseguiram os estudos, e o António José, jeitoso no manejo das frigideiras[69], ficou a ver Braga por um canudo…

No regresso ao lar, foi, mais uma vez, o vizinho Bernardo Limpo da Fonseca que, compreendendo a situação e continuando a acreditar nas suas capacidades, lhe incutiu ânimo para prosseguir. Voltou a ensinar-lhe latim, e tentou convencê-lo a seguir os estudos eclesiásticos por outra via.

Ana Joaquina Senra, a colega de infância, refere-se assim, na mencionada entrevista, a esta fase crítica: «Quando o António saiu de Braga, veio para aqui e não queria voltar a estudar. Ficou em casa do pai. O Senhor Bernardo Limpo pegou, então, a botar mão ao rapaz e a ensinar-lhe a lição. Pastoreava e aprendia. E aprendeu muito, que o Senhor Bernardo era um homem que tinha muito saber. Um dia disse ao pai que era preciso mandar o rapaz para outro sítio, porque ele já não podia ensinar-lhe mais nada. E assim é que ele foi para Cernache do Bonjadim».

A alternativa a Braga terá surgido por influência de alguns amigos e de familiares, particularmente de um primo, António Pereira Gomes, então a estudar em Cernache do Bonjardim. Este distinto aluno do Colégio das Missões, era neto de uma irmã do cirurgião Barroso. Natural de Góios, ali viria a falecer de tuberculose, com 24 anos de idade, já diácono, em 7 de Outubro de 1878.[70]

A opção de prosseguir os estudos longe da casa e da família, a decisão de se preparar para uma vida árdua e difícil, nas regiões inóspitas da África ou do Oriente, supunha muita coragem e algum espírito de aventura. O António José conhecia certamente a estória aventurosa de alguns dos seus antepassados, que haviam largado a pasmaceira das berças, e se haviam atirado ao Brasil, com reconhecido sucesso.

De facto, e como já se fez menção, ao longo do século xviii, diversos membros da família Gomes Barroso, de Vilar de Figos e de Paradela, tinham-se estabelecido no Brasil, e aí haviam desempenhado cargos de relevo no tecido económico, político e social da colónia. Destaque para António Gomes Barroso e João Gomes Barroso, irmãos do seu trisavô materno. O primeiro, nascido em Paradela em 1740, foi negociante no Rio de Janeiro, teve o foro de Fidalgo Cavaleiro e foi Alcaide-mor de Itaguaí, e senhor dos engenhos de Itaguaí e Piaí. Foi grande benfeitor e provedor da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, de 1807 a 1812, ano em que foi substituído por seu irmão, o coronel João Gomes Barroso.[71]

Deste enorme sucesso dos parentes distantes, chegavam ecos à família e à terra, e não foi por acaso que dois dos cinco sobrinhos que viria a ter, nomeadamente Adolfo de Sousa Barroso e Abílio de Sousa Barroso, filhos do seu irmão Manuel José, acabaram também por seguir para o Brasil.

Assim foi amadurecendo no António José a ideia de voltar a tentar os estudos eclesiásticos, agora em Cernache do Bonjardim, terra distante. Regendo-se por legislação específica, este seminário dispunha de estatutos próprios que lhe permitiam fazer ali os preparatórios, que não tinha conseguido concluir em Braga. O Padre Sebastião Braz, seu colega em Cernache, e que, depois, foi professor no mesmo seminário, escreve que, quando o remelhense entrou em Cernache: «tinha pois na sua frente a barreira de quasi todo o curso preparatorio e todo o curso theologico».[72]

A relação de parentesco com o primo de Góios terá sido importante, para a sua admissão no Colégio das Missões Ultramarinas, de Cernache do Bonjardim, mas houve outros apoios. O referido Pe. Sebastião d’Oliveira Braz, que conhecia a sua vida como nenhum outro dos biógrafos, e que, naqueles anos de Cernache, foi, como se referiu, seu colega, escreveu: «Entrou para o Collegio das Missões Ultramarinas, em Sernache do Bomjardim, ainda pelo valimento do dito seu visinho Bernardo Limpo.»[73] Mais uma vez, as influências do fidalgo vizinho terão sido decisivas, e, por isso, também Cunha informa que seguiu para Cernache «apadrinhado pelo antigo mestre de latim».[74]

A par dos testemunhos idóneos de familiares e amigos, também a maturidade da sua opção, e até a sua figura, terão contribuído: era um jovem de excelente compleição física, que o «talhava à maravilha para a dura faina de missionário em África», acrescentou ainda o Pe. Sebastião Braz.[75]

Tomada a decisão, iniciaram-se os preparativos. A 15 de Outubro de 1873, umas semanas antes da partida, José António de Sousa, já com a certeza de que o filho tinha sido admitido, foi a Barcelos, ao cartório do Tabelião Azevedo e aí concedeu-lhe todos os poderes necessários para que este pudesse frequentar o Colégio: «Licença que presta José António de Souza, a seu filho António José de Sousa Barroso, para se matricular no Real Colégio das Missões Ultramarinas».

Com esta outorga, o pai assumiu a responsabilidade de indemnizar a instituição docente, em caso de incumprimento do filho. Haveria lugar a indemnização, se este interrompesse o curso ou se, concluindo-o, se recusasse a partir para as Missões ultramarinas. No documento declara-se: «compareceram presentes e outorgantes José António de Sousa, casado, lavrador proprietário e com elle seu legitimo filho António José de Sousa Barroso, solteiro, estudante, moradores no lugar da Torre de Moldes da freguesia de Remelhe deste Julgado, reconhecidos pelos próprios das ditas testemunhas […] e disse o primeiro outorgante pae que tendo o segundo outorgante seu filho, manifestado por vezes desejos de seguir a vida de messionário, elle pae havia obtido que elle fosse admitido no Real Collegio das Missoens Ultramarinas; que sendo porém preciso que como pae o autorizasse a que elle se obrigasse a indamnizar o mencionado Collégio nos casos marcados nos estatutos aprovados pelo Decreto de desoito d’Agosto de mil oitocentos setenta e hum, vinha em virtude disso pela presente escriptura prestar-lhe essa authorização, declarando como realmente declarava que consenthia que elle se obrigasse por si a essa indemnização tanto pellos seus próprios bens como dos delle outhorgante pae, concedendo-lhe para isso todos os poderes em direito necessários. E por elle outhorgante filho foi dito que acceitava com agradecimento a autorização que seu pae acabava de lhe prestar.»[76]

Enrolados os documentos, que eram imensos[77], e arrumado o enxoval, o António José partiu para Cernache do Bonjardim, a matricular-se no Real Colégio das Missões, para o ano lectivo que então se iniciava. O calendário marcava 3 de Novembro de 1873, antevéspera dos seus 19 anos.

 

A consciência social da «geração de 70»

António José Barroso viveu a adolescência e a juventude no reinado de D. Luís (1861-1889). Um período calmo, em termos de política interna, com alguma expansão económica e prosperidade para as classes dirigentes, para as grandes famílias, como a do seu vizinho e benfeitor Limpo da Fonseca.

Da fusão dos partidos Histórico e Reformista (1876), resultou o partido Progressista. Regeneradores e Históricos, primeiro, Regeneradores e Progressistas, depois, foram-se alternando no poder, num sistema bipartidário que procurava imitar o rotativismo inglês, e que se prolongaria por cerca de 50 anos, quase toda a vida de D. António Barroso. Este acabaria por estabelecer amizades e encontrar apoios em ambos os lados do sistema, embora os seus projectos e causas tivessem merecido particular atenção do Partido Progressista, pelo qual, mais tarde, viria a dar a cara, aceitando ser seu candidato ao Parlamento, pelo círculo eleitoral de Barcelos. Também, talvez, porque neste partido militavam alguns dos seus melhores amigos. Espírito independente, nunca teve problemas em apoiar as instituições políticas vigentes, na medida em que concorressem para os objectivos da religião de que era ministro, como claramente escreveu.

Ao regressar do Congo, trabalhou directamente com o ministro Barros Gomes, figura de proa do governo Progressista, no grande projecto do mapa cor-de-rosa, tendo a seu cargo a reestruturação das dioceses abrangidas por aquele mapa. Quando, anos mais tarde, já em Meliapor, lhe chegou a notícia da morte deste estadista, em carta que então escreveu ao Núncio Apostólico da Santa Sé em Lisboa, escreveu «Perdi o meu melhor amigo». Foi também com o partido de José de Castro no governo, que recebeu a nomeação para Meliapor e, pouco depois, para o cargo, por outros procurado, de Bispo do Porto.

Mas voltemos atrás. Em Agosto de 1870, o ministério de Saldanha caiu. Seguiu-se um governo Regenerador presidido por Fontes Pereira de Melo, que durou até 1877 – o mais longo ministério do século xix. Foi neste período fontista, de grande desenvolvimento, que António Barroso ingressou em Cernache, exactamente em 3 de Novembro de 1873, como acabamos de escrever.

Entretanto, nesta década de 1870, assistiu-se em Portugal a um surto de consciência política, com muitos a oporem-se ao rotativismo e ao enriquecimento despreocupado da burguesia. Cresceu a emigração. Surgiram os agrupamentos socialistas e republicanos que uns dez anos mais tarde cristalizariam em dois partidos, tornando-se o Republicano relevante. Em 1878, foi eleito o primeiro Republicano deputado às Cortes. Algumas franjas da sociedade começavam a agitar-se. Com o Socialismo e o Republicanismo a ganharem aderentes, cresceu o anti-clericalismo. Avizinhavam-se grandes mudanças. A mocidade começava a dar mostras de algum inconformismo.

A chamada Questão Coimbrã foi a primeira manifestação importante da juventude que ficou conhecida nos manuais por Geração de 70 – um grupo notável de intelectuais que pouco passavam dos 20 anos. Embora aparentemente literária, denunciava incompatibilidades mais profundas. A revolta da mocidade coimbrã havia de eclodir num movimento político, filosófico e literário, cuja amplitude terá ultrapassado a do próprio Romantismo.

Estes jovens, da mesma faixa etária de António Barroso, ainda que de extracto social diferente, assumiam-se como a expressão da abertura de Portugal ao mundo civilizado de então, graças ao progresso das comunicações e à liberdade da imprensa. Foram, de facto, os expoentes do Portugal europeu, liberal, moderno, aberto a uma nova sociedade, assente na revolução industrial, no regime parlamentar e na supremacia da burguesia.

A maioria destes intelectuais teve a sua afirmação e consciencialização na referida Questão Coimbrã, que pôs frente a frente dois grupos: um de jovens estudantes, chefiado por Antero, contestando os valores espirituais, sociais e literários do seu tempo, e o outro, de intelectuais mais idosos, dirigido por Castilho.

O grupo que se levantou contra Castilho, foi o mesmo que, acrescido de alguns outros elementos de pensar idêntico, se haviam de congregar, na primavera de 1871, nas Conferências Democráticas do Casino, para estudarem «as condições de transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa». O grande impulsionador foi Antero de Quental, mas ao projecto andavam associados outros nomes, como Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Jaime Batalha Reis, etc. Abalançavam-se a debater, no Casino Lisbonense, «as grandes questões contemporâneas, religiosas, políticas e sociais, literárias e científicas […] com radicalismo».

Os publicitados debates do Casino, depressa se converteram em ataques radicais à ordem social e política vigentes e ao catolicismo. Perante a transformação social e política que o mundo sofria, os organizadores das Conferências sentiam-se no dever de «estudar todas as ideias e todas as correntes do século», de «investigar como a sociedade é e como ela deve ser». Propunham-se «agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência modernas; estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa».

Logo na segunda Conferência, coube a Antero identificar as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. Apontou o dedo ao Catolicismo posterior ao Concílio de Trento, que, nas suas palavras, desvirtuara a essência do Cristianismo e atrofiara a consciência individual. Atacou a monarquia absoluta, por, em seu entender, haver coarctado as liberdades individuais e embotado, na cega submissão, a «raça ibérica». Por último, desancou forte nas conquistas ultramarinas, por, segundo afirmou, haverem exaurido as energias dos povos peninsulares e criado hábitos funestos de ociosidade e grandeza. O bisturi de Antero tentou, deste modo, lancetar os tumores que, em seu juízo, haviam conduzido a Península à decadência, e a traziam escanzelada. Das soluções que propunha, destacava a necessidade de opor ao Catolicismo a consciência livre, a ciência, a filosofia, a crença na renovação da Humanidade.

O Colégio das Missões Ultramarinas – instituição católica, monárquica e expressamente vocacionada para o Ultramar – nunca passou debaixo da lupa dos organizadores das Conferências, mas estaria, naturalmente, no ponto de mira desta mentalidade emergente. Situando-se nos antípodas do Casino Lisbonense, Cernache do Bonjardim formava padres para dilatarem a fé e o império, nas terras ultramarinas do Padroado Português. A juventude formada naquele Colégio, cujo Superior era nomeado pelo governo, tinha naturalmente, consciência desta nova realidade. Diversos professores e alguns dos Superiores do Colégio haviam sido formados na Universidade de Coimbra e um ou outro para lá voltou, depois, para leccionar. As relações eram próximas, não só em termos de distância geográfica, o que permitia aos colegiais de Cernache um razoável conhecimento da mudança cultural que se estava a operar na universidade coimbrã e em certas franjas da sociedade, em geral.

A maior parte destes jovens que, a partir de Coimbra e, depois, de Lisboa, tentaram convidar o país para uma reflexão profunda sobre a sociedade portuguesa, eram, como dissemos, jovens de vinte e tal anos, como António Barroso. É provável que este não acompanhasse em pormenor as questões debatidas pelos líderes intelectuais da sua geração, mas conhecia certamente a sua mentalidade. Sabia que eram filhos da burguesia que triunfara na revolução liberal, sabia que, teoricamente, punham em causa os valores em que cresceram, que representavam uma faixa crescente da sociedade portuguesa, e que lutavam pela afirmação dos valores próprios e pelo poder. Em breve ocupariam lugares na governação do país.

A mentalidade desta geração de 70, desta minoria «iluminada» em ascensão, geradora das grandes fracturas que ocorreriam em Portugal algumas décadas depois, era racionalista, positivista, anti-monárquica e anti-clerical. O estudante António Barroso e, naturalmente, os demais escolares de Cernache do Bonjardim, interpretavam este fenómeno como um desvio.

Contra esta mentalidade, e, mais tarde, contra a deriva modernista, António Barroso terçará armas.[78] Considerava necessário acordar Portugal para a sua identidade histórica, lutar pela restauração da pureza da identidade nacional. Entendia que a nação portuguesa tinha uma missão a cumprir no mundo. Estas suas preocupações terão de ser entendidas no contexto de confronto ideológico que caracterizou a sua geração. Anos mais tarde, em 25 de Novembro de 1895, será aclamado como um herói naquela Universidade de Coimbra, saindo sobre as capas dos estudantes, após uma notável oração gratulatória que ali pronunciou pela vitória das armas portuguesas na África oriental.

Filho do seu tempo, homem atento aos sinais e às mutações, António Barroso revelou sempre uma grande consciência política e uma apurada consciência cívica. Nos seus escritos, particularmente em algumas notas do seu diário, em Moçambique, é notável a atenção que dedicou às questões sociais, aos direitos do ser humano, a preocupação evangélica com que observou e criticou as injustiças dos mais desprotegidos da sociedade. Rejeitou sempre qualquer forma de prepotência. Esta atitude de firmeza, sustentada numa fé intrépida, conduzi-lo-á a momentos de grande sofrimento e de algum isolamento, nos exílios a que será submetido. É uma das suas imagens de marca.

Tornou-se grande admirador da obra de Leão XIII, o Papa da Rerum Novarum, que lançou as bases da doutrina social da Igreja e defendeu os direitos dos trabalhadores. O «Instituto Leão XIII», instituição de ensino que, quando Prelado de Moçambique, criou na Cabaceira, junto à Ilha, lá ficou a homenagear o Papa inovador, que teve o prazer de conhecer pessoalmente e com ele se aconselhar, em três diferentes ocasiões.

António Barroso foi um homem da geração de 70, um combatente de grandes causas, armado de fortes convicções, ainda que combatendo noutra trincheira.

Dentre os valores da sua geração que assimilou, releva também o gosto pela escrita. A segunda metade do século xix, em Portugal, mais do que uma época de ideologias, foi um período de excelentes escritores. E em muitos dos textos que António Barroso nos legou, por vezes perpassa o bom gosto, a ironia e o sentido crítico de Eça de Queirós, que nascera nove anos antes dele, e bem perto da sua aldeia, na Póvoa de Varzim. Não resistimos a transcrever, como exemplo, um pequeno excerto da descrição que, já missionário, faria da sua chegada ao Congo, indo da foz do rio Zaire, como veremos mais detalhadamente na III Parte:

O porto lá estava; os nossos galeões parece que aí fundearam recebendo todo o comércio do Congo, mas não estavam lá: apodreceram carcomidos pelo gosano da nossa inércia. Procurei ao menos o Padrão que o descobridor do Zaire ali colocou, como uma sentinela da nossa posse e do nosso direito; também lá não estava. Essa testemunha das nossas glórias projectava uma sombra tão dilatada e intensa, que um dia os súbditos marinheiros de Sua Majestade Graciosa, para nos livrarem de um remorso, fizeram dela alvo para experimentarem se as culatras dos seus canhões estavam tão limpas como as suas almas.

[…] O convento desmoronou-se; há perto de um século que os seus habitantes retiraram; o último roçar do burel do último Franciscano nos abrolhos do atalho, marcou o princípio da derrocada

 

Repassado de sentimento, e com umas fortes pinceladas de ironia, trata-se de um texto de fino recorte literário. Um compromisso entre o romantismo em decadência e o realismo que chegava para se afirmar. O António José de Sousa Barroso não desmereceu o talento da sua geração de 70. O velho fidalgo Bernardo Limpo da Fonseca, cultor das letras, que o iniciou nos prazeres da escrita, falecido no ano em que o discípulo entrou, como missionário, em São Salvador do Congo (1881), apreciaria certamente esta prosa cinzelada.

 

No Colégio das Missões Ultramarinas (3-11-1873 – 5-8-1880)

Conhecido, na segunda metade do século xix e princípios do século xx, por Real Colégio das Missões Ultramarinas, ou, simplesmente, Real Colégio das Missões, a designação oficial do Seminário onde o António José de Sousa Barroso ingressou, em 3 de Novembro de 1873, era Colégio das Missões Ultramarinas, nos termos da Lei, de 12 de Agosto de 1856, que o instituiu.[79]

Quando ingressou neste Colégio de nobres tradições, em Cernache do Bonjardim, o jovem Barroso tinha consciência das responsabilidades que ia assumir.

Atendendo à idade que tinha e às circunstâncias que rodearam a decisão, apercebeu-se de que atingira um ponto de não-retorno. Era uma ida sem regresso, e desse estado de espírito deu conhecimento aos pais por carta: «Quem entrou para dentro destes muros, ou estuda ou morre»[80], escreveu, com algum dramatismo, como testemunhou a vizinha e colega de infância, Ana Joaquina Senra.

Os alunos que entrassem no Seminário não podiam sair antes de acabar os seus cursos e caso decidissem abandoná-los a meio, a família teria de pagar uma indemnização por cada ano de ensino.[81] Era-lhes vedado o contacto com a família e com os amigos e toda a correspondência saída ou entrada era censurada pelo reitor.

Nas poucas vezes que escreveu à família, comentou acontecimentos da aldeia e manifestou saudades dos amigos. Das cartas que dirigiu aos pais, a única que chegou até nós, data de 3 de Setembro de 1876, quando já levava 3 anos de Colégio:

 

Meu pae. Recebi a sua mui estimada carta datada do pretérito Agosto; vejo que o Pae e a Mãe e mais família, andam bem; é isto que me consola. O Pae andou talvez com trabalho para saber as cousas que me mandou dizer na última; eu não queria que houvesse trabalho, porque a mim, afinal, tanto me rendia de um modo como doutro; se o Henriques foi para o Brasil antes de 14 annos completos, está livre por natureza; o Leitão encostou-se à irmã; por aí fazem-se coisas lindas e isto he o que se chama justiça de mouro; e talvez que os mouros não saibam fazer disto; eu gosto que elle assim escapasse pella tangente. O Mattos lá ficou sem a pequena; decerto que elle hade sentir muito; mas ella morreu em boa edade, e por isso não deve ter penna. Recomendações à Madrinha Delfina, Domingos, primos e primas, um abraço à minha Mãe e mano e lance a sua bênção a este filho. António. Sernache, 3/9/1876.[82]

 

A correspondência com os pais, que não sabiam ler, era feita através de um vizinho. A já mencionada Ana Joaquina Senra, da mesma criação, e conhecida pela entrevista que, sobre ele, deu ao vespertino portuense Diário do Norte, em 23 de Julho de 1951, quando já tinha 97 anos, mostrava ter conhecimento do que o António José dizia aos pais nas cartas, porque era um irmão dela quem lhas lia.

Habituado desde menino a uma vida de sacrifício, de privações e de trabalho, o jovem seminarista tinha consciência da dimensão da opção que tomara. E a prova é que, em pouco tempo, passou a integrar o núcleo dos melhores alunos da casa. Sem que, com isso, incorresse nos ciúmes dos seus colegas – observa um dos condiscípulos, Sebastião Braz, elogiando a modéstia da sua conduta, a sua amabilidade no trato e a simpatia com que cultivava as relações com colegas e professores. Fenómeno muito raro na vida colegial, acrescenta ainda, com experiência própria, este seu biógrafo.

Trabalhador, inteligente e afável no trato com professores e com colegas, cursou com excelentes resultados as disciplinas preparatórias, mas brilhou, sobretudo, quando ingressou no curso de Teologia.

Antes, porém, de prestarmos atenção aos seus êxitos de estudante, vamos sumariamente folhear a história da instituição que o acolheu. Vamos revisitar os principais acontecimentos e recordar algumas figuras que ali emergiram, desde a fundação, em 1791, por D. João VI, até à década de setenta, do século xix, altura em que o António José ali viveu, estudou, recebeu a sua formação e a ordenação sacerdotal (1873-1879). Uma breve referência também à extinção do seminário pela República (1911).

 

Uma instituição com o selo da realeza

Quando o Papa João Paulo II, na homilia de encerramento do Sínodo Africano, em 8 de Maio de 1995, referiu os grandes grupos missionários, de diversas ordens e congregações internacionais, que evangelizaram a África, no século xix, mencionou, a par com outros, os «Sacerdotes de Cernache do Bonjardim», dando-lhes o relevo que efectivamente têm na história da missionação.[83]

Estes sacerdotes, de que se destacou o grande missionário Barroso, receberam a sua formação num Colégio com nome e com história. Contando mais de dois séculos, o Seminário/Colégio que funcionou como pivô da missionação portuguesa moderna, fica na vila de Cernache do Bonjardim, que, por interessante coincidência, se situa nas proximidades do centro geodésico do país.

 

1 – Colégio do Grão-Priorado do Crato (1791-1834)

A freguesia de Cernache, desmembrada da Sertã, entre 1552 e 1554, entrou no mapa e adquiriu algum relevo com a construção do Paço do Bom Jardim, uma «obra assaz vistosa e fermosa», que servia de estância de Verão para o Priorado do Crato, da Ordem Militar de Malta.

A presença desta Ordem Militar em Portugal é anterior à nacionalidade, e fixou-se no Crato no tempo de D. Afonso IV. Por breve de Eugénio IV, de 1341, o Priorado da Ordem em Portugal passou a denominar-se Priorado do Crato,[84] e, a partir de D. Manuel, passou este a designar-se Grão-Priorado, passando também os Priores a denominar-se Grão-Priores.[85]

Este Priorado, independente de qualquer diocese, foi, durante séculos, senhor do Paço do Bom Jardim. D. Álvaro Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno Álvares Pereira (S. Nuno de Santa Maria), ali morou, tendo sido mesmo o primeiro Prior do Crato que fixou residência nos limites do Priorado. Neste Paço, deve ter nascido o herói de Aljubarrota, que, a crer num almoxarife da Sertã (1791), era «um dos trinta e dous filhos que D. Fr. Alvaro Gonçalves Pereira, Prior do Crato, aqui houve». Nasceu em 24 de Junho de 1360, sendo filho do referido Prior e de Iria Gonçalves do Carvalhal, natural de Elvas. Anos depois, segundo a Crónica do Condestável, este escolheu também o mesmo Paço para a sua lua-de-mel, depois de casar, em 15 de Agosto de 1376, em Vila Nova da Rainha.

Quatro séculos mais tarde, em 1789, quando a Revolução francesa aconselhava mais atenção às terras, o Papa Pio VI uniu o Priorado do Crato à Casa do Infantado, duas instituições que andavam entregues a membros da família real.[86]

Pouco depois, quando era Grão-Prior do Crato o Príncipe regente e futuro rei de Portugal D. João VI, mandou este, por decreto de 10 de Março de 1791, que o seu Provisor e Vigário Geral criasse um seminário para formar o clero necessário às igrejas do Grão-Priorado, nas terras da Sertã. O Provisor e Vigário Geral era Manuel Joaquim da Silva, que fora Cónego da Sé patriarcal de Lisboa. Este cernachense, formado em Cânones pela universidade de Coimbra, gozava de «grande ascendente no ânimo de D. João VI», ao ponto de este haver acolhido um projecto tão importante e inovador, que terá partido dele, e havê-lo encarregado da execução do mesmo, na sua própria terra. Para lhe conferir maior dignidade no desempenho das novas funções, o Príncipe promoveu a sua eleição para Arcebispo de Adrianópolis, em 1792. No ano seguinte, foi designado Conselheiro régio. A nova instituição, orientada para formar clero para as igrejas do Grão-Priorado do Crato, era paga pela Fazenda Pública da Coroa e do Infantado.

Esta importante decisão de D. João VI não poderá ser vista como uma deliberação isolada do antigo regime. A sua opção de criar um seminário para as igrejas do Grão-Priorado, deixa entender que se vivia um momento de renovação. O primeiro momento de renovação católica da época contemporânea, que normalmente se situa no século xix, começou, de facto, em pleno século xviii.[87]

O local escolhido para o seminário foi o Paço do Bom Jardim, e a sua direcção foi confiada aos Padres da Congregação da Missão[88], por terem experiência de missões nas terras do Grão-Priorado, carenciadas de clero, também devido ao empenho que estes vinham manifestando na renovação católica, e ainda por serem considerados especialistas na preparação espiritual e no desenvolvimento intelectual de jovens candidatos à vida eclesiástica. O Provedor, Manuel Joaquim da Silva, pertencia a uma família de religiosos, alguns dos quais eram Padres da referida Congregação.

As aulas começaram logo em 25 de Outubro desse mesmo ano de 1791, ainda em casas particulares, e com a presença do Provisor. A construção do edifício começou em 1792, com a aquisição dos materiais necessários. Em 1796, uma parte do edifício estava pronta a ser habitada, tendo os custos sido suportados pelo Priorado, pelo Infantado e pela Coroa. Com a morte de D. Manuel Joaquim da Silva, aos 63 anos, em 18 de Maio de 1808, foram suspensas as obras, ficando o plano inicial a meio. Só seriam concluídas sessenta anos mais tarde, em 1868, já integradas noutro projecto.

A direcção do seminário, dedicado a São João Baptista, estava então entregue aos Padres da Congregação de São Vicente de Paulo, como referimos. Gozando de boa fama pelos seus estudos e disciplina, dedicavam-se afincadamente à preparação de algumas dezenas de padres, para as igrejas do Priorado e também para outras igrejas diocesanas. O primeiro Superior, desde a fundação, foi o Padre Manuel Francisco de Paula Troyano, depois substituído, em 1811, pelo Padre Manuel Lopes da Mata. As despesas eram grandes.[89] Como informa Cândido Teixeira, o seminário era frequentado por muitos alunos «e era progressiva a sua frequência, por ser convidada pela regularidade dos estudos, salubridade sem igual do local, commodidade do alimento e habitação, e pela centralidade da situação».[90]

 

O carisma da missionaridade do clero não religioso, em Portugal. Entretanto, os Padres da Congregação da Missão resolveram, logo de início, alargar o âmbito da sua acção, e passaram a acolher também candidatos para as Missões da China, que bem conheciam, porque vinham desenvolvendo uma significativa actividade no «País do Meio». Foi um momento marcante, decisivo na história da prestigiada instituição cernachense. Começou então a pulsar no seminário do Bonjardim a dimensão missionária que marcaria o futuro daquela Casa. O carisma da missionaridade desabrochava.

Com este objectivo preciso de incentivar o apoio às Missões na China, o Príncipe D. João, por carta régia de 13 de Fevereiro de 1800, atribuiu ao seminário a renda anual de 600$000 réis, dos doze contos testamentados para apoio às Missões, pela esposa de D. João V, D. Maria Ana de Áustria, falecida meio século antes, em 1754.

Os anos difíceis que se viveram em Portugal no início do século xix, com as invasões francesas e, depois, com uma série de revoluções em cadeia e com a decisão drástica de Joaquim António de Aguiar, não foram propícios ao desenvolvimento do projecto China. Contudo, é importante assinalar esta decisão da abertura do Seminário de Cernache à dimensão missionária, que só receberia consagração oficial em 1856, mas que se manteve até aos nossos dias. Uma decisão inovadora em Portugal, porquanto, até àquela data, apenas se verificara uma experiência idêntica em França, com a fundação do Seminário das Missões Estrangeiras de Paris, para formar clero missionário para as missões dependentes da Congregação para a Propagação da Fé (Propaganda Fide).

Com efeito, em 8 de Junho de 1658, algum clero das dioceses de França, com o apoio de movimentos laicais em renovação espiritual, dera início à Sociedade das Missões Estrangeiras, criando um Seminário no centro de Paris, para formar elementos do clero das dioceses francesas que estivessem disponíveis para trabalhar nas Missões do Oriente. Uma data marcante na história da Igreja. Até então os missionários saíam dos institutos religiosos.

Algumas décadas antes, em 1622, dera-se outro passo decisivo na história da acção missionária da Igreja: o Papa Gregório XV fundara a mencionada Congregação para a Propagação da Fé, para superintender na actividade missionária da Igreja, que até àquela data dependia sobretudo dos padroados régios de Portugal e de Espanha, com uma carga crescente de complicações políticas e de ambiguidades que esta situação acarretava. O Seminário das Missões Estrangeiras de Paris propunha-se exactamente preparar pessoal para responder a este desafio de Gregório XV.

Com estes dois acontecimentos, a criação do departamento da Cúria Romana e a fundação do Seminário das Missões de Paris, iniciou-se uma era nova na missionação católica, associando-se o carisma da missionação às igrejas diocesanas e reorientando para a figura do Papa a missionação da Igreja, do que resultava uma redução significativa do domínio dos padroados régios.

O Seminário das Missões de Paris foi fermento que levou duzentos anos a levedar. Efectivamente, decorreram dois séculos até que desabrochasse nas dioceses da Europa e da América o carisma da missionaridade do clero não religioso. Apesar do atraso, a partir de 1850 começaram a surgir Seminários para formar missionários à imagem dos de Paris, na Itália, na Espanha, na Inglaterra, na Argélia, na Irlanda, na Suíça, em Portugal, nos Estados Unidos, no Canadá, mais tarde na América do Sul e no México e, mais recentemente, na Ásia e na África.[91] No centro deste projecto missionário de tão longo alcance, está o exemplo francês.

 

O despertar da consciência missionária, na Europa. Recorda-se que no século xix, o Catolicismo conheceu uma expansão geográfica espectacular, que o século das Luzes não deixava sequer imaginar. Este ressurgir do interesse pela missionação anda naturalmente associado ao movimento geral de expansão da Europa que se seguiu à revolução industrial, e às grandes vagas migratórias que levaram milhões de europeus à aventura ultramarina e à construção de imensos impérios coloniais. Mas não só. O despertar da consciência missionária católica no século xix nasceu e teve como suporte principal, durante muito tempo, o catolicismo francês, e está naturalmente marcado pela experiência revolucionária e por todo o contexto que se viveu em França no início daquele século: a recusa da filosofia dos direitos do homem tal como foi proclamada em 1789, a convicção de que a ameaça da Revolução sobre a sociedade humana exigia a restauração do Catolicismo, o sentimento da necessidade de entrar numa competição sem concessões com o Protestantismo e com as ideias novas, a ligação profunda e sincera à pessoa do Papa[92], e o germinar de uma espiritualidade fundada sobre a entrega total do próprio indivíduo. Esta herança marcou de forma duradoura o catolicismo francês e todo o movimento missionário europeu.

O despertar missionário do século xix tem assim as suas raízes nas fortes convicções que caracterizaram a França pós-revolucionária. A situação inédita vivida pela Igreja francesa, resultante da divisão entre apoiantes e adversários da nova ordem nacional, e toda uma série de questões geradas pela incerteza dos tempos novos, conduziram a uma catequese que punha em relevo a urgência da salvação. Colaborar na salvação dos pagãos participando no desígnio divino da salvação universal afirmava-se como um dos meios mais seguros de assegurar a salvação própria. A urgência da salvação das almas, a luta pela salvação dos «infiéis», a necessidade de «arrancar às trevas as multidões de pagãos» constituiu pois o motor desta mobilização missionária.

A angústia gerada pela encruzilhada da Revolução conduziu a uma espiritualidade que privilegiava as referências a Cristo crucificado e aos Corações de Jesus e de Maria. Surgiram diversos fundadores de sociedades missionárias marcadas, directa ou indirectamente, pela experiência de um catolicismo vivido na clandestinidade onde as escolhas assumiam um certo radicalismo. Pierre Coudrin (1768-1837) fundou a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria (Picpus), Charles de Forbin-Janson (1785-1844) criou a Obra da Santa Infância, Eugéne de Mazenod (1782-1861) fundou as Oblatas de Maria Imaculada e Jean-Claude Colin (1790-1875) fundou a Sociedade de Maria. Marion Bresillac (1813-1859), antigo membro das Missões Estrangeiras de Paris, reuniu os primeiros padres das Missões Africanas de Lyon e Anne-Marie Javouhey (1779-1851) lançou os fundamentos da Congregação de S. José de Cluny. As biografias destes e de muitos outros homens e mulheres que mobilizaram a consciência dos franceses para a acção missionária põem em evidência a influência da Revolução nas suas vocações.[93]

Em Portugal, o contexto era outro. As pressões eram de menor intensidade, e de natureza diferente. A associação da missionaridade ao clero não religioso decorreu sempre com algumas ambiguidades e condicionalismos, naturais no contexto de padroado em que se vivia. Poder-se-á dizer que D. Veríssimo Monteiro da Serra e o Pe. Luís Natividade, de que adiante falaremos (e Sá da Bandeira também, como agente do Padroado) foram pioneiros, na mesma data de Milão (1856), embora no caso português as coisas tenham decorrido dentro dos referidos condicionalismos, como mais desenvolvidamente adiante se verá.[94]

Resumindo, será correcto afirmar que, em Portugal, o despertar do carisma da missionaridade de clero não religioso aconteceu no ano de 1856, no Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim, tendo as sementes sido lançadas pelos Padres Vicentinos, umas décadas antes, quando, pouco depois da abertura do Seminário, decidiram acolher alunos candidatos às Missões da China. Por carta régia do ano de 1800, fora atribuída ao Seminário, como se referiu, uma renda anual de 600$000 réis, já com o objectivo preciso de incentivar o apoio às missões na China.

 

A China, tão longe e tão perto. Interessante também é que, desde o início e por muito tempo, o interesse pelas Missões, em Cernache do Bonjardim, andou associado à China. Os primeiros projectos de missionação foram esboçados a tinta-da-china.

Inicialmente, na Europa, o interesse missionário centrava-se no chamado Novo Mundo – Estados Unidos e Canadá. O aparecimento da Obra da Propagação da Fé atesta o papel desempenhado pela América no despertar missionário do início do século xix. Os primeiros anos da revista Annales (1822-1835) eram preenchidos com cartas vindas desse Novo Mundo. Entretanto, o interesse pelas Missões passou a andar associado à enorme curiosidade que despertavam os mundos exóticos, e que se foi desenvolvendo com a literatura de viagens. O movimento romântico que triunfou em França com a obra de Chateaubriand, apelava à universalidade e à abertura aos mundos distantes. O Génio do Cristianismo exaltava o poder civilizador do Catolicismo e a grandeza da missão distante.

O Seminário parisiense de São Sulpício surgiu como ponto de encontro de homens e de projectos que abriram a França católica a novos horizontes. Novas redes se constituíram à volta do Seminário das Missões Estrangeiras de Paris, do Seminário de Santo Ireneu de Lyon (dirigido por Sulpicianos) e de associações de leigos. Era preciso encontrar um entusiasmo idêntico pelas Missões de outros continentes. É aí que surge a China. O sucesso das Cartas Edificantes sobre coisas da China, escritas por missionários jesuítas, com múltiplas reedições a partir de 1808, confirma o eco que os relatos missionários tiveram, quer junto do público mais culto, quer nos meios populares.

Se o Império do Meio já não despertava tanto interesse e curiosidade, se a moda orientalista já tinha passado com o século xviii, a China continuava a ser um segundo pólo de atracção. Mais distante que a América, o Império chinês passou a fascinar grupos de jovens que procuravam identificar-se com os primeiros cristãos. Se a América do Norte era vista como um imenso campo aberto à colonização e à cristianização, a China simbolizava a «resistência do velho mundo pagão à penetração do Evangelho.»[95] O apelo da China era mais fascinante que o sonho da restauração cristã da Europa, e permitia aos mais generosos dar testemunho da sua fé, até ao limite do martírio, seguindo o exemplo de muitos no período da Revolução. A valorização do martírio na China passou a exercer um verdadeiro fascínio durante todo o século xix. O Seminário das Missões Estrangeiras tornou-se conhecido pela sua capela dos mártires e Leão XIII apelou ao interesse pelas catacumbas romanas.[96]

Os Padres Vicentinos que dirigiram o seminário de Cernache do Bonjardim, desde a fundação, em 1791, até ao seu encerramento compulsivo, em 1834, conheciam por dentro as novas sensibilidades da Igreja missionária. Naturalmente vocacionados para as Missões, tanto «entre fiéis como entre infiéis», eram conhecidos também como Lazaristas, designação que deriva do priorado de São Lázaro, em Paris, onde se haviam instalado os primeiros Padres, em 1632. Fundada por São Vicente de Paulo, que foi operário agrícola até aos 15 anos e que esteve na base da renovação católica francesa do século xvii, sobretudo através da reforma do clero, esta Congregação já levava vasta experiência da faina missionária quando chegaram os anos quentes da Revolução. A expansão para fora de França verificara-se em 1642 (Roma) e para as Missões estrangeiras, em 1648 (Madagascar). Desde cedo assumiram a direcção de Missões no Brasil, em Goa, em Macau, Timor e China. Eram missionários de vanguarda. A sua raiz francesa foi naturalmente sensível ao ressurgir do fascínio pela China que era notória entre os católicos europeus. Quando resolveram alargar o âmbito da sua acção em Cernache do Bonjardim, passaram a acolher também candidatos para as Missões da China, que bem conheciam, porque lá trabalhavam. As ligações de Cernache do Bonjardim à China mantiveram-se e intensificaram-se depois da reabertura, em 1855, devido a condicionalismos que adiante se descrevem.

 

Encerrado por Joaquim António de Aguiar (30-5-1834). O seminário de Cernache era uma instituição nacional de referência. Sabemos que, em 1834, o estabelecimento de ensino da  recôndita freguesia de Cernache do Bonjardim gozava de muito prestígio. «Do Império do Brasil vinham estudar aqui os preparatórios para a Universidade muitos alunos, alguns dos quais, ainda em 1854 ocupavam os primeiros lugares do Império.»[97]

A questão das Missões do Padroado, premente e geradora de grande tensão diplomática entre a Santa Sé e Portugal, contribuía para manter Cernache no centro das atenções.

Em 1833, no seio do Conselho Ultramarino, órgão de apoio ao Governo, chegou-se a um consenso quanto à necessidade de criar condições de assistência aos territórios não europeus, de forma a melhor os «civilizar» e a assegurar a perenidade do Padroado. Foi assim que, no termo da guerra civil, a Regência liberal planeou e tentou um recrutamento urgente de duzentos missionários – um número exorbitante para a capacidade de resposta dos seminários então existentes em Portugal. Com tal intuito, abriu-se uma espécie de concurso, por decreto de 28 de Dezembro de 1833, convocando duzentos eclesiásticos, do clero regular ou secular, que estivessem dispostos a trabalhar nas igrejas da África e da Ásia… É claro que ficou deserto. E a questão de Cernache continuou no centro.

Enquanto uns sonhavam, outros decidiam. Os tempos eram de mudança, e o seminário de Cernache do Bonjardim, apesar do prestígio de que gozava, foi encerrado, em 30 de Maio de 1834. A medida revolucionária de Joaquim António de Aguiar visava as Ordens Religiosas, e o seminário de Cernache preparava clero secular, mas, porque era dirigido por clérigos regulares, não escapou ao vendaval liberalista.

Ao longo das quatro décadas da sua curta existência, haviam passado pela instituição mais de 300 alunos e ali se haviam formado duas dezenas de sacerdotes, alguns dos quais acabaram por ingressar na Ordem dos Vicentinos, seus formadores. Dos alunos da última geração, destacam-se dois que, mais tarde, vieram a desempenhar um papel importante, quando, naquelas instalações, abriu, duas décadas depois, o primeiro seminário português exclusivamente destinado à formação de missionários para as Missões: D. Jerónimo da Mata e D. João Maria Pimentel.

À drástica decisão de 1834, seguiu-se o abandono e a deterioração das instalações.[98] A igreja ficou a cargo da paróquia de Cernache, enquanto a cerca e a horta foram arrendadas a particulares.

Pior, porém, foi a sorte das Missões. Com a extinção das Ordens e Congregações religiosas e com a expulsão dos membros que estas tinham em actividade nos territórios portugueses ultramarinos, a situação degradou-se naqueles territórios, quer em termos de evangelização, quer em termos de ensino e assistência às populações. Os clérigos regulares foram chamados ao Reino. Aí por 1850, havia uma média de 5 padres por colónia, a trabalhar desorganizadamente, desprovidos de estrutura hierárquica.

  1. Jerónimo José da Mata, um dos dois ex-alunos atrás referidos[99], entretanto ingressara nos Lazaristas e partira para Macau, concluindo os estudos no seminário local e indo ordenar-se a Manila, em 1829. Foi o primeiro bispo de Macau (1845-1862), que foi aluno daquele Seminário.[100]

Em 22 de Janeiro de 1837, quando já se faziam sentir no Oriente os efeitos da decisão desastrosa de 1834, regressou à metrópole, para pedir ao governo que acudisse às Missões da China e restabelecesse o seminário, publicando sobre o assunto uma Memória offerecida aos senhores deputados da nação portuguesa.

 

2 – Colégio das Missões Ultramarinas (vulgo Real Colégio das Missões) (1855-1911)

Como principal referência desta nova fase da vida do seminário, temos de novo a China. E há que relçar o trabalho persistente dum português mandarim, D. Veríssimo Monteiro da Serra, uma das pessoas compulsivamente chamadas ao Reino. Era outro ilustre missionário da China, também Vicentino. Bispo eleito de Pequim, mas nunca confirmado no lugar, aproveitou a chamada ao Reino para dar a conhecer ao governo português o estado calamitoso a que haviam chegado as Missões no Oriente. Tentou também sensibilizar os governantes para o interesse que havia em mantê-las.

D. Veríssimo, de 67 anos, que passara 28 em trabalhos apostólicos, entre Macau e Pequim, era uma figura de muito prestígio no Oriente. A residir na China há muitos anos, ali adquirira a categoria de mandarim e ascendera ao invejável posto de presidente do Tribunal das Matemáticas.

Tendo sido extinta também a Missão jesuíta de Pequim, trouxe o fundo daquela Missão e, com ele, adquiriu «uma casa nobre e correspondente cerca» no Bombarral, terra da sua naturalidade, e que doou ao Estado, solicitando autorização para a transformar num pequeno Colégio orientado para as Missões da China. Com o fundo que trouxera e com o fundo de D. Maria Ana de Áustria, testamentado para o mesmo fim, propunha-se preparar um número limitado, mas bem seleccionado de padres para a China. Concretamente, solicitou ao governo a criação de um Seminário das Missões, usando os fundos das Missões da China, administrados em Macau, e disponibilizou-se para leccionar a língua chinesa e para outras tarefas ao seu alcance.

A Igreja e alguns políticos conscientes da situação, empenhavam-se em encontrar uma solução alternativa, e a de D. Veríssimo, mereceu o apoio do Secretário de Estado, José Joaquim Falcão. O governo acabou, assim, por aceitar a ideia e, em 21 de Maio de 1844, concedeu um subsídio de 1:200$000 réis anuais, dos fundos das Missões da China, para o novo seminário entretanto aberto na casa do Bombarral, e que funcionou sob a direcção de D. Veríssimo, até à morte deste, em 9 de Outubro de 1852. No decreto de 21 de Maio de 1844, a que se faz referência, aludia-se à carta régia do Príncipe D. João, de 1800, que dera início às Missões da China, em Cernache, como se escreveu.

Em 2 de Fevereiro de 1846, ali deu entrada o primeiro aluno, que, por falta de condições e de corpo docente adequado, se preparava para abandonar, quando, um mês depois, em 14 de Março, ali se apresentou outro aluno, Luís Bernardino da Natividade. Será este a dar forma ao projecto que o grande bispo da China se mostrou incapaz de desenvolver, sobretudo devido à idade.

Luís Bernardino da Natividade recebera o hábito de São Francisco no convento da Falperra e foi devido à extinção das Ordens religiosas que veio completar no Colégio do Bombarral as necessárias habilitações, com a intenção de partir para o Oriente. Ordenado em 1849, recebeu de D. Veríssimo procuração para lidar com todos os negócios relativos ao projecto China.

Herdeiro do sonho do velho mandarim, foi quem primeiro se preocupou com o reduzido espaço das instalações. Pensou em melhorar os métodos de recrutamento e cuidou de elaborar novos estatutos para a instituição, que, entretanto, fechara provisoriamente.

De facto, após o falecimento de D. Veríssimo, em Outubro de 1852, o ministério da Marinha e do Ultramar suspendeu as actividades da nova instituição e, por portaria de 17 de Novembro daquele ano, encarregou o Padre Luís da Natividade de a reformar. Por falta de estatutos adequados e devido à indefinição em que nascera, o Colégio era conhecido e referenciado tanto na imprensa como em documentos oficiais, com designações tão diferentes como Colégio das Missões da China, Colégio da Missão Portuguesa, Real Colégio do Bombarral e Colégio de São José do Bombarral.

Concluídos os estatutos, as actividades foram retomadas no ano seguinte, em 13 de Novembro de 1853, sob a direcção do Padre Luís Bernardino da Natividade. O Colégio de São José do Bombarral reabriu então com novos professores e com mais alunos vindos do Norte e de Espanha, através de contactos do Padre Natividade.

Já antes, dada a insuficiência do espaço das instalações do Bombarral, este procurara desdobrar o Colégio. Pedira e obtivera do governo a parte superior do extinto Recolhimento do Amparo, no Bairro da Mouraria, para abrir uma sucursal em Lisboa. A portaria desta concessão tem a data de 27 de Novembro de 1850, mas não veio resolver a questão do espaço. D. Veríssimo manteve-se ali até 9 de Outubro de 1852, data em que faleceu.

Alegando a insuficiência das instalações e a sua má localização, o Padre Natividade, com a aprovação do Conselho Ultramarino, requereu outras ao governo. Com o apoio de alguns Governadores civis e de elementos do Ministério da Marinha e do Ultramar, passou a procurar pelo país um espaço amplo que pudesse ser adaptado para casa de formação de missionários para a China. Diversas soluções foram tentadas, como o Convento de Brancanes, perto de Setúbal, proposto por Garrett, mas que se revelou inviável, pela recusa do proprietário em cedê-lo. Houve quem se lembrasse de Mafra, Tomar, ou Barro, perto de Torres Vedras, e de outras hipóteses, no norte do país. Acabou por se optar pelo antigo Seminário do Grão-Priorado do Crato, em Cernache do Bonjardim, que não estava totalmente abandonado porque ali se ministravam algumas aulas de primeiras letras. A hipótese de Cernache já tinha sido referida numa proposta inicial, apresentada por Sá da Bandeira, em 1851, para que se criasse um seminário para a educação de eclesiásticos, destinados às Missões, proposta que se vinha arrastando no Conselho Ultramarino, havia mais de quatro anos.

 

Um projecto renascido das cinzas. O Pe. Luiz da Natividade, acabou por visitar Cernache e, agradado com o que viu, oficiou ao governo, em 5 de Março de 1855, solicitando autorização para ali instalar o Colégio que estava no Bombarral. Também com esse objectivo, organizou uma pequena campanha junto da imprensa e mobilizou as chamadas forças vivas da região, no sentido de apoiarem a reabertura daquele espaço como seminário. Um projecto ia renascer das cinzas.

Por decreto de 2 de Agosto de 1855 mandou o governo, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, pôr à disposição do Ministério da Marinha, o edifício do extinto seminário de Cernache, e por decreto de 15 de Setembro do mesmo ano, o governo disponibilizou a casa para o projecto apresentado pelo Pe. Natividade, que dela tomou posse no dia 5 de Outubro de 1855, com a condição de manter a escola que já ali funcionava, para instrução das crianças da área.

Vieram imediatamente do Bombarral, 14 escolares e dois padres, além do director, Padre Natividade, coadjuvado por Frei João Baptista de Jesus, que entretanto tomou a direcção interina da Casa. Durante dois meses, largaram os estudos para tornarem habitável aquele espaço, então em decadência, no que foram apoiados pela população da zona, que acorreu em massa.

Após alguns melhoramentos indispensáveis, fez-se a transferência e, ainda naquele ano de 1855, em 8 de Dezembro, o seminário foi solenemente reaberto, com enorme regozijo dos cernachenses, que se prontificaram a colaborar nas reparações de que ainda carecia, após tantos anos de abandono. As obras de fundo foram feitas ao longo dos 14 anos que se seguiram.[101]

Foi deste modo que o antigo Seminário do Grão-Priorado do Crato, em Cernache do Bonjardim, absorveu o Colégio das Missões da China, do Bombarral, e se tornou numa espécie de Seminário Nacional das Missões, destinado a formar missionários do clero secular para todo o Padroado Português da África e do Oriente. Assim surgiu o seminário onde o jovem António Barroso recebeu toda a sua formação académica e a preparação missionária. É de 12 de Agosto de 1856 a Carta de lei pela qual Sá da Bandeira instituiu o Colégio das Missões Ultramarinas, visando «a educação e instrução do Clero e a preparação de missionários para as Dioceses e Missões do Real Padroado na Ásia, África e Oceânia». O Superior seria escolhido pelo governo, ouvido o Conselho Ultramarino. Era o dealbar de uma nova era da missionação em Portugal, como já acima escrevemos.

Apesar dos parcos recursos de que dispunha, em Maio de 1856 o Seminário já era frequentado por 39 alunos (19 alunos internos e 20 externos).[102] O próprio Sá da Bandeira ordenava que os alunos do Ultramar que estudavam no Seminário Patriarcal de Santarém fossem transferidos para o Colégio de Cernache.

As reparações da casa prosseguiram ainda naquele ano de 1856, com 500$000 réis que o governo ofereceu e com avultados donativos dos povos da redondeza. Foi também depois entregue ao Colégio o parque que lhe fica junto.

Contudo, e apesar destes avanços, o Colégio debateu-se, desde a sua fundação, e por mais de uma década, com vários problemas internos que derivavam da natureza mista da instituição, como, adiante, mais desenvolvidamente se observará. Era dirigido pela Igreja, mas propriedade do Estado. Houve, desde o início, algumas dificuldades de relacionamento entre os dois poderes. Ao longo da primeira década, houve seis Superiores, o que exprime bem a instabilidade que se vivia.[103] Depois da saída do Padre Natividade como Superior, há notícias de deficiente gestão e até de «imoralidade e devassidão». Naqueles anos difíceis, de muita instabilidade, o governo terá pensado em transferir o Colégio para o Convento de Mafra ou para o da Ordem de Cristo, em Tomar.

Em resultado da indefinição dos primeiros anos, os resultados foram parcos, quer em termos de recrutamento, quer, naturalmente, de ordenações. Durante os primeiros onze anos, portanto até 1866 (o António José Barroso entraria sete anos depois, em 1873), contam-se «dois únicos padres».[104] De 1861 a 1871, os Jesuítas colaboraram activamente na preparação dos seminaristas, tendo a seu cargo os estudos e a disciplina, e também, durante algum tempo, a direcção espiritual, «mas afastaram-se por discordância com o sistema».[105]

 

  1. João Maria Pimentel, figura emblemática. Quando as nuvens se acastelavam, surgiu um homem providencial, João Maria Botelho do Amaral e Pimentel, capaz de ajudar a desgovernada instituição a sair da crise e a reavivar o carisma missionário. Dinâmico, foi ele também o grande obreiro do redimensionamento do edifício. Este notável Superior, que dirigiu a instituição desde 4 de Julho de 1865 a 28 de Julho de 1872, era, como se referiu, um ex-aluno da Casa. Natural de Oleiros, onde nasceu em 21 de Julho de 1815, João Maria Pimentel estudara naquele Colégio, antes do seu encerramento, em 1834.

Trata-se de uma figura com uma história pessoal interessante. Frequentou o seminário, por influência de um tio-avô, Vicentino, que já havia sido ali professor – Frei Simão José Botelho Dourado. Não chegou a receber ordens e, com o fecho compulsivo do seminário, exerceu uma série de profissões na vida civil e acabou por se formar em Direito, em Coimbra. Recebeu ordens menores e secretariou o bispo de Bragança, em 1849, ordenando-se em 1850.

Foi nomeado bispo de Macau, em 9 de Maio de 1865, e confirmado em 8 de Janeiro do ano seguinte, com jurisdição restrita à cidade de Macau, mas o governo rejeitou a bula. O governo português mantinha uma disputa com a Santa Sé, a respeito daquela colónia, por considerar que o respectivo bispo tinha jurisdição não apenas sobre a cidade, mas também sobre os territórios adjacentes a Macau.

Ao rejeitar a bula, e a sua consequente nomeação para Macau, o governo nomeou D. João Maria, Superior do Colégio de Cernache do Bonjardim, funções que exerceu até 1872.

Foi sob o seu governo que a casa foi ampliada e concluída. Quando, em 1855, reabriu o Colégio das Missões Ultramarinas, o edifício era apenas a igreja e a casa fronteira à rua, com um total de 27 quartos para alunos. Na Primavera de 1868, D. João Maria iniciou os trabalhos de ampliação com donativos dos cofres da Bula da Cruzada e do governo.[106]

Das obras então realizadas resultou a configuração quadrangular do edifício, tal como hoje se mantém. Em 26 de Dezembro de 1869, consideraram-se encerrados os trabalhos de ampliação, com a colocação de uma lápide comemorativa, na fachada norte[107], ainda que, efectivamente as obras se tenham prolongado até 30 de Junho de 1871. A D. João Maria se deve também o plano e o ajardinamento do claustro, com uma ampla cisterna, bem como outras importantes obras no Parque. Foi ainda ele que completou o carrilhão da torre.

Cuidou também de desenvolver o plano de estudos, e prestou atenção à disciplina interna, para o que contou com a preciosa colaboração dos Jesuítas. Quando ali chegou, para assumir a direcção, a coordenação dos estudos e a disciplina interna estavam já a cargo dos Padres da Companhia de Jesus, regressados do exílio. Para lá haviam sido chamados em 1861 e lá se mantiveram até 1871, tendo um deles, o Padre Francisco Xavier de Miranda, exercido o cargo de Superior, de 1862 a 1865.

Este ano de 1865 é uma referência para os missionários seculares de Cernache do Bonjardim, porque foi a partir de então que começaram a sair regularmente para as Missões do Ultramar, embora alguns já tivessem partido em anos anteriores.

Com o objectivo de chamar a atenção do país para o Colégio de Cernache, D. João Maria fundou os Annaes das Missões Portuguesas Ultramarinas, publicação que dirigiu, de 1867 a 1872. É de Agosto de 1871 o importante «diploma régio, através do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, sob proposta do bispo D. João Maria Pereira Botelho do Amaral e Pimentel, superior do Colégio das Missões Ultramarinas, que aprovou os Estatutos do Colégio».[108] Por estes estatutos se regeu toda a vida do estudante António José Barroso, que ingressou naquela cuidada instituição dois anos depois, em 3 de Novembro de 1873.

Foi, sem dúvida, um dos Superiores mais ilustres e influentes da história do Colégio. Em 15 de Junho de 1871, foi transferido para a diocese de Angra, sendo confirmado a 22 de Dezembro desse ano. Foi sagrado bispo, em 28 de Abril de 1872, sendo sagrante o bispo de Bragança, D. José Luís Alves Feijó.

Fez questão de ser sagrado na igreja do seminário onde estudara os preparatórios e parte da Teologia, entre 1830 e 1834. A cerimónia foi abrilhantada pela orquestra do seminário.[109]

D. João Maria veio a falecer em Angra, em 27 de Janeiro de 1889, deixando em testamento ao Colégio das Missões Ultramarinas, cinco acções do Banco de Portugal, no valor de 1:250$000.

Ao bispo D. João Maria Pimentel, seguiu-se o Padre António Caetano Vaz Pereira, que era vice-reitor quando aquele foi transferido para a Diocese de Angra. Ficou como Superior interino, de 28 de Julho de 1872, a fins de Março de 1874.

Foi neste período de transição, em que nada de importante aconteceu na vida do Colégio das Missões Ultramarinas, que o jovem António José de Sousa Barroso se matriculou e ali ingressou, em 3 de Novembro de 1873. Os Superiores e professores da casa eram então escolhidos entre o clero das Dioceses de Portugal e das Missões do Ultramar. Os Jesuítas haviam trabalhado ali como professores e educadores, de 1861 a 1871, como acima se referiu.

 

  1. José Maria Carvalho Martens, Superior de António José Barroso. Ao Padre António Caetano Vaz Pereira seguiu-se outra das figuras importantes daquela instituição. Importante também por haver acompanhado o jovem Barroso, ao longo de todo o seu curso: José Maria Ferrão de Carvalho Martens, cónego da Sé Patriarcal de Lisboa. Foi nomeado Superior nos princípios de Abril de 1874 e manteve-se no lugar até fins de Abril de 1884. Figura ilustre e respeitável, depois nomeado bispo de Bragança e de Portalegre, foi, de facto, uma figura determinante na vida de António José Barroso, como responsável pela sua formação.

O dinâmico Cónego José Maria Ferrão de Carvalho Martens, teve como primeira preocupação o abastecimento de água ao seminário. Conseguiu também obter da Santa Sé, em 22 de Junho de 1874, autorização para que os alunos pudessem ser ordenados a título de missão, ficando assim dispensados de constituírem património eclesiástico.

Com o intuito de alargar o campo de acção do Colégio e prevendo dispor de novos apoios e recursos, conseguiu que o governo lhe disponibilizasse o Convento de Chelas e os seus respectivos rendimentos, para nele instalar outro Colégio.

A Lei de 12 de Agosto de 1856, que instituiu o Colégio das Missões Ultramarinas em Cernache do Bonjardim, previa que ele pudesse ter no Reino um ou mais colégios sucursais e autorizava o governo a afectar provisoriamente a esse fim os edifícios dos conventos que haviam ficado em poder do Estado, por terem sido extintas as respectivas Ordens religiosas.

Com base nesta disposição legal, e graças aos sonhos e esforços do zeloso Superior, por decreto de 30 de Setembro de 1880, foi o extinto Convento de Chelas posto à disposição do Ministério da Marinha, e, por decreto de 3 de Junho do ano seguinte, foram os rendimentos daquele convento afectos às despesas da futura filial do Colégio de Cernache. As rendas daquele convento tinham sido calculadas, por um escrivão da fazenda, em 4:624$672, e, com base neste cálculo, o virtuoso Superior abalançou-se à iniciativa, apesar da idade e das doenças que o achacavam. Pretendia responder às críticas de alguns jornalistas e políticos que acusavam o Colégio de Cernache de ministrar um ensino demasiado teórico, pouco orientado para os campos da acção missionária. Na filial que o Colégio de Cernache pretendia abrir no extinto Convento de Santo Agostinho, em Chelas, os escolares passariam a ter uma componente de ensino agronómico e de artes fabris.

Na sequência das diligências que fez, o velho mas rico Convento de Chelas, muito anterior à nacionalidade, que merecera as atenções de D. Manuel I, e que, após o terramoto de 1755, fora enriquecido com valiosa obra de talha, reabriu como Colégio das Missões Ultramarinas. Houve, porém, um contratempo, que deitou tudo a perder: é que os rendimentos que lhe andavam associados e que haviam sido prometidos, acabaram por não chegar. As rendas cobradas não passavam, afinal, de 2:000$000, menos de metade da quantia calculada pelo escrivão da fazenda. E já haviam sido feitas despesas enormes, para recuperar e adaptar o velhíssimo convento das religiosas. Por outro lado, a inopinada supressão do subsídio que a junta encarregue da Bula vinha dando ao Colégio de Cernache do Bonjardim, veio também ajudar à crise.

A opção pelo alargamento do Colégio de Cernache do Bonjardim, via Convento de Chelas, acabou, assim, por se revelar desastrosa, e de pesadas consequências para a velha instituição cernachense, que teve de acorrer às dívidas e às despesas correntes da nova filial, sem, para tanto, dispor de meios.

Em Cernache, professores, empregados e criados, viveram quase dois anos sem receber ordenado. Os fornecedores deixaram de fiar, e os alunos passaram a andar mal alimentados, rotos e esquálidos. O vice-reitor abandonou o barco.

Aflito e não vislumbrando saída, o santo bispo mas não famoso gestor, pediu exoneração do cargo de Superior para que tinha sido nomeado. Estávamos em fins de Abril de 1884. Substituiu-o, interinamente, até 1885, D. António Tomaz Leitão e Castro, que, depois, foi bispo de Angola e Congo, quando o Padre António Barroso ali exerceu a sua actividade missionária.

Como contrapartida pelas dívidas assumidas e pagas, uma parte significativa do espólio do Convento de Chelas acabou por ser transferido para o Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim. É o caso das pinturas de Bento Coelho da Silveira e da excelente e rica biblioteca, com destaque para diversas obras quinhentistas e para uma bula papal do século xiii.

O António José Barroso acabou por viver em Cernache numa fase de sossego. Chelas era ainda um sonho do Superior. O pesadelo começará em 1880, um ano após a sua ordenação e saída para a Missão do Congo

Foi este bispo dinâmico mas sonhador, D. José Maria Ferrão de Carvalho Martens, quem acompanhou toda a formação do António José Barroso. Aceitou-o como seu colaborador, ao nomeá-lo prefeito dos alunos, e, no final do curso, ordenou-o subdiácono, diácono e presbítero.

A D. António Tomaz da Silva Leitão e Castro, que o substituíra interinamente, sucedeu o Cónego António José Boavida, de 1885 a 1910. Seguiu-se, transitoriamente, o Cónego Manuel Anaquim, até à extinção do Colégio pela República, em 1911.

 

3 – A República. Afonso Costa extingue o Seminário e as Missões católicas

A República, que pretendeu transformar as escolas em centros de laicização da sociedade, considerava os seminários uma aberração. A imprensa afecta ao regime chamava-lhes «casas de horrores», «centros de tortura espiritual» e incitava os alunos a manifestarem-se. Neste contexto, o ano lectivo de 1910-1911 foi muito agitado no Colégio das Missões Ultramarinas. E, por coincidência, naquele ano, D. António Barroso, então bispo do Porto, residia ali, por imposição de Afonso Costa.

Na noite de 18 para 19 de Abril de 1911, registou-se um motim, com vista a laicizar o seminário. Uma série de cartas incendiárias, da autoria de um aluno da casa, publicadas sob pseudónimo no jornal republicano O Mundo, haviam preparado o ambiente. Naquela noite de 18 para 19, um grupo de alunos destruiu móveis e rebentou vidraças projectando cadeiras enquanto gritava morras a alguns professores que, em pânico, se atiravam das janelas.

Não por acaso, no dia seguinte, 20 de Abril de 1911, foi publicada a Lei de Separação entre o Estado e a Igreja.[110] O artigo 189 deste diploma autorizava o governo a reformar os serviços do Colégio das Missões Ultramarinas. A redacção usada denotava alguma indefinição, mas não apontava para a extinção do seminário. Por portaria de 29 de Dezembro do mesmo ano, foi nomeada uma comissão para estudar a situação do Padroado Português do Oriente e preparar as bases da reforma das Missões Ultramarinas e do Colégio de Cernache.

Entretanto, o curso de Teologia foi extinto e os padres foram substituídos por civis na direcção do Colégio, passando este a liceu colonial, a aguardar a reforma prometida pelo governo. Das teses apresentadas com vista à reforma, logrou vencer a do Dr. Abílio da Silva Marçal, próximo de Afonso Costa. Este, consciente do melindre das medidas que pretendia implementar, deslocou-se a Cernache, em Abril de 1913, para se inteirar pessoalmente da situação. Em 22 de Novembro, pelo Decreto n.º 233, tornou extensivas às colónias as disposições da Lei de Separação. O artigo 19 deste Decreto autorizava a criação de missões civilizadoras nas províncias de Guiné, Angola, Moçambique e Timor, «com absoluta exclusão de qualquer ensino ou propaganda de carácter religioso». Missões civilizadoras era a nomenclatura oficial das missões laicas, assim criadas para substituir as missões católicas.

Em 8 de Setembro de 1917, pelo Decreto n.º 3352, Afonso Costa reformou o Colégio das Missões Ultramarinas, que passou a denominar-se «Instituto de Missões Coloniais»: «escola de educação de alunos com destino ao serviço das colónias, como agentes de civilização».[111] Ali passaria a receber formação o pessoal que ia constituir as missões laicas, criadas quatro anos antes. Em troca da formação ministrada, os alunos internos gratuitos contraíam «para com o Estado a obrigação de servirem, como agentes de civilização, nos nossos domínios africanos e em Timor, ou, como professores, em Macau e na Índia», por um período de tempo pré-fixado – preconizava o ministro das Colónias, Dr. Almeida Ribeiro. O diploma é coerente, na sequência da Lei de Separação, mas também polémico, porque, contrariando a letra do artigo 189 daquela Lei, o Colégio mudava de natureza, passando a preparar missionários exclusivamente civis.

No dia 7 de Abril de 1920 partiram de Lisboa, com destino a Luanda, as duas primeiras missões civilizadoras: a Missão «Cândido dos Reis», e a Missão «Cinco d’Outubro». Abílio Marçal, Director do Instituto de Missões Coloniais, registou, a propósito: «Após nove anos de trabalhos persistentes, em lucta por vezes com portugueses ao serviço do estrangeiro …». Entretanto, seguiram para Moçambique, a Missão Civilizadora «Camões», a Missão Civilizadora «Pátria», e a Missão Civilizadora «República». Outras se seguiram.

Os custos eram avultados, os resultados, parcos, e as críticas, abundantes e duras. «As missões laicas não são cancros do Estado, como muitos as consideram», escrevia, inconformado, Abílio Marçal. Alma do projecto, era Director do Instituto, desde a sua fundação. Queixava-se que «se as missões laicas não progridem, se elas não realizam o objectivo para que foram criadas», tal se devia à hostilidade das autoridades. Como Procurador-Geral das Missões Laicas, constatava que estas não tinham nas colónias a aceitação esperada. E sobre os missionários laicos, afirmava: «Não são párias – tão funcionários como os dos outros quadros; tão portugueses como eles!». Assim escrevia em 14 de Maio de 1925. Quando, um mês depois faleceu, com 58 anos, o projecto das missões laicas, que acarinhou desde 1911, estiolou.

Em Abril de 1926, um mês antes do golpe militar liderado pelo general Gomes da Costa, o ministro das colónias, general Ernesto Maria Vieira da Rocha, ordenou um inquérito ao Instituto. A comissão, de que fazia parte, como relator, o Prof. Doutor José Gonçalo da Costa Santa Rita, concluiu que o Instituto não correspondia aos fins para que fora criado. Sobre a organização e funcionamento dos serviços administrativos e pedagógicos, escreveu que «tudo é um caos». É demolidor o relatório. A. da Silva Rego escreve que os motivos que originaram o inquérito têm a ver com a criação da secção feminina do Instituto, em casas vizinhas (Decreto n.º 8449, de 2/9/1922). O Instituto acabou por ser extinto pelo Decreto n.º 12886, de 24 de Dezembro de 1926, quando já era ministro das Colónias o comandante João Belo.

Apesar do empenho e dedicação que transparecem das páginas do Boletim das Missões Civilizadoras, o grande projecto de civilização republicana ruiu com a morte do seu mentor.

 

Aluno distinto. Jovem de carácter

Concluída esta divagação pela história da Casa onde o nosso biografado recebeu a sua formação académica e se preparou para a vida missionária, vamos retomar a época em que ali estudou, e rever os dias da sua juventude, em Cernache do Bonjardim. Quando o António José Barroso ingressou no Colégio das Missões Ultramarinas, em 1873, estavam ali matriculados 81 alunos, sendo 76 internos e 5 externos. Este número foi diminuindo nos anos seguintes, ao ponto de, em 1879, ano em que se ordenou, haver apenas 56, todos internos.

Os alunos eram provenientes de todas as províncias do Reino. Também do Brasil vinham bastantes, até 1834. Havia lugar a alunos externos que pagavam os seus estudos, e os estatutos previam também lugares «para alunos pobres que tivessem habilidade e dessem esperanças de aproveitamento». Estes lugares, em número de 12, eram «dados por concessão régia».[112]

Quando o António Barroso se matriculou em Cernache do Bonjardim, instituição com grande peso histórico, levava já idade bastante para se aperceber das responsabilidades que ia assumir. Trabalhador, modesto e simpático nas relações, revelou-se um excelente aluno em todas as disciplinas, excepto na matemática e na música, sobre as quais, mais tarde, gostaria de referir peripécias engraçadas e chistosas.

Ao ingressar no Colégio das Missões, em Novembro de 1873, o António José passou a reger-se, em termos académicos, por um diploma aprovado dois anos antes, em Agosto de 1871, o qual, como já se fez referência, estabelecera novos estatutos para o Colégio e fixara o plano de estudos para os cursos ali ministrados.

Nos termos daquele diploma, o «quadro dos estudos do Collegio das Missões» comportava dois cursos: um de Preparatórios e outro de Ciências eclesiásticas. O primeiro compreendia as seguintes disciplinas:

1 – Português;
2 – Latim e Latinidade;
3 – Língua Francesa;
4 – Língua Inglesa;
5 – Aritmética e Geometria;
6 – Retórica, Oratória Sagrada, e Literatura Clássica, principalmente a Portuguesa;
7 – Filosofia Racional e Moral e Princípios de Direito Natural;
8 – História, principalmente a portuguesa, e Geografia, especialmente a das nossas colónias;
9 – Princípios de Física e Química, com aplicação às artes e introdução à História Natural;
10 – Princípios gerais de higiene pública e de economia doméstica.

O curso de Ciências eclesiásticas, que se seguia aos estudos preparatórios, estava assim estruturado:

Primeiro ano: 1 – História Sagrada e Eclesiástica; 2 – Teologia Fundamental;
Segundo ano: 1 – Dogmática Especial; 2 – Teologia Moral;
Terceiro ano: 1 – Teologia Sacramental e Pastoral; 2 – Direito Canónico e Eclesiástico Português.

 

Além deste quadro de disciplinas, ordenado nos artigos 50.º, 51.º e 52.º dos estatutos daquele Colégio, havia também aula de Concanim (língua de Goa), disciplina criada em 4 de Dezembro de 1878, que o aluno António Barroso ainda frequentou no último ano do curso, e aula de «Rudimentos de china» e de «Dialectos de Timor», estabelecida em 1879.

Uma nota interna do Colégio, de 1879, informa que «tendo o Colégio falta de meios para aumentar o número de professores, as aulas de ciências e de teologia não são cursadas pela ordem apresentada no respectivo quadro, mas nenhum aluno pode ir para o Ultramar sem ter completado o quadro de todas».

Conferindo o livro de matrículas de António José de Souza Barroso, constata-se, como adiante se verá, que o plano de estudos que seguiu contém pequenas diferenças em relação ao que acabamos de transcrever.

O livro de Matrículas n.º 3 – 1858 – 1875, Processo n.º 62, do Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas, de Cernache do Bonjardim, contém, a páginas 117-118, um registo de todas classificações obtidas e que agora se transcrevem. Trata-se de cópia autêntica e fiel:

 

ANTÓNIO JOSÉ DE SOUZA BARROSO, filho legítimo de José António de Souza e de sua mulher Euphrásia Maria, natural de Santiago de Moldes, freguesia de Santa Marinha de Remelhe, concelho de Barcelos. Nasceu dia 5 de Novembro de 1854. Entrou neste Collegio dia 3 de Novembro de 1873, tendo exame de instrução primária, curso completo de português e alguns conhecimentos de latim.

Em 20 de Julho de 1874 fez exame de Latinidade, foi aprovado com a classificação de muito bom por deseseis valores. Obteve o primeiro acessit.

Em costumes muito bom.

Em 1875 foi classificado em costumes bom.

No dia 10 de Julho de 1875 fez exame de Philosofia, foi aprovado com quinze valores. No dia 14 do mesmo mez e ano fez exame de Arittmética e Geometria, foi aprovado com dose valores.

Em 12 de Julho de 1876 foi approvado em História Profana com dezoito valores.

Em costumes em 1876 foi classificado bom.

Em 18 de Agosto 1876 fez exame de História Eclesiástica, foi approvado com desesete valores.

No dia 15 de Maio de 1877 fez exame de sciência para Prima Tonsura e os quatro graus de Ordens Menores, foi approvado. No dia 26 do mesmo mez e anno foram-lhe conferidas neste Collegio as ditas Ordens pelo Exmo. Senhor Bispo de Angra, D. João Maria.

Em 11 de Julho de 1877 fez exame de Introdução e foi approvado com dezzeseis valores.

Em 17 de Julho de 1877 fez exame de Rhetórica e Geografia, e foi approvado com dezesete valores.

Em 1877 foi classificado em costumes Bom.

No dia 27 de Julho de 1877 fez exame de francez e foi approvado com quatorze valores.

No dia 19 de Julho 1878 fez exame de Theologia dogmática geral e Theologia Moral e foi approvado com dezoito valores.

Em 1878 foi classificado em costumes Muito bom.

No dia 6 de Setembro de 1878 fez exame para a Sagrada Ordem de Subdiaconado, e foi approvado.

No dia 15 de Setembro de 1878 prestou juramento solene de servir as missões.

No dia 21 de Dezembro de 1878, Sábbado das têmporas de São Tomé, recebeu em Lisboa a ordem de Subdiácono que lhe foi conferida pelo Ex.mo e Rev.mo Snr. Bispo de Brag.ça e Miranda, Superior do Collégio.

No dia 3 de Junho de 1879 fez exame de sciência p.ª a Sag.da Ordem de Diaconado e foi approvado.

No dia 7 de Junho de 1879, Sábbado das têmporas da SS.ma Trindade, foi-lhe conferida em Lisboa a Ordem de Diaconado pelo Ex.mo e Rev.mo Snr. Bispo de Brag.ª e Mir.ª, Superior do Collegio.

No dia 11 de Julho de 1879 fez exame de Theologia dogmática especial e Theologia Sacramental e foi approvado com dezoito valores.

Em 1879 foi classificado exemplar em costumes.

No dia 22 de Agosto de 1879 fez exame de Direito Canónico, e foi approvado com dezoito valores.

No dia 5 de Setembro 1879 fez exame de sciência p.ª a Sag.da Ordem de Presbiterado e fez também exame de cerimónias e cantochão.

No dia 20 de Setembro de 1879, Sábbado das têmporas de São Mateus, recebeu a dita ordem de Presbiterado em Lisboa, sendo-lhe conferida pelo Ex.mo Bispo de Bra.ça e Mir.da, Superior do Collegio.

No dia 5 de Agosto de 1880 embarcou p.ª Angola em companhia do Ex.mo Bispo daquela Diocese e de mais missionários.[113]

 

Numa referência a estas classificações obtidas pelo estudante António José Barroso, o seu biógrafo Padre Sebastião d’Oliveira Braz, escreveu: «Os seus cursos de Historia Universal, Geographia, Sciencias Naturaes e philosophicas, taes quaes estas disciplinas se achavam então organisadas no ensino, fôram das mais brilhantes. Só na Mathematica Elementar fraquejaram as suas multimodas aptidões.»[114] O Padre Braz, que foi aluno e professor daquele Colégio, e que, portanto, sabia do que falava, escreveu a biografia em 1921, mais de quarenta anos depois, e, eventualmente, terá recorrido à memória, mas é certo que na Matemática, o António José obteve aprovação com doze valores. De qualquer modo, foi a sua pior classificação do curso, e, a propósito, o biógrafo observou, com graça, que a sua aversão ao cálculo deixava já antever a sua aversão por todo o tipo de calculismos.

D. António Barroso não era um melómano, e sabe-se que gostava de brincar com as recordações que lhe ficaram do estudo da música, numa casa onde havia uma orquestra e muito apreço pelo solfejo. Quanto à classificação que obteve nesta disciplina, que não fazia parte do «quadro dos estudos» aprovado para o Colégio, o livro de matrículas diz somente: «No dia 5 de Setembro 1879 […] fez também exame de cerimónias e cantochão». De todos os exames que fez ao longo do curso, é o único de que não consta qualquer classificação nem observação. O folgazão António José nunca terá cantado à desgarrada nas desfolhadas que, nos seus tempos de rapaz, se faziam em Torre de Moldes…

Naquele seminário, como nos demais, a música tinha devotados cultores. Além da orquestra, fundada pelo aluno Nestor Augusto de Castilho, em 1884 passou a haver também uma banda. Como já referimos, por uma e outra passaram bons cantores, apreciados organistas e executantes de vários instrumentos. Muitos destes, depois, como padres, fundaram e regeram bandas no Ultramar.[115]

Quando o António José concluiu o 1.º ano do curso de Teologia, foi-lhe concedido como prémio pelos bons resultados que vinha obtendo, ir a banhos na praia da Nazaré, onde, com a mesma finalidade, se encontrava um tal Dr. Jerónimo, abalizado professor de História Eclesiástica no Seminário de Santarém. Este professor ilustre terá ficado bem impressionado com o nível dos conhecimentos alcançados pelo jovem estudante de Cernache do Bonjardim, que tinha concluído esta disciplina com dezassete valores.

Realmente, foi no curso teológico que o seminarista António Barroso revelou a sua extraordinária capacidade de trabalho, e evidenciou o brilho intelectual de que era dotado, e que se confirma com os resultados. Superiores, professores e colegas sempre elogiaram os seus dotes de inteligência e de memória.

Possuía também uma boa dicção e grande fluência verbal, que fariam dele um eloquente orador, capaz de medir o efeito de cada palavra, de cada gesto, e de tirar partido das diferentes tonalidades de uma voz bem timbrada. Fez exame de retórica e foi aprovado com 17 valores, no dia 17 de Julho de 1877. Júlio Dantas, que o conheceu pessoalmente, mais tarde, no Porto, e que admirava os seus dons oratórios, escreveria, a propósito: «Tinha a eloquência chã, persuasiva e veemente do missionário. A sua palavra, como diria Hanotaux, era uma convicção em marcha. Prolongava estridentemente a última sílaba de cada frase, fazendo-a vibrar como um clarim. Os seus efeitos oratórios, de uma singeleza dominadora, impressionavam.»[116] Também a imprensa, por vezes, fazia referências aos seus dons oratórios. Por exemplo, quando fez o elogio fúnebre do Bispo de Cochim, D. João Gomes Ferreira, na igreja de Sta. Marta, o jornal O Século, de 11 de Julho de 1897, escreve que o «Bispo de Himéria, subindo ao púlpito, fez o elogio fúnebre do falecido, em frase levantada e erudita, um verdadeiro primor de retórica».

Com o aluno exemplar despontou um grande carácter. Aliás, desde muito novo, se havia revelado um rapaz brioso, franco e leal. Ana Joaquina Senra, sua colega de infância, referindo-se aos anos em que despertou para a vida, na aldeia, em Remelhe, descreve-o como um miúdo alegre e folgazão, e acrescenta: «Toda a gente o adora», «no Colégio granjeou simpatia e amigos».[117] Elogia a bondade e a simplicidade do velho amigo, que, com o tempo, se foram tornando quase lendárias.

Enquanto frequentou o ensino primário, em Góios, com o professor Domingos da Fonseca Martins, estudou, como citámos, «com muita aplicação e aproveitamento, sendo exemplar o seu comportamento».[118] E no ano que passou em Braga, com o professor José Valério Capella, apesar da mediocridade dos resultados, revelou também «bom comportamento e gosto assíduo pelo estudo».[119]

O brilho dos olhos e da inteligência, aliado à simplicidade e humildade do temperamento, tornavam-no simpático, facilitando-lhe a comunicação e o relacionamento com todo o tipo de pessoas. Terá sido já o seu espírito franco, o seu relacionamento amistoso, que cativaram o fidalgo vizinho, Bernardo Limpo, que se lhe afeiçoou e o ajudou a dar o pontapé de saída no marasmo em que nasceu e em que normalmente viveria os seus dias.

Quando ingressou no Colégio de Cernache do Bonjardim, o António José era um jovem alto, de olhos grandes e claros, com aspecto altivo, mas simples e bondoso. Nos anos que ali viveu, revelou-se sempre sério e honrado, e de comportamento irrepreensível. As classificações anuais que obteve em comportamento, são prova da sua excelente conduta moral, religiosa, civil e disciplinar: «Bom», nos anos de 1875, 1876 e 1877; «Muito bom», nos anos de 1874 e 1878; «Exemplar», em 1879.

Prova do seu bom comportamento e do seu carácter, é que, ainda aluno, foi nomeado prefeito de colegas mais novos. Em 1875, dois anos após a entrada, já era prefeito de uma turma. Alguns dos alunos de então, ofereceram-lhe fotografias, com dedicatórias simpáticas, que ele guardou e fazem parte do seu espólio.

A honradez e a nobreza do seu carácter brônzeo deixariam marcas nos lugares por onde passou, entre os povos com quem trabalhou, como mais detalhadamente escreveremos na III Parte.

 

Ordenado para as Missões do Padroado (20-9-1879)

Foi ordenado subdiácono, em 21 de Dezembro de 1878, sábado das têmporas de São Tomé, e ordenado diácono, em 7 de Junho de 1879, sábado das têmporas da Santíssima Trindade, juntamente com os seus colegas de curso, Francisco José Fernandes, José Maria Ferreira, José Simões dos Santos Silva e Joaquim Pereira da Anunciação Folga. Este último, em Agosto do ano seguinte, acompanhou-o na viagem para Angola e Congo.

Tendo concluído, entretanto, e com elevadas classificações, como registámos, o curso de Teologia, recebeu a ordem sacra do presbiterado, em 20 de Setembro de 1879, das mãos do Superior do Colégio das Missões Ultramarinas, D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, bispo de Bragança e Miranda (1875-1883), e, depois, bispo de Portalegre (1883-1884). As ordenações de subdiácono, de diácono e de presbítero tiveram lugar em Lisboa, como consta do seu livro de matrícula, porque era lá que residia então o Superior do Colégio, por motivos de saúde.

Cantou missa nova na igreja paroquial de Remelhe, em 15 de Outubro de 1879. Foi pregador o seu professor e amigo, Doutor Francisco Martins, que depois foi lente de Teologia e de Letras na Universidade de Coimbra, e com quem manteve sempre profundos laços de amizade.[120]

Celebradas as festas da ordenação e missa nova, o Padre António Barroso partiu para a diocese de Angola e Congo. Tinha 25 anos. Embarcou no vapor Zaire, com destino a Luanda, no dia 5 de Agosto de 1880, juntamente com outros colegas missionários e na companhia de D. José Sebastião Neto, o novo bispo de Angola e Congo. Inicialmente apontado para missionar na Índia, parte agora com a incumbência específica de restaurar a antiga e desactivada Missão do Congo. De facto, planeara partir para a Índia, seguindo os passos de São Francisco Xavier, o missionário modelo que tanto admirava. Com esse objectivo, estudara concani, língua local, mas a morte do arcebispo de Goa, D. Ayres Ornellas, com quem iria trabalhar, frustrara os seus planos. Entretanto, o franciscano Frei José dos Sagrados Corações, ao partir para a Diocese de Angola e Congo, veio a Cernache procurar missionários que o acompanhassem. Fez boa escolha, levando consigo três que, como ele, viriam a usar mitra: Sebastião José Pereira, Henrique Reed da Silva e António José de Sousa Barroso.[121]

E assim, um ano depois, em meados de Agosto de 1880, o recém-ordenado Padre Barroso seguiu para as Missões, com o referido discípulo de São Francisco, agora D. José Sebastião Neto, que ia tomar posse como bispo daquela vasta diocese de Angola e Congo.

Naquele ano, foi grande a leva de missionários de Cernache, num total de 12, para os diferentes destinos do Padroado: Henrique José Reed da Silva, Sebastião José Pereira, António José de Sousa Barroso, Joaquim de Jesus da A. Folga, Joaquim Maria Quintão, Francisco José Fernandes, Luciano Leonardo Lobo, Francisco Xavier Pereira, Marianno A. de S. Tavares, António S. do Rosário Mascarenhas, José Maria Ferreira e José Simões dos Santos e Silva.

Prova da boa preparação desta geração de padres, é o facto de vários terem fundado Missões e criado igrejas. Alguns escreveram relatórios louvados pelos governos, outros publicaram trabalhos em línguas locais, outros ainda fundaram jornais diversos, em línguas várias. Muitos deles foram louvados, alguns condecorados, alguns foram nomeados bispos, outros receberam dignidades e honras várias.

 

As Missões e o Império. A Lei de 12 de Agosto de 1856, referendada por Sá da Bandeira, ministro da Marinha e Ultramar, que deu existência legal ao seminário de Cernache do Bonjardim, com a designação de Colégio das Missões Ultramarinas, continha uma série de preceitos sobre «a educação e instrução do clero e a preparação dos missionários para as Dioceses e Missões do Real Padroado na Ásia, África e Oceânia». Educação e instrução que se previa serem ministradas no Colégio Central de Cernache e numa série de seminários já existentes, ou que, de futuro viessem a estabelecer-se naquelas dioceses ultramarinas. Os seminários existentes, integrados naquele projecto, eram os de Chorão e Rachol, em Goa, o de São Tomé, em Meliapor, o de Vaippicota, em Cranganor, e o de São José, em Macau. Estava para abrir, logo de seguida, o de Angola, e previa-se a abertura de novos, em Cabo Verde e na cidade de Moçambique.

O Colégio Central ficava localizado em Cernache, mas se, «de futuro» parecesse mais conveniente, poderia ser transferido para «qualquer outro edifício nacional».

O diploma previa também os recursos financeiros indispensáveis à sustentação do Colégio, atribuindo-lhe bens, rendimentos e participações. Entre os benefícios e consignações, referem-se os 600$000 réis anuais, juros que então rendia o legado de 12:000$000, que D. Maria Ana de Áustria, viúva do rei magnânimo, expressamente testamentara para apoio às Missões[122], como já se fez referência.

A mencionada Lei de 1856, tão meticulosamente preparada pelo ministro Sá da Bandeira, que D. Pedro V encaminhara para o Governo, refere-se à religião como «um poderoso, indispensável, decisivo instrumento nacionalizador e civilizador dos povos do nosso Ultramar, imprescindível portanto na nossa obra de expansão e progresso».[123] Sendo o missionário um instrumento fundamental de civilização, havia que investir nele.

As Missões são referidas como uma área onde o Estado podia intervir sozinho. São tratadas como se representassem apenas um interesse do Estado. Escreve-se, com clareza, que o Colégio Central das Missões era obra exclusivamente das forças e dos comandos estatais, e que a sua administração superior era da competência do ministro da Marinha, apoiado pelo Conselho Ultramarino, ao qual competia a «inspecção imediata» do estabelecimento.

O colégio de Cernache do Bonjardim preparava clero para o padroado português. Era uma escola-seminário, pertença do Estado e por ele sustentada. O respectivo Superior, também nomeado pelo Estado, devia assegurar uma formação religiosa e patriótica. Era, por isso, da responsabilidade do Estado o plano de estudos e a programação de cada uma das disciplinas, o quadro dirigente e docente, as condições de admissão dos estudantes e as obrigações a que os diplomados se sujeitariam no termo do curso. Era reduzido, como se constata, o espaço de manobra da Igreja, neste projecto, restando-lhe as tarefas de colaborar no ensino, disciplinar a casa e gerir a verba anualmente atribuída.

Apesar deste evidente constrangimento, a Lei de 1856, que Sá da Bandeira tinha preparado ao longo de anos[124], era um sinal de que começava a fazer-se sentir, a nível do governo, uma convergência de interesses no sentido de se patrocinar a missionação. Ia longe a animosidade do «mata-frades». Começava a haver, em termos de discurso oficial, uma convergência de ideias sobre a acção missionária, embora entendendo esta como um factor de civilização, como um instrumento nacionalizador e civilizador dos povos do Ultramar. Há que ter presente que as grandes viagens iniciadas por David Livingstone em 1852, estavam a merecer grande divulgação, e davam que pensar em muitas chancelarias europeias. Também em Lisboa.

Graças à combinação de uma série de circunstâncias, o panorama sócio-político nacional havia-se tornado mais permissivo em relação à recriação ou reabertura de instituições de natureza religiosa, mesmo antes da assinatura do compromisso concordatário de 1857, entre Pio IX e D. Pedro V. Aliás, a reabertura do Seminário de Cernache e a respectiva Lei, de Agosto de 1856, não podem ser dissociadas da Concordata de Fevereiro de 1857, e de alguma crispação que a rodeou.

Havia consciência de que Portugal não dispunha de meios para difundir o Cristianismo na África e no Oriente. Esta Concordata, de 21 de Fevereiro de 1857, ratificada pelo governo português em 6 de Fevereiro de 1860, restringiu o antigo direito de Padroado Real no Oriente à Igreja metropolitana e primacial de Goa, a quatro outras Igrejas na Índia, e à Igreja de Macau na China. As antigas dioceses foram conservadas, mas com limites consideravelmente reduzidos. Este compromisso assim alcançado, apaziguou os ânimos e suavizou a situação, embora a falta de meios, particularmente de missionários, continuasse a impedir a sua aplicação.[125] O governo dava, contudo, mostras de que pretendia, na medida do possível, ir correspondendo às responsabilidades assumidas pela Coroa Portuguesa, nos tempos que se viviam.

Tendo presente a conjuntura, e atenta aos sinais, a Igreja aceitou a disponibilidade do governo, e dispôs-se a colaborar na organização e manutenção do Colégio das Missões Ultramarinas, consciente de que se tratava de uma instituição nacional, de natureza religiosa, que não controlava, por estar sob a alçada do Governo, na dependência do ministério da Marinha e Ultramar.[126]

 

Um clero secular original. Os missionários formados no Colégio das Missões Ultramarinas, também chamados Padres de Cernache, constituíam um clero secular original. Não eram uma instituição semelhante às Ordens ou Congregações religiosas: eram sacerdotes seculares que se dispunham a ir prestar serviço nas dioceses ou prelaturas do ultramar, por um determinado período de tempo. Na perspectiva do governo, faziam-no em troca da formação e dos estudos gratuitos por si ministrados. Eram padres seculares, sem vida comunitária e com uma reduzida estrutura hierárquica.

Concluídos os cursos, partiam para a África ou para o Oriente e aí desenvolviam a sua actividade nas dioceses e prelaturas locais, como os sacerdotes das dioceses de Portugal, mas sem a integração e o suporte de que estes cá usufruíam. Trabalhavam naquelas dioceses e prelaturas, sob a responsabilidade dos respectivos bispos e, após um determinado número de anos de serviço «obrigatório», podiam regressar à pátria e integrar-se nas dioceses locais.

Trabalhavam em Missões, viviam em missão, mas por comissão. Os estatutos mudaram ao longo dos tempos. De acordo com os mesmos, os períodos de trabalho obrigatório no Ultramar variaram, dependendo do local de trabalho e do tipo de funções desempenhadas.

Em 1868, quando começavam a sair de Cernache do Bonjardim levas significativas de missionários, um decreto de 17 de Dezembro fixou uma série de vantagens que eram concedidas aos sacerdotes europeus ou naturais da Índia que fossem exercer o ministério nas províncias de São Tomé, Angola, Moçambique e Timor. Além de vencimentos, viagens pagas, emolumentos e subsídios especiais, no caso de serem professores, o decreto estipulava a forma como os seus serviços deviam ser recompensados, depois de um determinado número de anos. Decorridos 8 anos, poderiam retirar-se do serviço missionário, com aposentação equivalente a 25% dos seus vencimentos; depois de 12 anos, a aposentação subiria para um terço dos mesmos; passados 20, a aposentação equivaleria a metade. Eram três os aumentos: de 25% após 8 anos, 1/3 após 12, e 100% finalizados os 20. Um decreto, de 3 de Dezembro de 1884, actualizou estes privilégios, estas vantagens, que, depois, foram alargadas, em 21 de Fevereiro de 1891, por António Enes, quando ministro da Marinha e Ultramar, aos sacerdotes oriundos do patriarcado das Índias Orientais e das dioceses africanas.[127] O governo manifestava assim o seu empenho em atrair padres para as Missões, com o objectivo de impedir a crescente desnacionalização levada a cabo pelas Missões protestantes. As facilidades e o automatismo da progressão nas carreiras foi criando entre os agentes da missão um certo espírito burocrático, uma certa mentalidade de funcionários subordinados às regras da Fazenda Nacional, no respeitante a nomeações, licenças, aumentos, etc. Criou-se um certo laxismo.

É certo que uns tantos por lá ficaram dez, vinte e até trinta anos, trabalhando com total dedicação, mas em regime de comissão e sem garantias de continuidade para o seu trabalho. João Belo, no preâmbulo do Estatuto missionário, de 13 de Outubro de 1926, ao comentar a posição adoptada em 1856, afirma que o erro daquela lei foi «não ligar os missionários ao seu destino pelos laços fortes de uma associação de auxílio mútuo».[128] Eram subvencionados pelo Estado enquanto estavam em missão e, depois, também por ele aposentados, mas não dispunham de uma instituição que os integrasse.

A posição do governo também não era fácil. Eram muitos os católicos portugueses que entendiam que as Ordens e Congregações religiosas, por serem estrangeiras, contribuíam para desagregar a unidade territorial. Há que lembrar que foram bastantes, incluindo diversos clérigos seculares, os que apoiaram as medidas adoptadas por Joaquim António de Aguiar, em 1834. Muitos reclamavam, de uma maneira mais radical, o que o concílio de Trento tinha preconizado: a territorialização e a secularização da Igreja romana, em detrimento das Ordens e Congregações religiosas.

A questão prendia-se, no fundo, com alguma angústia gerada com o fim do Brasil. Havia que definir uma nova territorialidade do Império português, e importava saber qual seria, afinal, o contributo da Igreja para esta redefinição. Num contexto de império colonial, a tensão entre a necessidade de cristianizar e a de assegurar a soberania portuguesa, acentuava-se. A alguns parecia certo que, para a missionação dos territórios portugueses ultramarinos, o clero secular português oferecia mais garantias que certo clero regular das Ordens e Congregações religiosas internacionais. Neste contexto se compreende que ao Colégio de Cernache do Bonjardim andasse associada uma preocupação nacionalizadora e civilizadora. A formação ali ministrada repercutia naturalmente esta preocupação. É conhecida a alusão que o Padre Barroso, no regresso do Congo, fez aos anos de formação em Cernache: «eu admirava o íntimo consórcio da Cruz com a Espada, o missionário e o soldado, duas entidades que eu igualmente amava». Uns anos depois, num solene Te Deum, na Igreja de Santa Maria de Belém, afirmou: «Fui soldado duma milícia, que também combate além-mar pela honra do nome português; ali me alistei, ali pelejei como soldado raso com a coragem que me dava um coração de português». António Ferreira Pinto, serve-se desta citação, para titular a biografia que lhe dedicou, em 1931: Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar.

Alunos dum Seminário que era conhecido como Real Colégio das Missões, cresceram naturalmente a celebrar o «consórcio da Cruz com a Espada», nas palavras do missionário Barroso. Religião e Pátria andavam de mãos dadas, o que não impedia o nosso biografado de destrinçar planos e valores: «Antes de ser cidadão português, sou filho e ministro da Igreja» – declarou numa das suas cartas.[129]

 

Pinheiro Chagas e a reforma que não se fez. Com os anos, a imagem do Colégio das Missões Ultramarinas foi-se degradando, junto de alguns políticos e jornalistas. A principal acusação que faziam aos missionários que dali saíam é que partiam para o Ultramar como quem cumpre uma obrigação, e que procuravam fixar-se no litoral, criando paróquias para europeus e assimilados, e evitando caminhar para o interior, ao encontro do homem africano, para aí assentar e criar Missões.[130] Acusavam também a instituição de não dar aos missionários a formação adequada ao terreno onde iriam exercer a sua missão.

Perante o avolumar das críticas, em 1884, quatro anos depois de o Padre Barroso ter deixado Cernache, rumo a Angola, o ministro da Marinha e do Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas, romancista, historiador, dramaturgo e orador de relevo, encarregou o arcebispo de Licopolis, D. António Tomaz da Silva Leitão e Castro, Superior interino de 1884 a 1885, de estudar e propor uma reforma para Cernache. D. António Tomaz, que, depois, seria bispo de Angola e Congo, quando o Padre António Barroso ali missionava, ficou assim encarregado pelo Governo de propor uma reforma dos estatutos do Colégio. A reforma ficou concluída ainda naquele ano de 1884, com a colaboração do próprio Pinheiro Chagas, que se deslocou pessoalmente a Cernache, para melhor conhecer a situação.

Até à extinção, que ocorreria em 1911, com a República, o Colégio regeu-se pelos novos Estatutos, de 3 de Dezembro de 1884. Este Decreto reformador, de 1884, atribuía à Igreja católica o exclusivo da acção civilizadora nos territórios ultramarinos, e criava instrumentos para a mudança a operar na formação dos missionários. Estabelecia que fossem criadas as cadeiras de desenho, higiene colonial e medicina, física e química aplicadas às artes e indústrias, além de noções de comércio e economia política. Foi ainda criada a cadeira de ginástica e uma escola de artes e ofícios. Porém, aquelas disposições, consideradas de grande avanço para a época, nunca foram implementadas, o que levou a que o Colégio das Missões Ultramarinas continuasse a ser considerado por alguns críticos como um simples seminário diocesano que preparava missionários para o Ultramar, mas desprovidos da preparação adequada, ainda que decretada e oficialmente em vigor.

A reforma acabou reduzida ao ensino de português, francês, aritmética, latim, literatura e filosofia, além do curso de teologia, com a duração de três anos. Foram introduzidas cadeiras de filosofia tomista, e a aula de música foi convertida em canto coral. Os críticos da época caricaturavam a situação: «O que mais interessa à civilização das raças africanas, é a filosofia tomista e o cantochão…». A reforma dos Estatutos fez-se, mas, de facto, sem resultados, e os jovens missionários continuaram a embarcar desprovidos dos recursos necessários para uma efectiva fixação.

O Colégio foi sendo alvo de ataques e de campanhas diversas por mais tempo. As acusações mantiveram-se até aos anos quentes da República.[131] Em sua defesa, destacou-se o Padre Manuel Dâmaso Antunes, escritor e parlamentar distinto, que, graças à luta que travou na imprensa, no Parlamento e na Sociedade de Geografia, conseguiu que aquela velha instituição do Bonjardim fosse, apesar das limitações, um dos seminários mais frequentados em Portugal. No período que vai de 1884 a 1911 saíram dali mais de duas centenas de missionários, e, antes daquela data, haviam já saído outros 75. Contas redondas, entre 1856 e 1911, datas da criação e da desmobilização do Colégio das Missões Ultramarinas, saíram dali para as Missões de África e do Oriente, cerca de 300 missionários. Segundo Braga Paixão, entre 1855, ano em que abriu, e 1911, ano em que, na prática, encerrou, terão sido formados em Cernache do Bonjardim, 317 missionários.[132]

 

 

III PARTE

MISSIONÁRIO E MISSIÓLOGO

 

 Amadeu Gomes de Araújo

 

 

O missionário deve levar «em uma das mãos a Cruz, símbolo augusto da paz e da fraternidade dos povos, e na outra a enxada, símbolo do trabalho abençoado por Deus. Deve ser padre e artista, pai e mestre, doutor e homem da terra; deve tão depressa pôr a sua estola, […] como empunhar a picareta para arrotear uma courela de terreno; deve tão depressa fazer uma homilia, como pensar a mão escangalhada pela explosão duma espingarda traiçoeira.»[133]

Foi nesta linguagem expressiva que o Padre António Barroso, ao regressar do Congo, esboçou a figura do missionário para a África do seu tempo. Nado e criado no minifúndio minhoto, entre o arado do pai e o tear materno, bordou em prosa este quadro primoroso, onde associa as reminiscências da infância à dura experiência de padre e de explorador do sertão africano.

O sonho e a paixão da vida de António José de Sousa Barroso eram a missionação, e para ela se preparou com esmero e afinco, durante os anos de Cernache do Bonjardim, como acabamos de detalhar. É certo que a imagem que dele perdura na mente dos seus admiradores e devotos, é a do bispo que governou a diocese do Porto nas duas primeiras décadas do século xx, e mesmo em termos de bibliografia, o pouco que se escreve, normalmente aborda as relações difíceis com Afonso Costa, o seu envolvimento na guerra religiosa da primeira República, os seus exílios em Remelhe.

A fase de bispo do Porto foi, por circunstâncias conhecidas, muito mediática, e todos sabemos também que a vida missionária em África ou no Oriente, nunca tirou o sono aos media portugueses, nem antes nem depois de D. António. Não obstante, apesar de menos conhecida, a fase missionária que o Padre António Barroso iniciou aos 25 anos, e que prolongou por duas décadas, é, talvez, a mais interessante e inovadora, até por ter decorrido na pujança da sua vida. Foi um missionário inovador, tanto como foi, depois, no Porto, um bispo lutador.

Era dotado de um espírito reformador: «É intenção minha reformar todos os serviços», afirmou em Meliapor, em 1898, ano em que ali chegou.[134]

Aliou a acção à reflexão, foi missionário e missiólogo. O Padre António Lourenço Farinha, que foi missionário em Moçambique e historiador, entende que D. António abordou a questão missionária como ninguém até então tinha feito, e refere-se-lhe como «o maior de todos os missionários modernos». O Cónego Alcântara Guerreiro, também missionário e historiador de Moçambique, escreve que «o valor da sua obra reside no espírito reformador que a anima». António Enes, jornalista, escritor e político que não carece de apresentação, elogiou-o pelas suas reformas.[135] E o Padre Brásio, que fez o levantamento dos relatórios e de outros escritos diversos saídos da pena de D. António Barroso, bem como da mole de documentos que lhe dizem respeito, considera-o um autêntico mestre de missionários, um teorizador da acção missionária, um missiólogo. Esta faceta, menos estudada, porventura ignorada, é aquela em que D. António parece maior, mais original. Foi único entre os missionários do seu tempo, afirma ainda o Padre Brásio, acrescentando que foi certamente dos melhores e maiores missiólogos do século xix, pela forma como estudou e expôs os problemas básicos da evangelização de África.

É ainda escassa a bibliografia sobre a acção missionária de D. António. Das principais biografias existentes, todas esgotadas no mercado, duas foram escritas por colaboradores próximos que, em diferentes fases, o secretariaram e que, talvez por isso, adoptaram um tom encomiástico. O Padre Sebastião d’Oliveira Braz, seu colega no seminário de Cernache do Bonjardim, depois, seu secretário em África, e, mais tarde, seu ecónomo na Diocese do Porto, entendeu, em 1920, celebrar o segundo aniversário da morte de D. António Barroso, divulgando as grandes viagens apostólicas que este empreendeu, sobretudo em Moçambique, servindo-se de apontamentos registados à mão pelo próprio D. António. O jornalista portuense Amadeu Cunha, que ao longo dos anos trinta do século xx publicou diversos escritos sobre as campanhas de Mouzinho em Moçambique, elegeu António Barroso como um dos seus heróis de África e escreveu também sobre ele uma interessante biografia, que publicou em 1938. Tendo-se servido dos manuscritos de D. António, emprestados, segundo o próprio, pelo Padre Sebastião Braz, pôs em relevo sobretudo as Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso, título que deu à obra.

Conhecem-se também os relatórios que D. António escreveu sobre o Congo e, depois, sobre Moçambique, bem como alguma da sua correspondência, ofícios e cartas diversas, e a imprensa da época.

Os tais diários que escreveu, em pequenos cadernos, e que entretanto se perderam, seriam um elemento de muito interesse. Felizmente ainda foram consultados, entre outros, pelo Cónego António Ferreira Pinto, que o secretariou no Porto, durante sete anos, e que lhe dedicou uma biografia, em 1931. Referindo-se à fase em que D. António trabalhou em Moçambique, este autor escreve que consultou «quatro volumes». Serão quatro cadernos soltos. Os chamados «papéis» do prelado eram simples notas, redigidas em cadernos: «redigidas ao correr da pena, pois simples apontamentos foram, nunca as reviu, ou porque não lhe sobejasse tempo para a tarefa ou não lhe atribuísse interêsse capaz de as fazer passar à letra de fôrma. Por sua morte, êsses autógrafos sofreram o dispersar das relíquias, e muitos deles vieram assim a perder-se», assim escreve Amadeu Cunha, a quem um eclesiástico que privou com D. António Barroso, afirmou, por carta: «Não houve o cuidado devido em conservar as notas lançadas no seu diário pelo virtuoso prelado. Tive em meu poder dois manuscritos que faziam parte dele, mas os contínuos empréstimos, fizeram-me perdê-los de vista.»[136] Amadeu Cunha conseguiu ainda consultar muitas destas notas, em 1938, quando escreveu a biografia: «socorrendo-se o autor de fragmentos do diário, postos à sua disposição, em particular pelo antigo missionário rev. S. de Oliveira Braz». Da projecção que naquela época tiveram estes diários faz eco um poema do escritor e comediógrafo João da Silva Tavares (1893-1964), intitulado Pela Fé e pelo Império, onde se escreve: «O seu diário, em prosa, é bem mais belo / que quantos versos eu vos possa dar…»[137]

 


CAPÍTULO I

MISSIONÁRIO EM TRÊS CONTINENTES

 (20-9-1879 – 15-7-1899)

O Cristianismo é, por essência, uma religião missionária, e a história do Cristianismo é uma história missionária, quer pelo conteúdo da mensagem, quer pelas formas organizativas que a experiência cristã adoptou.

A Igreja é essencialmente expansiva – católica e apostólica. O fundamento teológico em que a missão se funda, tem como principal referência a ordem de Cristo aos Apóstolos: «Ide e ensinai…». Foram eles, afinal, os primeiros missionários: São Pedro levou a fé cristã a Antioquia e a Roma, São Mateus, à Judeia, São João a Éfeso, São Paulo à Ásia Menor, Macedónia e Grécia. Seguindo o seu exemplo, os discípulos espalharam-se pelo mundo romano. Os primeiros séculos do Cristianismo foram de arrancada heróica. A conversão de Constantino, a invasão dos Bárbaros, as conquistas de Carlos Magno, as Cruzadas, os chamados Descobrimentos foram etapas marcantes, com novos impulsos e novas formas de expansão do Cristianismo, ainda que, por vezes, estranhas, paradoxais.

Todas as cristandades são, de facto, fruto de missionação. A universalidade da mensagem cristã tem sido, até hoje, entendida e desenvolvida através de mecanismos de expansão. É assim que, por exemplo, as chamadas raízes do cristianismo ocidental, resultaram de um processo de enculturação, processo por vezes complexo como a enculturação dos povos germânicos. Não há experiência cristã sem enculturação e toda a experiência cristã é, afinal, uma contínua enculturação.

A problemática missionária a que o missionário Barroso dedicou a sua vida nas últimas décadas do século xix é, apesar de muito relevante, uma etapa circunstancial da grande aventura da experiência histórica do Cristianismo.

Não deixa, porém, de ser admirável a forma abnegada como dedicou os melhores anos da sua vida às Missões: «Grandes missionários deu à Igreja esta leira portuguesa, do século xv em fora, mas nenhum que mais e melhor que D. António Barroso fosse o homem do futuro, do seu tempo e da sua missão», escreveu António Brásio.[138]

A posição deste historiador insuspeito, se atendermos a algumas questões que, na época do Padre Barroso, envolveram os Padres Espiritanos em Angola/Congo, é corroborada pelo Padre António Lourenço Farinha, outro historiador da missionação portuguesa, já citado: «O ressurgimento das Missões […] começou verdadeiramente com D. António Barroso, o maior de todos os missionários modernos. Espírito lúcido, homem prático, habilitado com conhecimentos técnicos.»[139] Homem do futuro.

 

1 – Em Angola/Congo (5-8-1880 – 14-9-1888)

Concluído o curso, em 1879, com 24 anos de idade, o Padre António planeava partir para a Índia, seguindo os passos de São Francisco Xavier, o missionário modelo que tanto admirava. Com este objectivo, estudou concani, a língua local. Entretanto, a morte do arcebispo de Goa, D. Ayres Ornellas, com quem iria trabalhar, frustrou os seus planos.

Um ano depois, em 5 de Agosto de 1880, embarcava no vapor Zaire para Angola, juntamente com outros padres, na companhia de D. José Sebastião Neto, novo bispo da Diocese de Angola e Congo (1879-1883). Seguia com a incumbência específica de restaurar a antiga Missão de São Salvador do Congo, considerada fundamental para assegurar a ocupação efectiva dos territórios do norte de Angola. O Padre Barroso parecia a pessoa indicada para tão espinhosa tarefa: robustez física e psicológica, ardor apostólico, preparação sólida, amor à Pátria. Tinha o arcabouço de um grande missionário, como escreveu o Cón. Correia Pinto: «fé ardente, vontade tenaz, assimilação fácil, iniciativa pronta, saúde vigorosa, força calma, abnegação comovedora, confiança absoluta, inabalável em Deus».[140]

Chegou à baía de Luanda a 7 de Setembro, com o seu bispo e demais colegas, e desembarcaram juntos no dia seguinte, pelas 12 horas, com guarda de honra e salva de tiros na fortaleza de São Miguel.

A expedição missionária, presidida pelo novo bispo de Angola e Congo, D. José Sebastião Neto, era constituída ainda pelos presbíteros Henrique José Reed da Silva, Sebastião José Pereira, Joaquim de Jesus da Anunciação Folga, António Simão do Rosário Mascarenhas, Francisco Xavier Pereira e Mariano António Nicolau da Silva Tavares, sendo estes três últimos naturais de Goa. Bispo e demais membros da expedição missionária, acompanhados pelo Secretário-Geral de Angola, dirigiram-se então para a igreja do Corpo Santo, que servia de Catedral, sendo aí recebidos pelo Cabido.

Uma vez chegado a Angola, D. José Sebastião Neto, que já durante a viagem fizera do Padre António Barroso seu confessor e confidente, nomeou-o, em 2 de Outubro de 1880, pároco encomendado da freguesia de Na. Sra. do Cabo, na Ilha de Luanda[141], enquanto aguardava que se organizasse a expedição missionária para o Congo. Entretanto, em 12 daquele mês, foi também nomeado professor de instrução primária da Ilha do Cabo[142], seguindo as pisadas do avô materno, Joaquim Gomes Barroso, que fora seu mestre-escola em Remelhe.

Em 11 de Novembro, o novo prelado da vasta diocese de Angola e Congo, em ofício ao Governador-Geral de Angola, pediu as necessárias providências para a partida para o Congo da missão, composta por António José de Sousa Barroso, Sebastião José Pereira e Francisco Maria Sampaio, sendo este, depois, substituído por Joaquim de Jesus da Anunciação Folga. Em 24, o mesmo bispo oficiava ao ministro do Ultramar a partida para o Congo, a ocorrer em breve, de três missionários formados no Colégio das Missões Ultramarinas, sob a chefia do Padre António Barroso. No mês seguinte, a 28 de Dezembro, por provisão episcopal da mesma data, o Padre Barroso foi nomeado Superior da Missão do Congo, lugar que ocuparia até 14 de Setembro de 1888.

Pouco depois, a 19 de Janeiro, véspera da partida, o Governador-Geral de Angola, Capitão-de-fragata António Eleutério Dantas, enviou ao Padre Barroso, na qualidade de Superior da Missão, instruções confidenciais sobre as relações a criar e a manter com o Rei do Congo e, genericamente, acerca da acção a desenvolver ali. Muito explícitas e de natureza marcadamente política. A posição do Governo português relativamente à acção da Igreja no Ultramar, parece bem clara nestas instruções confidenciais que o Governador-Geral lhe remeteu.[143]

 

Um projecto complexo. No dia seguinte, 20 de Janeiro de 1881, a canhoneira Bengo zarpou para o Congo, carregando a bordo a expedição missionária, depois de longa preparação em Luanda: o Padre António José de Sousa Barroso, Superior da Missão, e os Padres Sebastião José Pereira e Joaquim de Jesus d’Anunciação Folga, sacerdotes auxiliares. O Padre Joaquim de Jesus d’Anunciação Folga veio depois a adoecer, já em São Salvador, e teve de se retirar, restando ao Padre Barroso a colaboração eficaz do Padre Sebastião José Pereira, futuro bispo de Damão.[144]

Com os três missionários, seguia o capitão Barreto Mena, que chefiava a expedição, o guarda-marinha João Augusto da Mota e Sousa, com funções de secretário, duas ordenanças e algum pessoal para ajudar à reconstrução da Missão: dois carpinteiros (um branco e um preto) e dois ajudantes pretos. De acordo com instruções transmitidas a Barreto Mena: «Deste pessoal, ficam em São Salvador do Congo os três padres missionários e os quatro operários […] Em Noqui devem estar carregadores enviados pelo Rei do Congo para conduzir a Missão e seus pertences […] Logo que tenha chegado a São Salvador, procurará fazer entrega (ao Rei) de carta e presente, com as formalidades do estilo. Apresentará a Missão religiosa e mais pessoal, indicando qual o que ali se demorará com o fim de missionar e ensinar, estabelecendo igreja e escola.»[145]

A preparação foi longa, mas a informação que haviam conseguido recolher era escassa. Em Luanda, estranhamente, não havia informações recentes sobre a capital do Congo. Ninguém sabia o que se passava no interior da província, sobretudo a norte de Ambriz. Duvidava-se se o caminho mais indicado seria por Nóqui ou a partir de Ambriz. Optaram pelo primeiro, por entenderem que as lutas recentes entre portugueses e naturais da região do Bembe teriam tornado o último impraticável.

Partiram a 20 e, no dia seguinte, estavam em Banana, onde contrataram os serviços dum piloto cabinda, André Sulo, que, por quatro libras, os conduziu até Nóqui. (Rejeitaram os de um holandês que lhes exigia muito dinheiro pelo trabalho. Eram os dois únicos pilotos da zona). A 23 chegaram a Noqui, onde receberam os cumprimentos de D. Álvaro, filho do Rei do Congo, empregado numa casa comercial francesa ali estabelecida. Informou-os este de que ainda não tinham chegado os carregadores, calculando que o atraso pudesse prolongar-se por duas semanas. Devido a febres que os acometeram, os marinheiros da Bengo regressaram a Luanda. Seguiu-se uma longa espera pelos carregadores que o Rei do Congo prometera mandar. Eram indispensáveis para ajudarem no transporte dos materiais que iam para a Missão, bem como dos pertences dos missionários. Estes, além dos artigos pessoais, levavam consigo dicionários de inglês, livros de doutrina, papel, penas, tinteiros, três livros de duzentas páginas para assentos de baptismos, casamentos e óbitos, cadernos de merceeiro, para apontamentos, e ainda presentes diversos para oferecer aos sobas. O prelado havia sugerido que fosse dada ordem à Casa Portuguesa de Nóqui para que os sacerdotes pudessem fornecer-se ali do necessário, ainda que devessem levar consigo víveres para os primeiros seis meses.

Entretanto, o Padre Barroso aproveitou esta pausa forçada para fazer uma visita à Missão de Lândana, a cargo dos Padres Espiritanos, com o objectivo de se inteirar dos seus métodos de trabalho. O Superior desta Missão tinha enviado pouco antes, uma carta ao Rei do Congo, rogando-lhe que se afastasse dos missionários ingleses, porquanto lhe ensinavam uma religião diferente da sua, e estariam dispostos a roubar-lhe o trono.

Só a 8 de Fevereiro puderam partir de Nóqui para São Salvador. Foram 150 quilómetros, a pé. Uma longa marcha, de cinco dias, cheia de contratempos, bastante lenta, com caminhadas diárias de sete horas, com «as gramíneas desenvolvidas despejando água em catadupas, pela manhã, e, de tarde, ferindo-nos como navalhas afiadas», na linguagem expressiva do Padre Barroso.

Para tentarmos compreender o espírito com que o jovem missionário, aos 25 anos de idade, embarcou neste projecto apontado ao Congo, há que enquadrar a situação.

Antes de mais, há que ter presente que o Congo, política e religiosamente estava votado ao abandono. Até meados do século xix, a África era um continente inexplorado. A ocupação, a colonização europeia cingiam-se à orla marítima, às margens dos grandes rios, e o hinterland não preocupava as nações. Disraeli foi o primeiro estadista europeu que, em 1874, manifestou preocupação e interesse pelas colónias.

Portugal, como os demais países, ignorou a África durante os primeiros três quartos do século xix. Relativamente ao Congo, pode afirmar-se que, em 1881, ano em que o Padre António Barroso ali iniciou a sua actividade, estava mesmo votado ao abandono. Portugal tinha-se pura e simplesmente desinteressado. Com a Índia, e depois com o Brasil, o Congo perdera todo o interesse político.

Entretanto, as grandes viagens de David Livingstone (1852 a 1873) e de H. M. Stanley (1874 a 1877) haviam sido muito divulgadas por toda a Europa. Por vários anos, a novela que entreteve o mundo foi a travessia de Stanley pela África Central. Perspectivava-se um império congolês que teria no Zaire o escoadouro de toda a produção do grande planalto. Estas viagens de Stanley e de Livingstone eram acompanhadas em Portugal, e, naturalmente, também no Colégio das Missões Ultramarinas, onde estudava António Barroso, com muito interesse e preocupação, porque os países europeus que tinham despertado para as riquezas africanas, defendiam que a África era de quem efectivamente a ocupasse e não de quem apresentasse pergaminhos de a haver descoberto, como era o caso dos portugueses.

A Conferência Geográfica de Bruxelas reuniu em 1876, para acabar com a escravatura negra e «arvorar definitivamente o estandarte da civilização na África Central». Nas arenas internacionais, Portugal era apresentado ora como interessado ora como negligente no tráfico de escravos. O cerco apertava-se. No novo direito colonial o fundamento da posse passava a ser a ocupação de facto. O que importava às potências era encontrarem abertos os portos no Congo, sem quaisquer restrições para o comércio e navegação.

Com esta pressão das potências europeias, Portugal despertou para o Congo, mas tarde. Reivindicou direitos sobre o Zaire, alegando que se lhe devia a descoberta da foz. Em 26 de Fevereiro de 1884 assinou com a Inglaterra o Tratado do Zaire que reconhecia a Portugal a soberania sobre a foz daquele rio, em ambas as margens, mas garantia a liberdade de navegação internacional e reservava algumas vantagens aos ingleses. Os outros países interessados, sobretudo a França e a Alemanha, protestaram, alegando que com este tratado, os ingleses se estavam a usar dos velhos direitos dos portugueses para dominar a foz do Zaire. O tratado não chegou a ser ratificado, e Portugal propôs que o assunto fosse discutido numa reunião internacional alargada a todos os interessados

Bismarck, que andava atento, aproveitou a sugestão dos portugueses, mas alargou o âmbito e os objectivos da reunião que estas pediam. A resposta europeia à proposta portuguesa acabou por ser a Conferência de Berlim (1884-1885). As grandes potências – a Inglaterra, a França e os Estados Unidos – estavam com o chanceler e recusavam-se a reconhecer os direitos que os portugueses alegavam ter. Na Conferência, afinal, acabou por não se discutir o conflito em concreto, e, em contrapartida, fixaram-se as novas regras do jogo europeu em relação à África. Portugal resignou-se a registar o nascimento do Estado Livre do Congo – ficção para referir o domínio belga, na área – e a aceitar uma série de decisões com que não contava, como a liberdade de culto nas suas terras ultramarinas. É que a Bélgica e a França tinham andado a talhar atarefadamente o seu quinhão. E a Alemanha, apoiada na Sociedade de Geografia de Berlim, despertava também para a África, e partia pressurosa a criar protectorados, possessões. Em todos os casos, os pretextos para esquartejar a África eram de natureza filantrópica. Na prática, esta Conferência de Berlim não foi mais que o ponto de partida da partilha política de África, entre as potências europeias, que viria a concretizar-se até 1914.[146]

Face aos resultados da Conferência de Bruxelas, e com a bacia do Zaire aberta à navegação e ao comércio, corria-se o enorme risco de perda da influência portuguesa naquela zona. Foi nestas circunstâncias de aperto, que o Governo e a Igreja, na pessoa de D. José Sebastião Neto, avançaram para a reconstrução da antiga Missão de São Salvador, que se encontrava totalmente destruída e sem rastos de evangelização. Como informou mais tarde o próprio Padre Barroso, na comunicação que fez à Sociedade de Geografia sobre o Congo, o Governo sugeriu ao mencionado bispo franciscano que «se organizasse e partisse para o Congo uma missão religioso-patriótica que restaurasse a nossa influência combatida pelas intrigas de estrangeiros».

Para esta missão complexa, a pessoa escolhida foi o jovem missionário António Barroso. Amadeu Cunha, jornalista e escritor portuense, enfronhado nos meandros da política colonial africana, descreve muito prosaicamente a partida da missão: «Governando a diocese de Angola e Congo, D. José Sebastião Neto, a quem as explorações de Stanley, ao serviço do rei da Bélgica, haviam inquietado, insinuava às altas esferas a preparação e ida duma missão religiosa que tivesse também o objectivo de observar, de contrabater politicamente o terreno. Foi atendido e a missão partiu.»[147]

Outro dado a ter em conta para entender o contexto e o enquadramento em que o missionário Barroso iniciou a sua missão em África, é as independências das Américas. Em fins do século xviii, princípios do século xix, a Igreja Católica estava a ser confrontada com o primeiro grande «movimento de descolonização»: as independências das Américas. Aí, a Igreja apercebeu-se de que nada é definitivo em termos de territorialização, e, através do Dicastério da Propaganda Fide, deixou entender que os regimes de padroado não eram suficientes para responder às novas sociedades confrontadas com as revoluções libertárias. A partir de então, alguns, em Portugal, começaram a preocupar-se com o poder e com a influência das Ordens e das Congregações religiosas internacionais, e, face às mencionadas Conferências políticas internacionais, tomaram consciência da precaridade das possessões ultramarinas, como adiante se refere.

As Ordens e Congregações que são, no fundo, uma afirmação de liberdade, dentro da Igreja, passaram a ser olhadas, por alguns, com desconfiança, enquanto o clero secular – instrumento de garantia da territorialidade, de uma autoridade baseada no Bispo – passou a ser revalorizado, em Portugal.

Ainda outra referência a ter presente, e associada a esta, é a nova territorialidade do império português. Recorda-se que o fim do século xviii foi já um período de grande pressão sobre as Igrejas e nomeadamente sobre a Católica, no sentido de uma revitalização religiosa. Muitas das Congregações religiosas que se empenharam activamente na renovação católica do século xix, nasceram no contexto da revolução francesa, como referimos. A este sentimento de revigoramento, de afirmação e de expansão, anda associada a questão sensível da territorialização da experiência cristã. A reforma católica tridentina assentava num programa de territorialização da experiência cristã. Agora eram muitos os católicos que entendiam que as Congregações religiosas estrangeiras, em muitos casos nascidas num contexto revolucionário, podiam desagregar a unidade territorial. Foi notório, como também já referimos, que em 1834, muitos católicos apoiaram as medidas de Joaquim António de Aguiar, incluindo muitos clérigos seculares. Era significativo o número dos que entendiam, de uma maneira radical, o que o Concílio de Trento havia preconizado: a territorialização, a secularização da Igreja romana, em detrimento das Congregações religiosas.

Em Portugal esta questão fundamental andava associada ao fim do Brasil e à definição de uma nova territorialidade do império português. Face à nova situação, qual seria o contributo da Igreja – expressão da religião cristã? Passou assim a fazer-se sentir a necessidade de um clero secular.[148] Os Padres de Cernache eram resposta a esta preocupação.

À falta de missionários portugueses preparados, os governos de Lisboa vinham recrutando missionários estrangeiros, dando preferência aos franceses da Congregação do Espírito Santo, aos quais pagavam verbas significativas para que colaborassem na chamada civilização das possessões ultramarinas. Este recurso acabou por se revelar desaconselhável, na perspectiva dos interesses de Portugal. Assim se percebe que em 1880, o bispo franciscano José Sebastião Neto tenha levado consigo o padre secular António José de Sousa Barroso. Será correcto afirmar que D. José Sebastião Neto empreendeu a reestruturação da Diocese de Angola e Congo, também para contrariar a penetração espiritana, que por muitos era vista como influência, via padroado, dos interesses da França, sobre os interesses portugueses. Era bem conhecida uma afirmação do Superior das Missões de Lândana, que eram apoiadas, suportadas financeiramente pelo Governo de Portugal. Num relatório que enviou para Paris, escreveu: «Estou preparando filhos para Deus e criando súbditos para a França».

De facto, a actividade missionária, em Portugal, foi sempre acompanhada de alguma tensão entre o clero secular, reduzido em número, mas considerado mais propenso a garantir a territorialização da Igreja, e a necessidade urgente de evangelizar os territórios ultramarinos. É normal que esta tensão se fizesse sentir, atendendo a que se vivia num contexto de império colonial, e era neste contexto que as Missões se desenvolviam.

Jornada heróica. Concluído este preâmbulo, regressemos à longa marcha, cheia de contratempos, que o Padre Barroso e os companheiros estavam a iniciar, naquele dia 8 de Fevereiro de 1881, em direcção à Missão de São Salvador do Congo, avançando a pé, umas sete horas por dia.

A caminhada, de cento e cinquenta quilómetros, entre Noqui e São Salvador, envolvia, além dos companheiros de expedição, muita outra gente: «constava então de perto de trezentas pessoas», recordou mais tarde o Padre Barroso. Na descrição da viagem, feita por ele próprio, há referências a obstáculos e a problemas vários, a começar pela falta de água, mas também nos são narrados momentos hilariantes, como quando, no rio Mpozo, tiveram de fazer a travessia de pequenos canais de água e lodo, às cavalitas de carregadores possantes e experientes, tendo ele próprio enfiado ao charco: «Grande algazarra, e o caso assim o pedia», conta ele, em tom divertido: «Ao saír do atoleiro, eu devia ter semelhança com uma estátua que sai da fundição, antes que lhe sejam puidas as protuberâncias pela lima do artista.»[149]

A descrição deste percurso, a partir da foz do rio Zaire, interessante pelos dados científicos que encerra, foi feita na conferência que apresentou na Sociedade de Geografia, no termo dos oito anos de serviço que prestou no Congo. Ora repassada de um sentimento heróico de explorador, ora com umas pinceladas de ironia, a narração da viagem contém pormenores de fino recorte literário, que já parcialmente reproduzimos na II Parte:

 

Os trezentos e noventa e sete anos que me separavam de Diogo Cão, o qual primeiro tinha admirado o grande estuário do Zaire, foram galgados pelo meu pensamento, e encaminhei a minha vista para o fundo da baía de Santo António, a procurar o porto de Pinda. O porto lá estava; os nossos galeões parece que aí fundearam recebendo todo o comércio do Congo, mas não estavam lá: apodreceram carcomidos pelo gosano da nossa inércia. Procurei ao menos o Padrão que o descobridor do Zaire ali colocou, como uma sentinela da nossa posse e do nosso direito; também lá não estava. Essa testemunha das nossas glórias projectava uma sombra tão dilatada e intensa, que um dia os súbditos marinheiros de Sua Majestade Graciosa, para nos livrarem de um remorso, fizeram dela alvo para experimentarem se as culatras dos seus canhões estavam tão limpas como as suas almas. Não desanimei; ao menos o velho convento dos Franciscanos, esse convento que entre outros foi ilustrado por Canacatim, que tinha missões no baixo Zaire, no Bamba, etc., esse deve ainda atestar o nosso amor à civilização; as suas pedras enegrecidas talvez ainda nos defendam contra a inveja e a ingratidão de estranhos!…

O convento desmoronou-se; há perto de um século que os seus habitantes retiraram; o último roçar do burel do último Franciscano nos abrolhos do atalho, marcou o princípio da derrocada.[150]

 

Naquela viagem dramática a caminho do campo de trabalho, o Padre Barroso tinha consciência da grandiosidade e da responsabilidade da sua missão. Afinal, ele e a sua equipa iam continuar a grande obra dos Dominicanos (1490), dos Cónegos de São João Evangelista (1505), dos Jesuítas (1548), dos Carmelitas Descalços (1854), dos Capuchinhos (1778) e do clero secular que noutras épocas por ali abundara.

Depois de uma caminhada épica, pelas 11.30 do dia 13 de Fevereiro de 1881, a missão estava à vista de São Salvador. Mandaram alguém da comitiva ter com o Rei, e informá-lo, segundo os costumes da terra, de que estavam prestes a dar entrada na capital. O monarca recebeu-os, na sua residência, com a solenidade possível. Sentado no trono, rodeado de uma burlesca corte, adornado com panos de variegadas cores, carregando nas mãos a durindana e o ceptro, como anotou o Padre Barroso, e ainda uma imagem de Santo Cristo. Fora, no largo, uma multidão aguardava, sentada e contida.

Seguiu-se o momento mais solene, com D. Pedro V a receber das mãos do capitão Mena, a carta dada por D. Luís I nos Paços da Ajuda, e da qual o Padre Barroso fora portador. D. Luís convidava o Rei do Congo a prestar à Missão católica que se ia estabelecer em seus domínios, todos os auxílios morais e materiais possíveis, para que, assim coadjuvada, ela pudesse desenvolver a sua actividade e produzir resultados. Concluída a leitura da carta, o Rei agradeceu com palavras breves, mas de alguma elevação, e beijou os crucifixos dos missionários, ficando a entrega dos presentes para o dia seguinte.

Acabada a solenidade da recepção, veio o desconforto. Depois do longo e atribulado percurso feito a pé, não encontraram instalações de qualquer espécie onde pudessem abrigar-se. Era tempo de chuvas e ficaram instalados em cubatas húmidas, expostas ao tempo, com água a pingar dos tectos de palha. Artigos e géneros a deteriorarem-se. Desconforto total.

O dia seguinte surgiu carregado, com ameaças de água, mas a entrega dos presentes realizou-se, como previsto. Foi uma cerimónia ruidosa e colorida, com «música infernal e tiros de alegria», a testemunharem o júbilo estonteante dos súbditos do Rei, deslumbrados com a cornucópia das prendas oferecidas.

As primeiras impressões desta chegada mandou-as o Padre Barroso ao seu prelado, logo no dia 18 desse mês, aproveitando o regresso do capitão Mena que chefiava a missão. Neste primeiro ofício, relatou as péssimas condições em que ele e os seus colegas se encontravam. Aqueles dias sombrios, aquela lentidão soturna das noites molhadas sem fim, moeram-lhe tanto os ossos, que voltou a referir-se ao assunto, num relatório que enviou ao prelado, em 15 de Julho, cinco meses após a chegada «Apenas instalados nas nossas pequenas cubatas, as chuvas torrenciais, que alagam estas regiões, vieram desapiedadamente sobre nós, que, pouco preparados estávamos para as receber; as nossas casas de palha pelo seu estado de ruína e pela abundância da chuva, filtravam a água através dos tectos, tornando o pavimento um lamaçal, prejudicando a nossa saúde, que de estado tão anormal ainda hoje se ressente. Nesta lastimosa situação permanecemos dois meses, estando apenas e sempre mais ou menos doentes.»[151] Como o próprio escreve, passaram os primeiros meses doentes e mal alimentados, sendo ele o médico dos três.[152]

Porquê tanta pressa em deixar Luanda na pior época do ano? É que aquela missão religiosa e civilizadora lutava contra o tempo. Com Stanley haviam chegado missionários protestantes, e considerava-se que era eminente o perigo de se perder o reino do Congo para Portugal.

O Rei D. Pedro vivia e agia como um vulgar soba, e o seu palácio, onde recebeu a missão, era um aglomerado de cubatas ao centro de uma palissada. Escreveu, a propósito, o Padre Barroso: «Quando em 13 de Fevereiro entrava no lugar da antiga cidade com os meus companheiros, tudo quanto nos rodeava era espantoso, indefinível, desanimador.»[153] Uma cena surrealista, escreveria hoje.

Na área da cidade residiriam então cerca de 600 pessoas. Os missionários recém-chegados, após a entrega dos presentes, efectuaram uma visita às ruínas das antigas igrejas, e confirmaram que já não se justificava a sua recuperação. Da Catedral de São Salvador e das igrejas de São Miguel, de N. Sra. da Conceição, de São Tiago, de N. Sra. do Rosário, de São João Baptista, de São José, do Espírito Santo, dos Jesuítas, dos Capuchinhos, da Misericórdia, bem como das antigas residências dos portugueses, só restavam mesmo ruínas.

 

«A cristianização passara, como um aguaceiro tropical» (Padre Barroso). Sabe-se que, em meados do século xvii, São Salvador contou com umas oito ou nove igrejas, além da Catedral. O bispo D. Francisco do Soveral, no seu relatório de 1640 para a Santa Sé, menciona as seguintes igrejas, além da Sé: São Tiago, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Conceição, Santa Cruz, São João Baptista, São Miguel, Santa Isabel (Misericórdia) e Nossa Senhora da Vitória. O Padre capuchinho João Francisco de Roma, em 1648, conta oito igrejas, incluindo a Catedral de São Salvador. Das referidas pelo bispo Soveral não menciona as do Carmo, de São João Baptista e Santa Isabel, mas inclui mais duas: a de Santo Inácio, que tinha ao lado um colégio, onde residiam dois padres e um irmão jesuítas, e a de Santo António. De todas estas construções, à chegada do Padre Barroso, restavam amontoados de blocos e muito capim a cobri-las.

Quando da ocupação de São Salvador pelas tropas de Baptista de Andrade (1860-1861), que colocaram no trono o marquês de Catendi, o qual tomou o nome de D. Pedro V, a maior parte da pedra que restava dos antigos edifícios, incluindo a de várias igrejas, foi aplicada na construção de um fortim. Um pequeno forte octogonal, com ângulos reentrantes e com capacidade para 260 homens. Assim desapareceu praticamente tudo o que restava dum passado que parecera promissor.

Da acção dessa Igreja, que em tempos fora considerada florescente, também eram raros os vestígios. A reflexão que o Padre Barroso fez sobre os escombros das igrejas ali desmoronadas perante os seus olhos, foi determinante para a sua acção futura. Escreveu, a propósito, que «os trabalhos missionários no Congo […] trabalhos suportados com heróica coragem, […] não alcançaram recompensa condigna. O cristianismo não penetrou fundo, passou como as chuvas torrenciais, que apenas humedecem a primeira camada deixando o subsolo ressequido e estéril. É duro confessá-lo, mas é verdade: o cristianismo não assimilou o indígena e deixou apenas tradição da sua passagem entre as populações do Congo.»[154] Trabalhar em profundidade, passou a ser a sua grande preocupação.

Hoje integrada em Angola, a Missão de São Salvador do Congo, fundada em 1491, fora sede da primeira diocese da África Austral, e da primitiva capital de Angola. Actualmente é a sede da diocese de Mbanza Congo, cujo bispo é D. Vicente Kiaziku.

Foi Clemente VIII que criou, por bula de 20 de Maio de 1596, o Bispado de Angola e Congo – a primeira Diocese da África Austral. Só o primeiro prelado, D. Miguel Rangel, é que residiu no Congo, porque os demais foram-se ficando por Luanda, até que, em 1626, pareceu conveniente transferir para lá a Sé.

De facto, com a fundação de Luanda, em 1575, os interesses dos portugueses que actuavam naquela zona passaram a centrar-se na nova cidade, e foi assim que, a partir de D. Francisco do Soveral (1628-1642), os bispos passaram a residir lá permanentemente, apesar dos protestos do Rei do Congo e das reclamações das autoridades civis de Lisboa. A situação «de facto» acabou por se sobrepor à instituição «de direito». O interesse pelo Congo vinha esmorecendo desde a morte de D. Manuel. O Zaire não levava à Índia e no Oriente é que corria agora o leite e o mel.

O reino do Congo, em constantes guerras civis devido a lutas pelo poder, acabou por ficar praticamente destruído com a morte do Rei, na batalha de Ambuíla, em 1665. A partir de então, deixou de haver segurança e tornaram-se difíceis as comunicações com Angola. Um século de guerras, de luta fratricida e impiedosa, varreu tudo e tudo desfez.

O desvio da capital e da Sé para Luanda, ditou a decadência da Missão do Congo. Situava-se em zona insalubre e os missionários começaram a recusar-se a ir trabalhar lá. Um Governador de Angola escreveu então que o abandono missionário do Congo parecia insolúvel.

Com o gradual abandono dos portugueses e devido à falta de segurança, foi diminuindo o número de Missões no Congo, e também o clero, como se referiu, passou a preferir o Oriente e o Brasil. Mais tarde, com a expulsão das Ordens religiosas, deu-se o abandono total e entrou-se numa fase de adormecimento.

Só de longe a longe é que o prelado de Angola despachava um padre até São Salvador, por algumas semanas. «É bem de ver que estas missões nada aproveitavam, e serviam apenas para dizermos na Europa que missionários portugueses percorriam o Congo», observou, depois, o Padre António Barroso.[155]

Cerca de dois séculos mais tarde, entre 1858 e 1866, deslocou-se lá, por quatro vezes, o pároco do Bembe, Padre Morais Gavião, que presidiu aos funerais do rei D. Henrique e à coroação de D. Pedro V de Água Rosada, e, depois, ao seu casamento católico, e voltou ali ainda uma vez para conseguir um entendimento com o príncipe D. Garcia, que se tinha rebelado contra o pai, D. Pedro V.

Nos anos que se seguiram estiveram lá, ainda que por pouco tempo, os Padres António Ramos de Carvalho e Manuel Nunes Ramos, que tiveram de se retirar arruinados pela doença. Os frequentes pedidos dos reis aos governadores e bispos de Luanda ficaram sem resposta, devido à falta de sacerdotes e porque os poucos que havia não aceitavam ir em missão para o Congo. Só em 1876 lá voltou um padre. Foi o Padre Boaventura dos Santos, do primeiro grupo de missionários de Cernache chegados a Angola.

Com a colonização do Brasil, o Congo passou a interessar só mesmo como fonte de escravos, o que concorreu para agravar a situação. Sabendo-se que, em 1548, actuavam no Congo pelo menos dez europeus no negócio de escravos e que ao porto de Pinda iam doze a quinze navios por ano, carregando, cada um, entre quatrocentos e setecentos escravos, entender-se-á quão difícil seria, ao desprotegido e acossado povo do Congo, acreditar na mensagem dos missionários europeus.

Foi a esta Missão, próspera em tempos distantes e agora abandonada, que o Padre António Barroso chegou, no dia 13 de Fevereiro de 1881, com a incumbência de a restaurar.

No dia 1 de Abril de 1881, escreveu ao rei do Congo, a sua primeira carta, em resposta a uma que este lhe enviara. Apresentou cumprimentos e informou que, ao contrário do que este pretendia, não podia baptizar pessoas a eito, sem prévia preparação.[156] Em 15 de Julho de 1881, enviou ao bispo de Angola e Congo o seu primeiro relatório, já mencionado, onde fez uma retrospectiva de tudo o que se passara desde o embarque em Luanda, em 20 de Janeiro daquele ano.

Quando iniciou a sua actividade, encontrou implantada no terreno uma Missão protestante inglesa, poderosa, com muitos meios ao dispor e usando uma forte propaganda desnacionalizadora, o que muito o irritava, como grande patriota que se orgulhava de ser. A religião era considerada um elemento civilizador de primeira importância e a Sociedade Bíblica de Londres visava a penetração e alargamento da esfera de influência política e comercial da Grã-Bretanha naquela zona, devido à importância estratégica que vinha adquirindo. A mesma lógica dos portugueses, afinal. Travou-se na sombra uma luta de influências, como o Padre Barroso por diversas vezes referiu nos seus escritos. Estratégias idênticas, em confronto. Os missionários protestantes tentavam, em vão, converter o Rei do Congo, «insinuando-lhe que era absurda a adoração dos Santos, pois nada mais eram que bonecos de madeira; ao que ele, Rei, respondeu com a seguinte pergunta: e para que veneram os senhores o retrato da Rainha Vitória que lá têm em casa? Ele nada mais é, também, do que um boneco. Por outra ocasião quiseram-lhe tomar medida à cabeça para, diziam eles, mandarem fazer uma coroa inglesa e oferecerem-lha; a isto se recusou formalmente o Rei do Congo.»[157]

Inexperiente, o Padre António teve de enfrentar sozinho esta situação difícil, embora levasse do Governador de Angola instruções sobre a melhor forma de actuar, na sua qualidade de agente do Padroado. Uma situação espinhosa, até porque D. Pedro d’Água Rosada vinha fazendo jogo duplo com os ingleses.

Embora Luanda manifestasse preocupação pelo facto de o Congo se estar a passar para a influência protestante, foi de lá que emanara a autorização para a Missão protestante se estabelecer em São Salvador, aí por 1878. Bem orientada, vinha ganhando terreno, o que agora preocupava o Governo português que resolvera agir, e foi assim que apoiou o envio para a região do Padre António Barroso, para restaurar a Missão católica.

Esta Missão protestante baptista era constituída pelos missionários ingleses Comber e Granfell, enviados pela Baptist Missionary Society inglesa. Apresentaram-se ao rei D. Pedro V que os acolheu bem, até porque lhe foram recomendados pelo Governador-Geral de Angola.

Com a chegada do Padre Barroso e seus companheiros, que eram portadores, como referimos, de uma carta do Rei de Portugal e de recomendações do Governador-Geral, foi grande a perplexidade do rei D. Pedro V. Mandou então reunir o povo e deu conhecimento público de que tanto os Protestantes como os Católicos lhe haviam sido recomendados pelas autoridades portuguesas e que uns e outros diziam estar ali para ensinar o povo. Afirmou que, não podendo desprezar uns nem outros, resolvera dividir em duas partes iguais o seu povo, entregando a cada Missão uma dessas partes, deixando aos missionários o campo livre para desenvolverem a sua propaganda. A divisão feita pelo Rei foi respeitada e está na origem dos bairros católico e protestante de São Salvador.[158]

Os protestantes tinham já muita obra feita. O Padre Barroso olhou à volta e arregaçou as mangas. Havia levado consigo de Luanda dois carpinteiros, alguns quilos de pregos e dois ajudantes pretos que faziam de pedreiros mas que não dispunham de ferramenta. Revelando enorme capacidade de trabalho e de organização, e alguns conhecimentos que herdara da adolescência vivida ao lado do pai, carpinteiro, rapidamente construiu uma residência em madeira – construção que ele próprio dirigiu – e ao lado desta levantou uma capela, uma escola, um pequeno hospital, um observatório meteorológico e preparou uma roça que funcionava como escola de trabalhos agrícolas e fornecia vegetais, legumes e frutos para alunos, catecúmenos e demais pessoal da Missão. As suas observações meteorológicas, sempre pontuais, passaram a ser muito apreciadas em Luanda.

No mencionado relatório de 15 de Julho de 1881, informava que alimentara a esperança de reedificar a antiga Sé. Porém, quando procedeu ao desentulho do local, completamente obstruído por arvoredo e capim, apercebeu-se de que tal não era possível. Pensou ainda em aproveitar ao menos os alicerces, mas as dimensões da antiga igreja (31,55 m ´ 12,51 m) eram demasiado grandes para os reduzidos meios de que dispunha. Limitou-se, por isso, a aproveitar alguma pedra.

Recrutou na própria escola da Missão, entre os alunos mais adiantados e mais capazes, alguns para estabelecer centros de catequese, nas aldeias mais afastadas e que ele «a cada passo visitava, á custa de canceiras que só o seu arcaboiço de athleta podia aguentar».[159]

 

Caminhante todo-o-terreno. Efectuou longas viagens missionárias ao Bembe (1883) e ao Zombo (1886), aproveitando para conhecer aquelas zonas afastadas, para travar relações e para instalar postos avançados de catequese. De tudo o que viu e ouviu, fez ponderadas análises e registou observações de natureza científica.

Em 1885, «ainda mediante um prodígio de tenacidade e economia, o seu esforço fez brotar uma segunda missão regular – a da Madimba – em obediencia á execução d’um plano que a falta de recursos e de saude lhe não consentiu realisar».[160] Em 1886, fundou outra Missão sucursal, no Soyo.

Uma nota peculiar do temperamento do Padre Barroso é ter sido um andarilho impenitente. Andante de grande traquejo, nos primeiros dois anos limitou-se a breves reconhecimentos a povoações próximas, porque tudo estava por fazer na sede, mas logo que pôs em marcha a Missão de São Salvador, pegou no bordão e partiu. Ansioso por descobrir rastos de missionários que lhe permitissem criar novos campos de acção, curioso por ver in loco até onde se estendia a influência do Rei do Congo, e desejoso de carrear para São Salvador o comércio das regiões circunvizinhas, estava sempre pronto para arrancar.

Punha todo o cuidado na preparação das viagens: carregadores, presentes para os sobas, lista de contactos a estabelecer, caderno para as anotações pessoais diárias, papel para rascunhar mapas rudimentares das viagens que ia fazendo, uma bússula, imprescindível para a orientação no mato, e uma espingarda, para caçar e para impor respeito no caminho. A tipóia e a rede não entravam na lista. É um conselho que dava aos novatos: um bom par de botas e genica nas pernas. Embora meticuloso com os cuidados a ter nos trópicos, gozava de uma saúde de ferro, nos primeiros tempos do Congo, o que lhe permitia dormir em cubatas e acamaradar com sobas, comendo e bebendo com eles.

A primeira viagem a sério foi ao Bembe. Tentou fazê-la em Junho de 1883, mas só a realizou em Outubro seguinte. As coisas correram bem, apesar de não ter conseguido visitar o Dembo Ambuíla, nem estabelecer contactos com os povos da margem esquerda do Ambriz, o que fez no ano seguinte. De tudo deixou uma descrição meticulosa.

As populações nativas, recordadas de velhos costumes em relação a anteriores visitas de missionários, ofereceram-lhe uma liteira de rede, e disponibilizaram carregadores, mas recusou a tipóia, agradecendo. Ali viu, pela primeira vez, no Congo, limões e laranjas. Esgotadas as provisões, alimentou-se de bananas e mandioca. Igual minúcia usou no relato da visita que , dois anos depois, fez ao Zombo, zona impenetrável, hostil.

De todas estas viagens, elaborou relatórios, com base em observações que foi registando diariamente. Atento observador dos homens, das instituições e das terras por onde passava, recolheu notas no seu diário, algumas vezes referindo a existência de trabalho escravo que, depois, criticou, em 1889, na Sociedade de Geografia de Lisboa. A narração que nos legou das suas viagens missionárias é preciosa, e revela-nos um cronista pioneiro da alma africana. As suas descrições pormenorizadas e atentas permitem-nos reconstituir a dinâmica da vida social, religiosa e política dos povos do norte de Angola nos finais do século XIX.

Dos relatórios que então escreveu, ficaram célebres o de 1881, sobre o estado do Congo, o de 1884, sobre a viagem ao Bembe, e o de 1886, sobre a viagem ao Zombo.

Num destes relatórios, no de 1886, fez referência a vestígios que encontrou no Zombo de uma cristandade que em tempos lá florescera: «Nunca me pareceu tão bela e cheia de poesia celeste a Cruz mutilada de Alexandre Herculano. Estive assim não sei quanto tempo, pensando em coisas tristes; creio que chorei.»[161]

Paralelamente, preocupou-se, desde o início, com captar a benevolência do Rei do Congo, por obediência às instruções que levava e por se aperceber da importância do apoio real para o desenvolvimento do seu projecto missionário.

A chegada dos missionários portugueses de Cernache do Bonjardim foi o início de uma nova época na história do Congo. Uma época de renovação, de reorganização, com o Padre Barroso no comando. Por portaria do Governador de Angola, de 5 de Janeiro de 1883, foi nomeado para uma comissão encarregada de «com a máxima urgência, apresentar um projecto de reorganização da Missão do Congo e orçamentos respectivos».[162]

 

O reconhecimento dos homens. O seu esforço renovador, a sua acção inovadora, foram reconhecidos pelas autoridades religiosas e civis. Ainda no mês de Janeiro de 1883, por provisão do Chantre da Sé e Governador do Bispado, datada do dia 8, foi nomeado Provisor, Vigário Geral e Governador do Bispado de Angola e Congo: «Por muito confiar na aptidão e zelo e mais circunstâncias que concorrem no Muito Reverendo Superior da Missão do Congo, Presbítero António José de Sousa Barroso, hei por bem nomear o referido Presbítero como meu substituto, com toda a jurisdição e poderes necessários para me representar durante a minha ausência.»[163] Exerceu estas funções de responsabilidade, na ausência do titular do lugar, e por um curto período de tempo, até 7 de Fevereiro do mesmo ano. Em 16 de Maio, foi louvado por carta do Chantre da Sé de Luanda, em nome do Bispo de Angola e Congo.[164]

Entretanto, os louvores apontaram para novas responsabilidades. Logo em 13 de Junho, em ofício dirigido ao Ministro do Ultramar, Júlio de Vilhena, o bispo de Angola e Congo, D. José Sebastião Neto, informou que estava de partida para Lisboa, onde vinha assumir a mitra patriarcal respectiva «depois de ver se posso deixar a governar a diocese o superior da Missão do Congo, António José de Sousa Barroso, aluno do Real Colégio de Cernache, rapaz prudente e inteligente, que daria um excelente Bispo para esta diocese».[165] É a primeira vez que o seu nome é oficialmente referido como capaz vir a dar um excelente bispo.

Um mês depois, em 20 de Julho, foi elogiado pelo Governador-Geral de Angola, Ferreira do Amaral, em ofício dirigido ao Ministro do Ultramar: «Parecendo-me de toda a conveniência, e de uma altíssima vantagem política, o documento que recebi do Rei do Congo, mais uma vez tenho a pôr em evidência o chefe daquela Missão, a cuja iniciativa este se deve.»[166] Este mesmo Governador, no relatório do seu governo, relativo ao exercício de 1882-1883, referia-se assim ao Padre Barroso: «Do exposto se pode concluir que o nosso domínio no Zaire e na região anexa tem sido por todas as formas minado […] Como tentativa de contramina a estes manejos, temos tido a felicidade de conservar no Congo um grande prestígio, devido à eficaz e inteligente acção do nosso único missionário na Costa, o chefe da Missão do Congo, o Padre António José de Sousa Barroso, única tábua de salvação que no interior temos tido para conservar o alcance da nossa dominação no Costa do Norte.»[167] Em 15 de Dezembro, o mesmo Ferreira do Amaral, em ofício para o Ministro da Marinha e do Ultramar, Pinheiro Chagas, sugeria a sua nomeação para Cónego da Sé de Luanda, continuando porém a missionar no Congo. Ainda em 1883, foi distinguido com o Hábito de Cristo.

Tem a data de 20 de Janeiro de 1884 o relatório notável que enviou ao Governador-Geral de Angola, sobre a viagem que efectuou ao Bembe, a que se fez menção. O relatório seguiu para o Ministro do Ultramar, acompanhado de ofício datado de 11 de Fevereiro, com rasgados elogios ao autor.

A nomeação para Cónego da Sé de Luanda foi-lhe comunicada pelo Governador do Bispado, a 13 de Maio daquele ano de 1884, e, em 11 de Junho seguinte oficiou ao mesmo Governador, que, para tomar posse do lugar, nomeava seu bastante procurador, o Cónego Luís Maria de Carvalho. Em 14 de Novembro, num ofício do Governador-Geral para o Ministro do Ultramar, escreve-se: «V. Exa. verá que mais um serviço foi prestado por este simpático, inteligente, habilíssimo e dedicado missionário, cujas qualidades já não sei encarecer, e cujos serviços, mais uma vez, recomendo à consideração do Governo de Sua Majestade.»[168]

Em ofício do Vigário-Geral de Angola, de 26 de Junho de 1885, o Cónego Barroso foi louvado «por tanta e tão exuberante prova de dedicação».[169] Pela Portaria n.º 262, de 23 de Setembro daquele ano de 1885, do ministro do Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas, «Sua Majestade El Rei manda que, em seu real nome, seja transmitido àquele prestante e benemérito missionário o maior aplauso e louvor, por actos que tanto ilustram o seu carácter de português e que tanto o recomendam ao reconhecimento nacional.»[170]

A 12 de Janeiro de 1886, foi criado o Distrito eclesiástico e a Circunscrição missionária do Congo, e o Cónego Barroso foi nomeado Vigário da respectiva vara ou Arcipreste. Logo em 20 de Maio, enviou novo relatório ao Governador-Geral de Angola, sobre os seus trabalhos na Missão do Congo.

Tendo concluído, em 30 de Setembro de 1886, os seis anos de actividade a que estava vinculado, assistia-lhe o direito a férias na Metrópole. O Bispo de Angola e Congo, D. António Martins Leitão e Castro, pediu-lhe, por ofício de 13 de Outubro, que se mantivesse por mais algum tempo à frente da Missão de São Salvador. No fim do ano, a 20 de Dezembro, em ofício ao mesmo Bispo de Angola e Congo, declarou a sua disponibilidade para se manter no seu posto. Ali permaneceu até Setembro de 1888, num longo período de tempo extra, demonstrando dedicação e empenho. Os últimos dois anos foram particularmente difíceis. Sentiu-se só e sem apoios. Em 13 deste mês, foi-lhe concedida licença de um ano para tratamento da saúde e descanso na terra da sua naturalidade, com a informação de que «desempenhou o seu ministério com muito zelo e inteligência». Como qualquer outro missionário, o Cónego António Barroso, que entretanto concluíra oito anos de serviço efectivo, reunia condições para gozar um ano de licença, com viagens pagas e vencimento. Aproveitou esse direito para vir a Lisboa cuidar da saúde e na esperança de encontrar recursos financeiros para alguns dos seus projectos. Em 14 de Setembro tomou em Luanda o vapor São Tomé para o reino e, em meados de Novembro, estava em Lisboa.

Como penhor do compromisso de voltar, tomado com o Rei D. Pedro d’Agua Rosada, que entretanto conquistara pela simpatia e pela cordialidade, aceitou, como escreve o Padre Sebastião Braz, «trazer na sua companhia dois filhos e um sobrinho do rei», recordando talvez Diogo Cão, que chegara à foz do Zaire, em 1482, e que trouxera alguns indígenas, prometendo-lhes que regressariam.[171] A nomeação do príncipe D. Álvaro para professor de instrução primária, por indicação do Padre Barroso, bem como os presentes oferecidos à chegada, haviam facilitado um bom relacionamento com o soberano que, como grande soba, era poderoso junto do seu povo.

O Rei do Congo e alguns dos seus filhos estiveram presentes na Conferência de Berlim, em 1885, onde afirmaram a sua nacionalidade portuguesa, o que contribuiu para que fosse reconhecida a soberania de Portugal em todo o Norte de Angola. Um contributo de relevo, porquanto havia sido negado a Portugal o direito de soberania dos territórios a Norte de Luanda.

 

Os abrolhos da ingratidão. A. Luís Vaz, no trabalho que publicou, em 1971, sobre D. António Barroso, Missionário, dá relevo a algumas críticas que foram feitas à actividade missionária do Padre Barroso, na fase final da sua presença no Congo. Com a mudança de bispo e com a mudança de governador-geral, em Luanda, as relações com as autoridades ter-se-ão complicado. Houve atitudes de desconfiança e insinuações que lhe terão provocado momentos de algum desânimo. A vida missionária é entrelaçada de rosas e de espinhos, como ele próprio comentava. Parte das propostas que apresentara não haviam merecido acolhimento, nomeadamente: a instalação de Missões entre Nóqui e São Salvador, no Bembe e noutros locais do interior; a necessidade de convidar irmãs religiosas para cuidarem da formação das raparigas; a necessidade de procurar leigos capazes de ensinar artes e ofícios; o interesse de transformar São Salvador numa estação central do norte de Angola, onde o clero indígena e europeu fizesse a sua rodagem missionária, e onde pudesse regressar para se retemperar, quando necessário; a criação de um Dia Missionário Nacional, em cada ano, para recolha de fundos de apoio às Missões; a fundação de uma espécie de movimento nacional feminino, uma associação de senhoras distintas pelos seus sentimentos de caridade, que cuidasse da preparação de paramentos, toalhas de altar e demais artigos necessários ao culto, etc.

Como exemplo de alguns momentos difíceis que viveu, refere-se que, após o seu regresso a Lisboa, o seu bispo, em Luanda, D. António Leitão e Castro, que, antes fora Superior interino no Colégio de Cernache do Bonjardim, em 1884-1885, num ofício ao Ministro da Marinha e Estrangeiros, Conselheiro Barros Gomes, datado de 20 de Fevereiro de 1889, escrevia: «Não ocultarei que causou péssima impressão, a quantos foram a S. Salvador, o pouco desenvolvimento material da Missão (…) pelo que há muito se dizia da Missão do Congo, imaginava ir ali encontrar muito mais maravilhas, importantes estabelecimentos, mui superiores aos de Huíla. Houve efectivamente decepção, e daí nasceu uma ideia desfavorável aos trabalhos do padre Barroso». Dois anos antes, em 1887, o mesmo Padre Barroso tinha sido contactado pelo Governo, sobre a sua disponibilidade para aceitar a nomeação para bispo de Angola e Congo, e respondera afirmativamente ao convite. A sede de Luanda era ocupada por D. António Leitão e Castro.

Apesar dos contratempos próprios da vida missionária, a preocupação do Padre Barroso pelo Congo manteve-se, após a chegada a Lisboa. Logo em 16 de Novembro de 1888, recém-chegado, enviou ofício ao ministro do Ultramar, referindo as necessidades das Missões de São Salvador e de Madimba, e insistindo que era urgente criar outra Missão no Bembe, lugar que fora ocupado e onde o nome português tinha tradições de veneração e prestígio, como observou.

 

2 – Em Portugal

Durante os oito anos em que o Padre Barroso trabalhou em Angola/Congo, foram frequentes, como referimos, os elogios dos Governadores-Gerais para o Ministério do Ultramar, a propósito da sua acção, tendo-se mesmo afirmado, entre outras palavras de apreço, que era ele o mais distinto missionário de toda a África Ocidental.

Em reconhecimento do seu labor, foram-lhe atribuídas diversas distinções. Como já recordámos, foi agraciado com o Hábito de Cristo, em 1883, nomeado Cónego da Sé de Luanda, em 1884, e louvado, por portaria do Ministério da Marinha, em 1885. Foi agraciado também com a comenda de Na. Sra. de Vila Viçosa, em 1886.

Despontava como figura pública nos meios da capital, devido a tais distinções e, sobretudo, graças ao que havia escrito nos seus relatórios e em artigos diversos que publicara, particularmente no Jornal das Colonias.

Lisboa era uma cidade diferente da que deixara oito anos antes. D. Luís, soberano constitucional modelo, que formara com Maria Pia, filha de Vítor Manuel II, um casal popular entre os anti-clericais de esquerda, tinha entretanto falecido, em 1889. O novo monarca, inteligente mas altivo, era casado com uma princesa francesa muito devota, Amélia de Orleães, e não gozava da popularidade do pai.

A nível de governo, Fontes Pereira de Melo, promotor de uma política desenvolvimentista, voltara a governar de 1881 a 1886, mas falecera em 1887. De 1886 a 1890, os Progressistas retomaram o poder, com José Luciano de Castro. Henrique de Barros Gomes sobraçava a pasta da Marinha e Estrangeiros.

À estabilidade das décadas de 1870 e 1880, seguiu-se uma profunda crise política, económica e financeira, prenunciando a grande crise da monarquia, que viria a ser despoletada pelo ultimato enviado por Londres a Lisboa, em Janeiro de 1890.

Por aquela altura, as questões relativas às Missões e às Colónias em geral, prendiam a atenção da Sociedade de Geografia de Lisboa. Esta agremiação cultural e científica, fundada em 10 de Novembro de 1875, com o objectivo de despertar a nação para a gravidade da questão colonial, iniciara a sua actividade com um apelo a favor das Missões católicas. A Conferência Geográfica de Bruxelas, que reuniria no ano seguinte, iria abrir as portas de África a todas as confissões religiosas – um convite às sociedades bíblicas de Londres, que logo arregaçaram mangas para a faina africana.

O Padre Barroso, que conhecera no terreno o fervor e o ardor destas sociedades bíblicas inglesas, era sócio da Sociedade de Geografia, e Luciano Cordeiro, secretário perpétuo e alma da mesma, manifestava por ele enorme consideração, pelo muito que havia escrito, e foi assim que o convidou para proferir uma conferência, que teve grande projecção, sobre «O Congo, seu passado, presente e futuro».

O missionário recém-chegado, que ia ganhando dimensão nacional, proferiu depois uma conferência de teor idêntico no Ateneu Comercial do Porto, perante distinta audiência, e com apresentação pelo Prof. Bento Carqueija. Realizou, em seguida, outras conferências, no Instituto de Coimbra, em Braga e noutras cidades, sempre sobre questões ligadas ao Ultramar e à missionação. Havia consciência de obra feita: «Nos últimos dez anos temos feito mais em benefício das Colónias do que fizemos durante um século», escreveu o Padre Barroso naquele ano de 1889, numa dedicatória à Sociedade de Geografia que acompanhou a publicação da sua conferência.

Nesta conferência, que se tornou famosa nos meios intelectuais e políticos do seu tempo, começou por afirmar: «o meu fim é simplesmente contar com singeleza as minhas impressões pessoais», abordando «os costumes, a religião, as instituições embrionárias, as tendências de raça e o modo de viver das populações africanas». Trata-se de um estudo longo e profundo, que analisa a história, a organização social e política das populações autóctones, e cujos objectivos eram claramente chamar a atenção dos portugueses para a necessidade da ocupação efectiva do interior de Angola, e para a necessidade de apoiar as Missões católicas, face ao avanço de Protestantes e Maometanos: «Nunca nos arrependeremos do que fizermos pelas Missões Católicas nos nossos territórios de além-mar»; «preparemos pelo W. de África uma forte barreira, para opormos à influência árabe e maometana, que se alastra pelo oriente e pelo centro».[172]

O Padre Sebastião d’Oliveira Braz, seu colega e amigo, explica que os convites para tais conferências, feitos ao recém-chegado da obscuridade do sertão africano, se deveram a informações e dados científicos sobre diversos temas, que andavam dispersos pelos seus relatórios e por artigos publicados no Jornal das Colonias e na Cruz: «os seus relatorios e artigos de informação para os dois jornaes citados são vasto e util repositorio de observações directas e impressões pessoaes do que ao seu espirito culto e pratico se ant’olhava interessante, sob o ponto de vista da politica colonial, do desenvolvimento do commercio, da hydrographia, orographia, fauna, flora e ethnographia da região congoleza».[173]

Tais artigos (cujo levantamento continua por fazer), bem como as conferências e os relatórios que entretanto remeteu ao Governo, levaram o então Ministro da Marinha e Estrangeiros, Conselheiro Henrique de Barros Gomes, a pensar em remodelar as dioceses portuguesas de África, tendo este incumbido o Padre António Barroso de rever a legislação civil e canónica, com o objectivo de apresentar uma proposta de uma nova organização eclesiástica extensiva a todas as dioceses africanas abrangidas pelo chamado mapa cor-de-rosa. O sonho quimérico da implantação daquele mapa, supunha mais postos militares e mais Missões. Incumbiu-o assim «de revêr e estudar a legislação civil e canonica, que regulava o statu quo ante, e, na conformidade d’esse estudo, de organisar o projecto a que deveria obedecer a nova circumscripção das dioceses africanas, para ser submettido á approvação da Santa Sé».[174] Uma tarefa ciclópica em que o experiente missionário Barroso se empenhou e que só não teve seguimento devido ao ultimato inglês: encarregado por «Barros Gomes de estudar um projecto de remodelação das dioceses africanas, desempenhou-se brilhantemente do delicado encargo, apresentando um notabilíssimo trabalho, que não pôde ser posto em prática pelas dificuldades e acidentes da vida nacional de 1890 para cá», escreveu Bertino Guimarães.[175]

 

3 – Em Moçambique (21-2-1892 – 23-9-1895)

A notável e notória acção do missionário Barroso no Congo, bem como os seus discursos e comunicações em Portugal, particularmente a que apresentou na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1889, publicada pelo Boletim da Sociedade de Geografia de 1888-1889 e, depois publicada, em 1891, nos Annaes das Missões Portuguesas, fizeram dele uma figura ímpar no contexto da missionação portuguesa. Era, como acabamos de escrever, colaborador directo do influente ministro e prestigiado estadista Barros Gomes, trabalhando com ele num ambicioso projecto de reorganização e redistribuição das áreas de acção de cada uma das várias dioceses do Padroado português em África, o que lhe proporcionava um conhecimento aprofundado dos respectivos dossiers. Este trabalho ter-lhe-á valido também para assegurar a sua sustentação em Lisboa, porquanto o vencimento que recebia, só por um ano esteve a cargo do governo de Angola.

Entretanto, na reorganização governamental que se seguiu ao ultimato da Inglaterra, António Enes, que tanto combatera, pela imprensa, a política ultramarina de José Luciano de Castro, integrou o governo de João Crisóstomo, sobraçando a pasta da Marinha e Ultramar, de 13 de Outubro de 1890 a 21 de Maio de 1891. Enes concebera um plano de recuperação para Moçambique dentro de uma política de competição com as grandes potências que haviam repartido a África na Conferência de Berlim, em 1885. D. Carlos acabou por nomeá-lo Comissário Régio para Moçambique, em 18 de Junho de 1891, para presidir à missão que iria dar execução ao Tratado Luso-Britânico de 1891, e para pôr em prática o plano de recuperação que concebera, tarefa em que se empenhou até 16 de Novembro de 1895, num ambiente de alguma tensão. É que alemães e ingleses cobiçavam Angola e Moçambique, e procuravam qualquer oportunidade para repetir o ultimato de 1890.

Tendo vagado a prelazia de Moçambique, porque D. António Dias Ferreira, bispo titular das Termópilas, passara à diocese de Angola e Congo, e conhecendo o novo Ministro, o talento e virtudes do missionário Barroso, decidiu este governante promover a sua nomeação para a prelazia de Moçambique, rogando-lhe que aplicasse ali o saber missiológico e os métodos que trouxera do Congo, como conta o Padre António Garcia, s.j., na sua História de Moçambique Cristão. Para o convencer, usou todo o seu prestígio e sabedoria política, como também escreve Amadeu Cunha. O Padre Barroso terá começado por recusar, mas acabou acedendo. Observa, a este propósito, o Padre Sebastião Braz: «Não era a recompensa de serviços prestados; era, sim, a utilisação d’um valor, de que a Patria não prescindia […], e o missionario Padre Barroso teve de conformar-se. Acceitou.»[176]

E foi assim que, aceite o convite de António Enes, os filhos e o sobrinho de D. Pedro d’Água Rosada tiveram de regressar ao Congo, sem a companhia do prestigiado missionário que, entretanto, os introduzira no convívio da sociedade culta da capital, nomeadamente na Sociedade de Geografia, como ele próprio referiu numa intervenção que ali teve.

O Governo português já tinha pensado no experiente Padre Barroso para bispo, uns anos antes, em 1887, quando este andava nos 33 anos. Chegara a contactá-lo, para saber se estava disponível para aceitar a nomeação para bispo de Angola e Congo, e D. António chegara a responder afirmativamente ao convite. O então bispo daquela Diocese, D. António Tomaz da Silva Leitão e Castro (Bispo de Angola e Congo, entre 1884 e 1891), diligenciou para se manter no lugar. Mais tarde, dirigiu um longo ofício ao ministro da Marinha e Estrangeiros, Conselheiro Barros Gomes, propondo o nome do Padre Barroso para bispo de uma diocese a criar, envolvendo o Congo e São Tomé, desmembrada da de Angola. É “interessante” este ofício do bispo de Angola e Congo, de 20 de Fevereiro de 1889.[177]

A nomeação do Padre António Barroso para prelado de Moçambique foi feita pelo Rei de Portugal, D. Carlos, por decreto de 12 de Fevereiro de 1891, com base em privilégios que, na sua qualidade de padroeiro, lhe eram concedidos pelo Padroado Português do Oriente.

Preconizado bispo titular de Himéria, pelo Papa Leão XIII, em Consistório de 1 de Junho de 1891, logo em 25 do mesmo mês, uma portaria real participava ao Governador-Geral de Moçambique que D. António José de Sousa Barroso fora nomeado para o cargo de prelado de Moçambique, por decreto de 12 de Fevereiro, e que, naquela data, lhe foram entregues as Letras Apostólicas, datadas de 6 do mês então corrente, que o constituíam na dignidade de bispo de Himéria.

Foi sagrado na sé Patriarcal de Lisboa, em 5 de Julho, na presença de gente que lhe era muito familiar. Foi sagrante o cardeal Patriarca D. José Sebastião Neto, com quem, anos antes, embarcara para Luanda, e assistentes D. Henrique Reed da Silva, seu condiscípulo e, ao tempo, bispo de São Tomé de Meliapor, que, mais tarde, iria substituir, e D. João Gomes Ferreira, também seu contemporâneo no Colégio de Cernache, e, então, bispo de Cochim.[178]

A imprensa que se publicava em Lisboa na época fez eco do esplendor com que se desenrolou a cerimónia. Chamado a pronunciar-se, Barros Gomes referiu-se a D. António como «o modelo dos missionários». Os membros da direcção da Sociedade de Geografia, presentes à cerimónia da sagração, ofereceram-lhe o anel episcopal, cuja esmeralda mais tarde viria a perder, com muito pesar seu e muitas buscas pelo mato, numa grande viagem apostólica que efectuou, por terras de Manica. Foi «a sagração que se tem feito neste paiz com mais imponência», escrever-se-ia mais tarde.[179]

  1. António Barroso foi titular da prelazia de Moçambique, de 1891 a 1897. A sua acção e a de António Enes, acabaram, assim, por quase coincidir no tempo. Coincidiram também em algumas ideias e projectos que subscreveram, relativos ao desenvolvimento da Igreja naquela colónia.

Foi nomeado e sagrado numa altura em que estava ainda em tratamento médico, depois daqueles complicados oito anos de missionação no Congo. Podendo partir para Moçambique só nos princípios do ano seguinte, tomou posse da prelazia, por alvará de procuração, passada a favor do Padre Serafim Geraldo da Silva Vilela, em 21 de Julho daquele ano.

Em 7 de Agosto esteve em Remelhe, sua aldeia natal, onde administrou o Crisma a «pouco menos de 2000 pessoas, e no dia 9 deu ordens de Presbítero na Capela de São Tiago de Moldes».[180]

A 21 de Fevereiro de 1892 embarcou para Moçambique, acompanhado de alguns padres, chegando à Ilha, sede da prelazia, a 20 de Março.

Residiu na Província de Moçambique apenas três anos e meio, porque, entretanto, teve de regressar, por motivos graves de saúde, em Setembro de 1895. Desde então, governou a prelazia a partir de Portugal, até Setembro de 1897, data em que foi nomeado bispo de Meliapor na Índia. Foi um período curto de tempo, mas bastante, de facto, para renovar a diocese, imprimindo-lhe uma orientação diferente, e para reanimar o clero, incutindo-lhe um espírito novo e assegurando-lhe meios materiais de que nunca dispusera.

À sua chegada, a situação política da Província era caótica, e foi bem caracterizada pelo próprio António Enes, num extenso relatório de 516 páginas que apresentou ao governo de Lisboa, em 1893. Chegara a propor-se no Parlamento o abandono daquela Província, como escreve Enes na introdução ao referido relatório: «Discutia-se na imprensa e havia sido proposta no parlamento a alienação da província de Moçambique. Desesperava-se do seu futuro, por sugestões do seu passado. Alegava-se que esse espólio do nosso ciclo heróico era improdutivo como um loureiro. Padrão seria, mas andavam estrangeiros a apeá-lo e nacionais a conspurcá-lo. […] Faltava-nos gente para desbravar, capital para fecundar, iniciativas enérgicas para revolver o seu solo […]. Quinta de recreio não a deixavam ser as ossadas de colonos e soldados que juncavam os seus sertões.»[181]

 

«A mais abandonada de todas as dioceses ultramarinas» (Fortunato de Almeida). Ao nível da Igreja, as coisas não corriam melhor. A administração eclesiástica da prelazia de Moçambique, nos últimos anos havia estado a cargo de D. Henrique José Reed da Silva (1884-1886), bispo de Filadélfia, que, sem se haver lá deslocado alguma vez, deixou o lugar ao fim de um ano, seguindo para a diocese de São Tomé de Meliapor, mais interessante; depois, havia estado a cargo de D. António Dias Ferreira (1887-1891), bispo das Termópilas, que, já cansado de uma longa permanência no Brasil, cedo foi transferido para a diocese de Angola, mais aprazível.

Em tempos bem distantes, Moçambique havia sido um esperançoso campo de missão. Sofala, Moçambique e Angoche tinham sido, durante séculos, activos centros de acção evangelizadora. No vale do Zambeze, fora notória a acção dos Jesuítas, idos de Goa, em 1560, com D. Gonçalo da Silveira, que os Lusíadas celebram.[182] Nove anos depois, chegaram os Dominicanos, e novas cristandades surgiram, em Mombaça, Cabo Delgado, Quelimane, Inhambane. Estes religiosos de São Domingos, desenvolveram uma acção intensa desde o século xvi até mais de metade do século xvii, tendo diversos deles sofrido o martírio. Criaram convento próprio na Ilha, sob a designação de Na. Sra. do Rosário, levantaram igrejas em Sena e Tete, e trabalharam em Luanzes, Massapa e Manica.

Foi com eles a trabalhar na colónia que o Papa Paulo V, pela bula In supereminenti militantis Ecclesiae, de 21 de Janeiro de 1612, aceitou, a rogo de Filipe III, desmembrar do distante arcebispado de Goa, toda a costa oriental de África, desde o Cabo Guardafui, na extremidade oriental, até ao Cabo da Boa Esperança, assim dando origem à Vigararia ou Administração Espiritual de Moçambique, que tinha à frente um Vigário ou Administrador. Frei Domingos Torrado, da Ordem de S.Agostinho, bispo in partibus de Salé, foi nomeado primeiro Administrador Eclesiástico de Moçambique, por alvará de 1 de Março de 1613.

Até àquela data já do início do século xvii, Moçambique fora governado por Visitadores que iam do arcebispado de Goa. Pelo Breve Supernae dispositione, de 12 de Fevereiro de 1563, Pio IV criara as Administrações eclesiásticas de Ormuz, Moçambique e Sofala, que deviam ter à frente Administradores de Ordens sacras graduados em ciências eclesiásticas, a nomear e a amover por El-Rei. Estes Visitadores/Administradores podiam, de direito, conferir e administrar o Crisma e os demais sacramentos e exercer toda a jurisdição episcopal, excepto no respeitante ao sacramento da Ordem. Logo na mesma data de 12 de Fevereiro de 1563, foi nomeado Visitador de Moçambique o licenciado Manuel de Sousa Coutinho e, nesta qualidade, assistiu ao Concílio Provincial de Goa, em 1567.

Todos os Visitadores e Administradores residiram em Rios de Sena e Sofala, por se entender que a presença da Igreja missionária poderia ajudar a refrear a ganância desenfreada do lucro, associado ao ouro de Manica, às pérolas do Bazaruto e ao marfim do Save. Tendo entretanto decaído este tráfico, D. Maria I, ordenou, em 1779, que o novo Administrador, Frei Victorino de São José Machado, Dominicano, passasse a residir na Ilha, e foi ali que, desde então, se fixaram os responsáveis eclesiásticos. De facto, até 1779, os Administradores residiam em Sena, e recebiam as côngruas em fato, isto é, 4 bares e 8 corjas de chuabos, e, pela referida decisão régia, Frei Vctoriano, mudou a residência para a capital, sendo-lhe atribuídos a si e aos seus sucessores 3000 cruzados em metal, por despacho de 7 de Março de 1780.[183] Não dispondo os Administradores de alojamento próprio na capital, D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Carmelita, adquiriu, umas décadas depois, um casarão desconfortável, com aspecto de caserna, que passou a ser a residência dos Administradores e, depois, dos Prelados. D. António Barroso descreve-a assim: «[…] a casa destinada aos Prelados e que foi construída ou comprada por D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, Prelado de Moçambique e Bispo de São Tomé, é uma casa sem cómodos; toda ela é, por assim dizer, um salão; parece ter sido construída para bailes e não para residência de Prelados, e além disso não está concluída, segundo o plano da sua construção, faltando completamente uma parte importantíssima».[184]

Até finais do século xviii, os responsáveis da jurisdição espiritual de Moçambique eram tratados por Visitadores, Vigários ou Administradores, como vimos. Entretanto, um alvará de 4 de Setembro de 1759, deu ao Administrador Eclesiástico de Moçambique o tratamento de Senhoria e Reverendíssima, reservada aos Bispos pelo protocolo. Desde então, e, sobretudo, desde que Frei Amaro de São Tomás, que governava a Vigararia como Administrador, foi confirmado Bispo, e recebeu a sagração episcopal em Goa, em 25 de Outubro de 1785, passou a chamar-se-lhes Prelados de Moçambique e, consequentemente, a falar-se em Prelazia de Moçambique.[185]

Tal como aconteceu em Angola e Congo, também para a decadência religiosa de Moçambique concorreu o Brasil, que passou a absorver todas as Ordens religiosas que se dedicavam à pregação. O abandono foi tal, que o Governo decidiu aplicar severas penas aos capitães que levassem para o Brasil, a bordo dos seus navios, eclesiásticos idos das paróquias e missões africanas. Em 1822, quando já era notória a degradação, o mencionado D. Frei Bartolomeu dos Mártires solicitou ao bispo da Baía, no Brasil, que lhe enviasse alguns padres porque não tinha quem administrasse os sacramentos.

A expulsão dos Jesuítas, ordenada por Pombal e, depois, a expulsão das Ordens religiosas, em 1834, agravaram a situação. Os Dominicanos foram então forçados a deixar a Zambézia, onde, desde 1759, substituíam os Jesuítas.

Em consequência da situação assim criada, em meados do século xix não houve, por muitos anos, um único padre no interior da colónia moçambicana e raras vezes passavam de 4 ou 5 os padres das paróquias do litoral, todos indianos. «Durante trinta e cinco anos, de 1840 a 1875, partiram de Goa para Moçambique apenas 23 padres indianos, seculares, um capucho, também indiano, e um padre secular, da Metrópole. Como nos tempos anteriores, da Índia continuava a mandar-se o ‘rebotalho ou escória do clero de Goa’. […] Os próprios superiores hierárquicos eram escolhidos, por vezes, com pouca consciência, como Isidoro Caetano do Rosário Noronha, canarim, que nem como homem tinha o mínimo valor. […] Por muitos anos, nos meados do século xix, não houve um único padre no interior da colónia, entregue à doutrinação dos indígenas […] Para todos os povoados de Moçambique existiam em 1871 oito sacerdotes, só um deles da Metrópole, e em 1874, nove padres, todos da Índia», escreve o Padre António Lourenço Farinha, que, noutra obra, a propósito do estado em que se encontrava a Prelazia à chegada de D. António, regista que «apenas existia uma ou outra paróquia, vegetando no litoral com padres indianos no meio da indiferença se não da oposição dos brancos que a metrópole para lá exportava sem selecção. Em 1858 não havia na Província um único missionário!»[186]

Até D. António Barroso, a prelazia de Moçambique tinha sido, de facto, votada ao abandono: até à penúltima década do século xix, Moçambique foi a mais abandonada de todas as dioceses ultramarinas, segundo Fortunato de Almeida.

Apesar destas dificuldades que bem conhecia, quer porque lá tinham trabalhado vários condiscípulos seus, quer porque tinha analisado, pouco antes, a situação da prelazia com o ministro Barros Gomes, aceitou o desafio do Evangelho, e partiu.

Em 20 de Março de 1892, data em que chegou, havia no vastíssimo território de Moçambique 21 sacerdotes, sendo 9 Jesuítas e 12 seculares. Destes, 3 eram portugueses do Colégio de Cernache do Bonjardim, 1 era francês e os restantes cinco, indianos. Um mês antes de chegar, tinham ali desembarcado, com ordens para aguardarem por ele, sete novos presbíteros, que conseguira congregar para o auxiliarem na nova missão, 4 dos quais formados no Colégio de Cernache.

Na Ilha de Moçambique, capital do Território e sede da prelazia, havia um só presbítero, acumulando funções de governador da mesma, de pároco da sé, capelão da Misericórdia, do hospital e da escola de artes e ofícios, escrivão, oficial e amanuense da câmara eclesiástica, além de docente. Não havia sé, porque caíra em ruínas. Os prelados e seus cabidos oficiavam na capela de São Paulo, capela que fora do colégio dos Jesuítas, para onde, com a expulsão destes, o governo se mudara.

Ali chegado, com 37 anos, D. António pôde constatar que as condições eram, de facto, deploráveis. Como escreveu o insuspeito António Enes, o orçamento concedia às igrejas «menos dinheiro do que às repartições para tinta e aparos», havendo «altares onde se celebrava com cálices de mesa e o Cristo era alumiado por cotos de velas espetados em gargalos de garrafas». Acrescenta ainda que as igrejas eram «profanadas a meude pelos desregramentos» do próprio clero. Sebastião d’Oliveira Braz, que lá trabalhou, como missionário e como secretário de D. António, relembra que «a vida religiosa da Prelazia circunscrevia-se ás poucas parochias, e arrastava-se anemica nas mãos de alguns padres que Gôa para lá exportava, com mais ancia de rupias do que zêlo e interesse pelo levantamento moral e social do preto». De facto, só ia parar a Moçambique «o rebotalho ou escória do clero de Goa», na expressão muito dura de D. João Trindade, Prelado interino (1856), que, talvez por isso, nunca tomou posse do cargo. Missões propriamente ditas, com alguma organização, só havia 3, confiadas aos Padres Jesuítas, mas mesmo essas vegetavam, devido à falta de recursos materiais e de clero, que o clima dizimava impiedosamente. A Missão de Sena, em particular, foi um verdadeiro cemitério para inúmeros Padres da Companhia de Jesus.

D. António Barroso, num relatório que escreveu dois anos depois, em 1894, e a que faremos referência adiante, descreve a situação com que deparou. O estado de abandono medrara ao longo do século xix: «Depois de 1830 eram bem poucas as paróquias que tinham párocos, se existiam seis em toda a Província, era motivo para erguer as mãos ao céu!». Durante este período conturbado, muitos templos ruíram e apenas se levantou um, a igreja de Lourenço Marques, «sem arquitectura, sem beleza, sem gosto». Entretanto, «a disciplina do clero corria parelhas com o número». Em frente da Ilha de Moçambique, sede da Prelazia, «por abandono completo, perderam-se as grandes cristandades de Mossuril e da Cabaceira». A completar este quadro desolador, «os arquivos da Câmara Eclesiástica e os das paróquias foram queimados, roubados ou consumidos pelo muchém».[187]

A situação era tal que ultrapassava as piores previsões do novo prelado: «Não obstante ter experiência das coisas religiosas africanas e o firme propósito de reduzir no meu espírito às proporções mais modestas, para evitar ilusões, a ideia que formava da Prelazia a meu cargo, confesso que tudo o que existia estava ainda aquém dos cálculos que formava, já suficientemente amesquinhados. Não desanimei apesar disso».

Era um homem sem medo, um cristão intrépido. Revelar-se-á um pastor atento, preocupado em inovar métodos, em criar condições para uma mais profunda penetração do Evangelho.

 

Espírito reformador. Homem de acção. D. António era um homem de acção, não esperava que as coisas caíssem do céu. Em 1895, referindo-se aos perigos resultantes do isolamento dos missionários no sertão, escreveu que estes acabam por ser absorvidos pelo meio circundante «a não ser que a Providência faça milagres, que sendo possíveis, não são a regra, nem se devem esperar».[188]

Quase tudo estava por fazer, havia que arregaçar as mangas. De solidamente enraizado, encontrou apenas as três Missões que os Jesuítas tinham na Zambézia. É a partir do caos, que D. António vai revelar toda a sua capacidade de reorganizar instituições, refazer estruturas, dinamizar Paróquias, criar Missões e, sobretudo, corrigir, moralizar, dar um ânimo novo à vida missionária e aos seus agentes.

Metódico, uma vez instalado na sede da Prelazia, começou por organizar o arquivo e a Câmara eclesiástica, e pôr um pouco de ordem na secretaria. Do arquivo da Prelazia constavam apenas algumas folhas soltas, desde 1885, um ou outro ofício disperso, roído pelo muchém, uma colecção do Diário do Governo e meia dúzia de livros velhos, sem interesse. Em 22 de Março de 1893, determinou a criação e a observância de um regulamento para a organização dos cartórios das Paróquias e das Missões. Paralelamente, a defesa e a dignificação dos missionários constituíram uma das primeiras preocupações. Tendo constatado a situação de penúria das Paróquias e do clero, em geral, logo solicitou ao governo meios para que os padres pudessem dispor de casa e côngrua condignas.

Conseguiu, de início, a ida de sete sacerdotes e ordenou mais quatro «a título de missão», por especial atenção de Leão XIII, então pontífice reinante, com quem, mais tarde se viria a encontrar em três ocasiões diferentes. Restaurou antigas Paróquias, começando pela de São Sebastião, na capital, onde também conseguiu disponibilizar e adaptar para Catedral a igreja da Misericórdia; ali ao lado, em frente à Ilha, restaurou a igreja da Cabaceira; colocou um sacerdote na nova Paróquia de Angoche, que existia desde 1885, mas só no papel da portaria que a criou, e outro no arquipélago de Bazaruto, que, em situação idêntica, também conheceu pároco pela primeira vez; transferiu a Paróquia de Sofala para a Beira, dando-lhe pároco; enviou um coadjutor deste para Vila Fontes, no interior da Zambézia, de modo a ter três padres a distâncias que lhes permitissem visitarem-se e ajudarem-se mutuamente[189]; votou grande zelo ao florescimento da Missão de Boroma – a mãe de todas as Missões zambezianas – e alargou-lhe a acção; melhorou a igreja de Lourenço Marques e criou a Missão de São José de Lhanguene, nos arredores daquela cidade; criou a Missão de Chinde, no Sudeste da Zambézia; transferiu a Missão do Bembe para Monque, em frente de Inhambane; transferiu a Missão que havia sido criada no Zumbo, em 1890: «Visitei-a, estava ainda no princípio; infelizmente o terreno em que assentava era, além de doentio por estar no vale dum rio, sempre saturado de humidade, deserto ou pouco menos.»[190] A Missão de Coalane, muito povoada e às portas de Quelimane, passou a ter um missionário efectivo e um auxiliar, em 1893. Também reconstruiu a igreja da Ilha de Querimba.

O Padre Sebastião d’Oliveira Braz, então secretário do prelado, relata deste modo uma obra, que pessoalmente conhecia: «logo quasi no inicio do seu governo, creou a missão de São José de Langueni, nos suburbios de Lourenço Marques, e successivamente a do Maputo, no extremo sul da provincia; a do Mongué, no districto de Inhambane; a dos Anjos e a da Chupanga nos territorios da Companhia de Moçambique, afóra os postos missionarios com um só padre em Gouvêa, Chimoio e Matutine. Como remate de tudo isto, que é muito, attenta a escassez de recursos com que sempre esbarrava», criou o Instituto D. Amélia em Lourenço Marques, para a educação de meninas, e o Instituto Leão XIII na Cabaceira Grande, também com a mesma finalidade, e propôs a criação de instituições idênticas em Quelimane e Inhambane.[191]

Três décadas depois, um prelado que lhe sucedeu, referiu-se-lhe nestes termos: «Quando D. António Barroso chegou a Moçambique havia apenas vinte e um missionários. […] A penúria de pessoal era desanimadora; mas D. António tanto trabalhou que logo no primeiro ano do seu governo entraram treze novos missionários e outros tantos no ano imediato. Em dois anos ganhou maior número de missionários do que aquele que encontrou à sua chegada […] A sua passagem por Moçambique deixou um sulco profundo de fecunda lavra neste campo que regou com as bagas do seu suor e com o sangue dos seus sacrifícios.»[192]

Mas o grande juízo de valor sobre a obra que realizou em Moçambique foi feito, antes de todos, pelo comissário régio António Enes, em relatório que apresentou ao Governo e que foi publicado em 1893:

 

A primeira vez que visitei a província – ainda então não presidia à sua administração eclesiástica o benemérito bispo de Himéria, – senti-me escandalizado no meu respeito pelas crenças e pelos sentimentos, pelas instituições e pela história que a Cruz simboliza, apesar de ser um ímpio no conceito dos beatos. Os centros de depressão relaxista estavam localizados precisamente sobre as igrejas […] profanadas a miude por desregramentos do clero. Às igrejas apenas concorriam alguns raros funcionários, que consideravam dever de ofício o acto de presença à missa conventual, e a tropa, sem excepção dos soldados gentios e maometanos. Lá vi, guardando o altar de baioneta armada, maratas de rabicho enroscado e monhés, que horas antes teriam estado na mesquita de braços erguidos. Fora dessa concorrência de tabela, ninguém; […] desses poucos eclesiásticos, alguns seriam exemplares; mas deram-me na vista um preto, que em cada noite era levantado pela polícia das ruas da capital em estado comatoso de embriaguez, um Europeu crapuloso, bufarinheiro de sacramentos, que encontrei em visita à freguesia baptizando crianças pelas palhotas a 1$000 réis o copo de água, alguns Índios devassos e gananciosos, que vendiam sura às portas das sacristias e em casa catequisavam concubinas; […] Tais pastores, tal rebanho […] Estas impressões da primeira viagem modificaram-se no ano seguinte – já novo prelado havia empunhado o báculo – porque se lhes associou a impressão nova de que os serviços religiosos estavam recebendo impulsos e correcções de um zelo incansável e experimentado. Melhorara a disciplina, tendo o corpo eclesiástico cortado e lançado de si, como manda o evangelista, os membros por quem vinha o escândalo. Crescera o pessoal do sacerdócio; já tinham pároco todas as igrejas, fundavam-se novas paróquias, criavam-se missões nos focos de propaganda muçulmana, dignificava-se o culto, o prelado embrenhava-se nos sertões para conhecer as necessidades da diocese, o seu carácter sizudo sem biocos, as suas virtudes austeras sem intolerância, inspiravam respeito e simpatias que redundavam em autoridade moral para o clero.[193]

 

Homem de visão, habituado a planear, fixou objectivos pastorais e estabeleceu prioridades, com base na sua experiência no Congo. A sua prioridade, a sua preocupação maior ia para as populações nativas, embora considerasse também importante revitalizar as Paróquias do litoral e outros lugares onde predominavam os europeus e os indianos católicos.

Homem de acção, queria ir e ver, antes de tomar decisões. Elaborou um plano de visitas a Paróquias e Missões já estabelecidas, muitas das quais nunca tinham recebido uma visita pastoral, e projectou a criação de Missões novas em zonas centrais de influência, que dispusessem de boas condições de salubridade, de água abundante e solo fértil. Sonhava com a criação de uma rede de postos missionários, no interior: em Milange, Namuli, a Este do lago Niassa, e outro no Noedo, no coração do Ibo. Entendia que a acção missionária seria mais profícua fora do contacto com os europeus. Defendia que a evangelização deveria efectuar-se em sentido contrário àquele que se vinha seguindo: partindo do interior para o litoral e não do litoral para o interior, como se fazia.

Para tomar as decisões, havia que partir para o terreno, e avançou para o desconhecido sem medo. As viagens que então efectuou, os contactos que estabeleceu, as informações que recolheu e as observações que anotou, foram a base do relatório que escreveu em 1894, no fim de dois anos de Moçambique. Aí se revela o grande missionário, o missiólogo amadurecido e o cientista atento.

 

Evangelizar pela presença. As grandes viagens. O bispo Barroso, que adquiriu no Congo grande traquejo como missionário andante, fez-se em Moçambique um missionário-todo-terreno. O zelo pastoral e a curiosidade científica que lhe era inata, levaram-no a efectuar grandes viagens, percorrendo Moçambique de Norte a Sul, de Este a Oeste, como nenhum prelado fez até hoje. Considerava fundamental criar Missões em pontos estratégicos, e, para tanto, havia que conhecer em pormenor o vasto campo da sua prelazia. Tinha trinta e sete anos e uma vontade enorme de mudança. Queria acabar com a letargia instalada, alterar o statu quo, como escreveu o seu secretário, Padre Sebastião Braz.

O interior da colónia apelidada de Província era praticamente desconhecido e não atraía os portugueses. É certo que a recém-criada Sociedade de Geografia de Lisboa desempenhou um papel importante na organização das expedições ultramarinas, das grandes viagens das décadas de setenta, oitenta e noventa, e, graças a este esforço, Serpa Pinto, acompanhado por Augusto Cardoso, percorreu parte de Moçambique, mas era muito reduzido o território onde Portugal exercia, de facto, a soberania. Só ao longo do Zambeze existia penetração para o interior, a partir do Chinde; havia ocupação portuguesa radicada até Tete e pouco mais além.

Ninguém demandava a colónia da África oriental. Era terra de degredo. Só mesmo os degredados e alguns militares por lá permaneciam. Em 1850, havia em todo o império português 10 000 europeus, mas a grande maioria estava na Índia, em Angola e em Cabo Verde, e, mesmo estes, eram, em grande parte, degredados ou militares. As iniciativas e as companhias criadas para a colonização ultramarina haviam falhado. Em 1838 distribuíram-se em Portugal terras de Moçambique, a órfãos e a ex-alunos da Casa Pia, mas praticamente não houve resultados, por falta de gente interessada. Por tudo isto, a decisão do Prelado de Moçambique, de avançar para o interior envolvia muitos riscos e comportava imensos sacrifícios, como registou o seu secretário: «abandona as poucas commodidades que lhe oferecia o seu pobre Paço, para iniciar uma série de penosas viagens aos pontos mais populosos e distanciados da Prelazia, no intuito exclusivo de verificar e conhecer de visu onde a christianisação do indigena seria mais necessaria, facil e proficua, e ainda para exemplificar aos seus cooperadores que ao munus do missionario andam inherentes sacrificios de toda a espécie».[194]

Uma das primeiras medidas que o novo Prelado adoptou em Moçambique, para suster o descalabro com que deparou, em termos de disciplina eclesiástica, foi obrigar o clero da cidade a uma vida quase comunitária: «sujeitou o clero da cidade a um viver de quasi communidade».[195] Adoptou esta medida difícil antes de partir para a série de penosas viagens que decidiu efectuar aos pontos mais populosos e distantes da prelazia. Com tacto, explicou então ao seu clero que tinha de se ausentar para melhor poder escolher locais para fixar Missões, e também para experimentar na própria carne, os sacrifícios de toda a espécie inerentes à vida missionária. Pretendia, assim, dar um exemplo aos seus colaboradores, como explica o Padre Sebastião Braz.

 

I – Viagem a Lourenço Marques (25-4-1892). A primeira das suas grandes viagens pastorais, efectuou-a pouco mais de um mês após a chegada à Ilha de Moçambique, sede da prelazia. Viajou até Lourenço Marques, onde não havia nenhuma Missão católica.

Nesta primeira visita, que demorou dois meses e meio, viajou de barco, com partida a 25 de Abril de 1892, e com uma primeira paragem em Quelimane, onde visitou a única igreja ali existente, fundada pelos Jesuítas e colocada sob a invocação de Na. Sra. do Livramento. A vila de Quelimane, que, durante séculos, fora a chave de todo o comércio da Zambézia, era agora uma sombra do que fora no tempo do tráfico do ouro e nos anos prósperos em que funcionou como entreposto de escravos para o Brasil. Em 1854 estalara a guerra em Rios de Sena, fomentada sobretudo por negreiros fora de lei, e, com ela, a pobreza instalou-se para ficar.

No dia 29 daquele mês de Abril, retomou a viagem, a partir de Quelimane, e a 30 estava na Beira, cidade que havia sido criada na década anterior.

Fora dado ao nascente burgo o nome de Beira, em honra do filho do Rei D. Carlos, o Príncipe da Beira, cujo nascimento ocorrera cinco anos antes, em 1887. Sonhava-se com o ouro e com as pedras preciosas de Manica, onde os portugueses, em tempos, haviam estabelecido uma das mais conhecidas feiras. Tudo se preparava para que se iniciasse, por ali, o escoamento da riqueza do interior. Anotou no seu diário: «Vê-se sem esforço que por enquanto nada vale e que a importância só lhe pode vir da construção do caminho de ferro», e observou que «todos os que não têm trabalho em Lourenço Marques, aqui vêm parar. Não há casas para os receber».[196]

No dia seguinte, 1 de Maio, fundeava em Inhambane. «É mais bonita do que Quelimane», anotou. Visitou a igreja da Conceição, «relativamente boa», e reuniu-se com as autoridades e outras pessoas gradas da terra, à mesa hospitaleira do Cónego Gaspar.

Voltaria a fazer a mesma viagem, no ano seguinte, e então, na passagem por esta cidade, anotou no seu diário, a 16 de Junho de 1893, que era de lamentar a exiguidade do salário que recebia o trabalhador preto.[197] Longe estava ele de imaginar que, pouco mais de meio século depois, aquela cidade de Inhambane seria a cabeça de uma esperançosa diocese, governada por um homem natural da sua terra.[198]

Seguiu viagem pela madrugada, navegando sempre junto à costa, e, no dia 4 de Maio de 1892, estava em Lourenço Marques.

Governava então o distrito Augusto Cardoso, companheiro de Serpa Pinto na exploração do Niassa, que «veio a bordo», como registou. Anotou também que naquela cidade, toda a gente andava preocupada, devido a problemas surgidos com a construção do caminho-de-ferro para a fronteira, então em curso. «Ainda assim é a melhor terra que há em tôda esta costa abaixo». Observador atento, acrescentou: «Aqui tudo vive à custa do Govêrno que canalizava o dinheiro por intermédio das Obras Públicas e duma repartição de agrimensura e minas.»[199]

Manifestou alguma preocupação por ter encontrado tão poucos portugueses e tantos trabalhadores estrangeiros, o que, afinal, se explicava pela história recente da cidade.

Lourenço Marques era uma cidade de reduzidas dimensões, e relativamente nova, com cerca de 15 anos. Durante muito tempo, os ingleses haviam tentado expulsar Portugal de Lourenço Marques. Em 1875, numa arbitragem internacional, proposta pelo governo português e aceite pela Inglaterra, o presidente francês Mac-Mahon – figura estimada na cidade, agora designada Maputo – reconheceu formalmente a soberania plena de Portugal em todo o distrito de Maputo, incluindo a então povoação de Lourenço Marques, terra tão inglesa que até nome inglês tinha: Delagoa Bay.

Elevada a vila no ano seguinte, em 9 de Dezembro de 1876, logo em 1877, D. Luís lhe concedeu foros de cidade, mas, de início, o desenvolvimento foi naturalmente lento. Na década de 1890, quando lá se deslocou o prelado, os ataques vátuas a Lourenço Marques provocavam pânico entre a população europeia. António Enes, apoiado por um grupo de conselheiros, preparou uma campanha sistemática contra os guerreiros locais. Nesta campanha se destacaram Caldas Xavier e Mouzinho de Albuquerque, que viria, depois, a substituir António Enes, como Governador-Geral.

Foi esta a cidade jovem que D. António Barroso foi encontrar sobressaltada, acossada pelo medo, preocupada com a construção do caminho-de-ferro para a fronteira. Alguns anos mais tarde, em 1898, pacificada a zona, esta cidade de Lourenço Marques passaria a capital da província, substituindo a velha cidade da Ilha de Moçambique, donde o prelado agora se deslocava na sua primeira grande visita pastoral.

Não havia nenhuma Missão católica na zona de Lourenço Marques, e D. António encontrava-se ali para criar a primeira. Visitou diversos locais, trocou impressões com Augusto Cardoso, com o juiz Mesquita e com outros, e decidiu-se por Lhanguene, que então ficava a alguns quilómetros da cidade.

A Missão nasceu naquele ano, sob a protecção de São José, por portaria eclesiástica de 21 de Julho de 1892, com o apoio do governo do distrito e de um grupo de senhoras de Lisboa, Porto, Braga e de outras cidades que apoiaram o prelado nesta iniciativa, permitindo levar ainda por diante um outro sonho de D. António: a criação de um colégio para meninas. Assim nasceu na cidade o Instituto D. Amélia.[200]

Logo que pôde, regressou à Ilha, queixando-se de dores de reumatismo nos ossos, mas em Agosto embarcou para a Beira, para uma visita pastoral a Manica.

 

II – Viagem a terras de Manica e de Gaza (16-8-1892). Foi também de barco que iniciou esta segunda viagem, indo até Inhambane, onde começou por uma visita ao pároco. Subiu no mesmo transporte até à Beira, e dali partiu para o interior, a 16 de Agosto de 1892, por terras de Sofala, Manica e Gorongosa, fazendo mais de mil quilómetros em tenda de campanha, quase sempre por serras e vales de rios. Por ali andou, de meados de Agosto daquele ano de 1892, até fins de Outubro. Observou e estudou com particular atenção o planalto de Manica, pois pretendia escolher naquela zona um local com abundância de água e solo fértil, para instalar uma Missão.

Tal como a anterior, também esta era uma visita pastoral e uma viagem de estudo. Começou por subir o rio Púnguè, no Tungue, que rebocava duas lanchas, com as cargas e os respectivos carregadores, cerca de setenta, embrenhando-se depois todos na floresta.

Nestas longas viagens, normalmente era acompanhado por um ou dois padres, um funcionário público e umas dezenas de carregadores e guias, como era hábito na época. Sem escolta e a pé. E ainda arranjava tempo para escrever um diário, em que tudo anotava. Conseguir alimentar toda aquela gente era o grande problema de todos os dias. Volta e meia queixava-se: «Tenho arroz para dois dias. Como alimentar tanta gente? Ninguém vende nada e é tudo caríssimo». Conta como usava a carabina sempre que via caça ao seu alcance.[201]

Seguiu por Mucaca, Angiva e Mundingo, até Chimoio, Manica e Macequece, junto à fronteira com a Rodésia. No diário associa aquela zona montanhosa ao Gerês e, no dia 23 de Agosto, escreve, ferido mais pela saudade da sua alma de minhoto do que pelo fígado maltratado: «Há um ano estava eu no Gerês…»[202]

As anotações que tomou confirmam que todo o comércio do interior estava nas mãos de ingleses. Há referências à orografia e à vegetação, registadas em linguagem técnica apropriada, à Companhia de Moçambique, à fome das populações, aos ingleses que por ali aguardavam o caminho-de-ferro, sobrevivendo com enormes privações. Franceses, ingleses e portugueses percorriam aqueles sertões à procura de veios de ouro, e à espera do tal caminho-de-ferro que viria permitir a sua exploração.

«Em 29 chegou, pois, a Massiquece, em cujos arredores foi escolhido o local para a installação d’uma missão a 200 metros de altitude, n’um sitio pittoresco, abundante de agua e de facil cultura. Ficava a uma caminhada de seis horas de Umtali. Segundo o seu plano, esta missão seria a séde d’outras que deveriam ser fundadas n’outros pontos da região.»[203]

Ali em Macequece (depois designada vila de Manique), encontrou o primeiro padre que não desempenhava qualquer actividade religiosa. Como anotou no seu diário: «não diz missa, não ensina nem doutrina nem coisa alguma; apenas fazia tolices…»[204] Resolveu levá-lo consigo, por ser ali inútil. Um padre desacompanhado não resistia à solidão e acabava por se cafrealizar.

Pretendia subir dali para Tete, pelo Bárue, mas, não tendo conseguido, acabou por regressar pela Gorongosa. Voltou a Chimoio, Mucaca, subiu a Gouveia e rumou a nordeste, até Sena.

A vila de Sena que existia desde 1761, tivera igreja e feitoria na época do tráfico do ouro, mas agora estava reduzida a meia dúzia de casas arruinadas e algumas palhotas, como escreveu no seu diário. Ao ter conhecimento de desmandos que se praticavam naquela zona fora de lei, de graves contendas de interesses entre grupos rivais, não conteve um assomo de ira: «Esta Zambézia tem sido um pinhal da Azambuja, um covil de crimes que nos deshonram. É preciso terminar esta guerra e para isso pegar em muita gente que por aqui anda e pô-la em Timor. Estou convencido que em seguida não há mais guerras. Nestas coisas o preto é, em geral, quem paga as despesas e são os muzungos que recebem os proveitos». Acrescentou ainda, que não haveria naquele «país zambeziano», um palmo de terra que não tivesse associada a recordação dum crime.[205]

Para compreender os desmandos que por todo o lado se verificavam no interior de Moçambique, e que D. António pôde constatar, nesta e nas viagens seguintes, há que ter presente a história dos velhos «prazos» daquela colónia. Em total decadência durante a maior parte do século de oitocentos, os «prazos» estavam a renascer naquela última década, exactamente quando o Bispo Barroso por lá andava. A necessidade de desenvolvimento acelerado, a partir de 1890, levou à construção de companhias majestáticas, algumas das quais, verdadeiros estados dentro do Estado, dando azo a todo o tipo de prepotências. Em 1888, nasceu a Companhia de Moçambique, com capital predominantemente inglês e francês, e com estatuto de soberania, concedido três anos mais tarde. A Companhia do Niassa, também com capital inglês e francês, surgiu em 1893. Menos privilegiada, a Companhia da Zambézia, foi fundada em 1892.[206]

Feita esta olhada pela história, voltemos ao diário de D. António. Registou ter gostado muito de conhecer Gouveia. No seu entender, foi um erro mudar dali para Massequece a capital de Manica. Confessa-se maravilhado com as plantações e culturas agrícolas ao cuidado de alguns soldados ali aquartelados. «Que belleza de producções!» exclamou D. António, remexendo nas suas raízes rurais.[207]

Tomando uma embarcação que, com antecedência, solicitara ao Governador, desceu o rio Zambeze e subiu novamente até Quelimane, onde chegou a 22 de Outubro de 1892, no termo desta peregrinação pelas terras de Manica. Ali encontrou António Enes, e ali aguardou três semanas por um barco que o levou de regresso à Ilha de Moçambique.

A viagem que assim terminava fora deveras difícil. Parte dela fora feita debaixo de febres. Precisou de uma consulta médica, mas não a conseguiu, por não dispor das vinte e cinco libras que lhe pedia um médico de Umtali. Várias vezes sentiu carência de alimentos e muita sede. No dia 9 de Outubro, escreveu: «Passei fome», e a 15 diz terem bebido água negra e imunda. Para cúmulo, perdera a ametista do anel da sagração episcopal, oferecido pela Sociedade de Geografia, e que tanto estimava. Tinha 38 anos. Registou no seu diário, em 6 de Novembro de 1892: «Fiz ontem os meus trinta e oito anos sem que ninguém o soubesse.»[208]

 

III – Viagem ao Niassa (29-9-1893). A terceira viagem foi em direcção ao Niassa. Efectuou-a no ano seguinte, entre 27 de Setembro e 1 de Dezembro de 1893, por terras de Sofala, levando em sua companhia o Padre Moura, Superior dos Jesuítas nas Missões da Zambézia.

Partiu mais uma vez da Ilha, visitou novamente Quelimane, desceu a costa na lancha-canhoeira Cuama, aportando ao Sombo, onde fundeou, para no dia 2 zarpar do portinho de Chinde, fazendo-se ao Chire. Dificuldades de navegação provocadas pelo baixo caudal de água, obrigaram-no a meter-se a pé, e no dia 12 levantava acampamento em Pinda. Continuou a pé, mas voltou a navegar, na lancha de um holandês protestante. A 19 estavam em Port Herald, estação britânica, onde mudaram para uma embarcação a remos. A 22 chegavam a Chilomo e prosseguiram a pé até Milange, na fronteira com a Niassalândia, a uns 300 quilómetros de Quelimane. A Missão de Milange pareceu ao prelado pouco menos que incipiente. Há que recordar que Milange constava do seu plano de instalação de grandes postos de missionação no interior. Nestas difíceis e arriscadas incursões, cheias de imprevistos, que podiam, parcialmente, alterar os seus planos, D. António levava consigo uma estratégia: «Foi sempre uma grande aspiração do zeloso Bispo de Himeria a creação de quatro postos missionarios, lá bem no interior do sertão, sendo um em Milange, outro em Namuli, outro ao Oriente do Lago Niassa e ainda outro no Noedo, interior do Ibo. A acção do missionario sobre o preto, para ser proficua, tinha de ser exercida fóra do contacto d’este com o europeu. A missionação deveria vir do interior para o littoral, e não vice-versa.»[209]

Em Milange, D. António esperava encontrar os Padres Loubière e Parrodin, dois missionários novos que chegavam ao campo de missão. Entretanto, aqueles dois Jesuítas haviam falecido no caminho, o que o levou a apontar o passo para o local onde jaziam, a dois dias de distância, com o objectivo de indagar sobre a causa das suas mortes. Em carta que dirigiu ao Núncio Apostólico, em 13 de Janeiro de 1894, referindo-se a estes jovens missionários, escreveu: «Seguiam para a missão de Milange quando a meio caminho, no Prazo da Coroa, chamado Boror, ambos morreram. Pouco depois, descendo eu de Milange, indaguei quanto pude entre os indígenas qual seria a causa da morte e fiquei convencido de que de modo algum houve violência da parte dos pretos. Temos, pois, que atribuir aquela desgraça às febres e talvez a alguma insolação.»[210]

Era sua intenção ir até ao Niassa, e para lá caminhou mais alguns dias, mas teve de regressar, devido ao exorbitante saguate exigido por Matipuira e Mutira Manja, régulos poderosos que haviam sido os últimos traficantes de escravos naquela zona e que rejeitavam a soberania portuguesa. «É que havia a luctar com a má vontade de dois potentados da região – o Motopuiri e o Mutira-Manja – residindo alternadamente, segundo as conveniencias de momento, em territorio portuguez ou inglez […] e o despeito dos dois sobas provinha de não haverem recebido á passagem do illustre Prelado pelas suas terras a visita e o concomitante saguáte (presente) que elles queriam arvorar em praxe. Tão habituados andam a fazer pagar bem o reconhecimento fictício da soberania portugueza!»[211]

Vendo frustrados os seus planos, voltou a fazer pelo interior da Zambézia, as centenas de quilómetros que o separavam de Quelimane, onde chegou a 1 de Dezembro de 1893. Tomou mais uma vez o barco que o levaria à sua Ilha de Moçambique, onde arribou, ainda com optimismo e fé bastantes para anotar no seu diário: «Estamos bastante cançados, por causa do muito calor e das privações do caminho, sobretudo no que respeita a agua. Com a ajuda de Deus está terminada esta viagem, que não foi tão feliz como a gente queria, mas da qual espero em Deus se tirará algum proveito.»[212] Quanto ao Niassa, ficaria para a próxima. Havia que elaborar cuidadosamente um relatório sobre o estado da prelazia, e remetê-lo ao governo em Lisboa.

Ao concluir os dois primeiros anos da intensa actividade que vinha desenvolvendo, D. António parou para reflectir e elaborar um relatório que submeteu ao ministro do Ultramar, com data de 2 de Maio de 1894. Este relatório, de 175 páginas, com o título «Padroado de Portugal em África – Relatório da Prelazia de Moçambique pelo Reverendo Bispo de Himéria», foi depois publicado em Lisboa, no ano seguinte, pela Imprensa Nacional. Nas primeiras 70 páginas o relatório dá-nos uma visão do que fora a prelazia no passado e da situação naquela data, relatando as actividades entretanto desenvolvidas nos dois anos anteriores e apresentando um projecto das actividades a promover. Nas restantes 100 páginas, o prelado transcreve nove relatórios que mandou elaborar ao escrivão da câmara eclesiástica e aos responsáveis das Paróquias e Missões de Boroma, Zumbo-Kiciko, Tumbini-Milange, Inhambane, Quelimane, São José de Lhanguene, Ibo e Ilha de Moçambique, onde residia. Trata-se de uma obra notável que, por um lado, revela o verdadeiro missionário, missiólogo e cientista que D. António era, e, por outro, manifesta a consideração e o apreço que tinha pelos seus colaboradores, neste caso, Padres Jesuítas e Sacerdotes seculares.

O relatório mereceu os melhores encómios ao ministro, que despachou favoravelmente os pedidos do prelado: adaptar a igreja da Misericórdia a catedral; ajudar a criar uma residência para os missionários acabados de chegar a Moçambique fazerem um estágio de adaptação; inscrever no orçamento 1000$000 para trabalhos extraordinários não orçamentados, e para apoio às Missões que nada recebiam do governo; criar um seminário em Portugal, destinado a formar missionários para Moçambique; melhorar a situação económica dos padres, cuja côngrua era insuficiente para as necessidades diárias; uma gratificação ao escrivão da Câmara.

 

IV – Viagem à Zambézia (12-6-1894). A quarta viagem, a mais longa, durou 5 meses, entre 12 de Junho e 3 de Novembro de 1894. Tentou chegar ao Niassa português pelo Niassa britânico, mas não conseguiu, novamente por oposição dos régulos. Fez mais de 2 mil quilómetros nestes 5 meses, com longos dias de barco e caminhadas intermináveis pela selva.

Para esta tremenda viagem partiu, mais uma vez, da Ilha em direcção a Quelimane, onde, tendo de esperar 15 dias por uma lancha que o levasse ao Chinde, aproveitou para efectuar uma visita pastoral à paróquia e para advogar junto do presidente da Câmara e da gente grada da terra, a construção de uma instituição de educação e ensino para meninas. Parece ter melhorado a imagem que tinha da terra, e refere-se-lhe agora como «a mais pitoresca vila da costa oriental».[213]

Tendo finalmente conseguido transporte para o Chinde, ali fundeou no dia 30, e aguardou outro transporte para voltar a subir o Zambeze. Levava agora consigo o Cónego Gustavo Couto, Pároco de Quelimane. Partiram do Chinde no dia 4, a bordo da canhoneira Obuz, chegando no dia 7 a Vicente, onde desembarcaram e visitaram a fábrica açucareira da Companhia de Mopeia, que lhe deixou agradáveis impressões. Passou por Chupanga, onde aproveitou uma demora da canhoneira para uma visita à sepultura da esposa do explorador Livingstone, ali falecida em 1862. No dia 12 tornou a encontrar Sena – a velha fidalga arruinada da África Oriental. Em 19, o Obuz tocava em Massangano, e no dia seguinte desembarcavam em Tete, onde visitou a igreja de Santiago Maior e os fortes de D. Luís e de Santiago. Como as canoas à vara e à pá que transportavam a bagagem, e que tinham saído do Chinde antes deles, nunca mais chegavam, D. António prosseguiu a viagem até Boroma, terra onde os Jesuítas tinham Missão, e onde aguardou a bagagem. Esta Missão recente, datada de 1885, tinha como superior o Padre João Hiller, alemão, que então estudava a língua portuguesa. Tratava-se de uma Missão moderna e exemplar, uma das melhores que a África conheceu. Ali se demorou uns dias, até 31 de Julho, festividade de Sto. Inácio, para celebrar um solene pontifical, e para melhor observar, em pormenor e com muito interesse, a experiência dos Jesuítas, sobretudo no tocante ao funcionamento das escolas masculinas e femininas. «Estes padres são uns trabalhadores incançaveis, e bem merecem da Egreja e de Portugal, cujo nome fazem conhecer.», anotou ele no seu diário[214]

A 7 de Agosto prosseguiu a viagem, ora a pé ora de machila, como podia e como a saúde lhe permitia, por Chicoa, e a 24 estava no Zumbo e depois no Miruro.

O Zumbo, a duzentas léguas da costa, era a porta do Zambeze, que por ali entra em Moçambique, vindo da Rodésia. Em tempos houve lá uma florescente Missão dos Dominicanos, que contava duzentos fogos e mais de mil almas, graças à iniciativa de Frei Pedro da Santíssima Trindade, que criou convento sob a invocação de Na. Sra. do Rosário. «A verdade é que a construção redundou para a vila numa aurora de grandeza, pois afluíram de tôda a parte negociantes, que, estabelecendo-se ali viveram em paz e abastança durante anos», referem H. Capelo e R. Ivens.[215] Com alguma nostalgia, D. António fez uma peregrinação pelas ruínas do convento, da igreja, do cemitério cristão e da sepultura de Frei Pedro, onde o povo ainda acorria, em veneração. O que restava desta Missão tentavam agora os Jesuítas restaurar.

Sobre esta visita ao Zumbo, «o ponto do dominio portuguez mais internado no sertão e distanciado do littoral, na Colonia de Moçambique», escreveria o Padre Sebastião d’Oliveira Braz: «Cabe incontestavelmente ao alto espirito de sacrificio de D. Antonio Barroso a gloria de ser o primeiro Prelado Bispo que poz os pés no Zumbo.»[216]

Foi uma travessia longa e arriscada, por terras a mando de complicados capitães-mores, senhores arrendatários, senhores de prazos e de aringas, capazes de todo o tipo de prepotências. Anotou que viajar na Zambézia é um problema. Não há autoridade nem segurança, nem gente, nem água. As febres prostam os carregadores que têm de ser deixados pelo caminho. A maior parte das notas que tomou na viagem pelo vale do Zambeze exprimem inquietação. Registou com mágoa os desregramentos e a desordem que ali enlodavam a vida social. Lamentou ver negros brutalizados, explorados até à crueldade pelos arrendatários a quem, por incompetência ou falta de meios, por vezes as autoridades militares portuguesas se subalternizavam. Escreveu que «muzungos e capitães-mores devoravam como cancros o país»[217], rico de recursos, mas mal administrado. Anotou que, com o abandono dos missionários, no lugar de cada Missão nascera um capitão-mor, «a entidade mais nefasta que tem atrofiado tudo, representante bastardo do feudalismo medieval (…) autoridades nas mãos das quais o poder central delegou um mando que não compreendem e do qual largamente se têm servido para o roubo, morticínio e atrocidades que me guardo de referir, sobretudo nas terras entre Tete e Zumbo».[218]

Após haver crismado ali no Zumbo uma centena de pessoas, regressou a Tete, em cuja paróquia também administrou o Crisma a meia centena de fiéis, prosseguindo depois a viagem para o Norte, em direcção à Niassalândia britânica. Sempre bem acolhido pelas autoridades inglesas, passou os últimos dias de Setembro em Blantyre, onde chegou a 25, hospedando-se em casa de um holandês, católico. Aproveitou para estudar o funcionamento de uma importante Missão central protestante. Julgamos que veria esta como um modelo das Missões que preconizava para Moçambique. A 27, deixou Blantyre, em direcção a Zomba, sede da residência do Comissário britânico, onde se inteirou do funcionamento de mais uma Missão protestante.

Como escrevemos, era sua intenção chegar ao Niassa português através daquele espaço britânico, mas acabaria por, mais uma vez, não conseguir, porque o Chire, naquela época do ano não levava mais que dois palmos de água, impedindo assim a navegação, e forçando-o a voltar para trás. De regresso, voltou a passar por Blantyre, onde, a 1 de Outubro se encontrou com o Bispo católico do Tanganica, que ali estava de passagem, com alguns Padres e Irmãs missionárias – as primeiras que foram trabalhar na África Central. Seguiu para o Chinde, onde chegou a 21, tendo ido por Milange e Chilomo, numa travessia cheia de peripécias, com encalhes e febres, pragas de mosquitos e carradas de quinino. Rumou de novo à sua Ilha, onde chegou a 3 de Novembro, com mais de dois mil quilómetros no corpo.

De tudo tomara nota nos cadernos de merceeiro que sempre o acompanhavam: diversidade de vegetais e minerais, características culturais e psicológicas dos homens e dos grupos com que se cruzava, fertilidade dos terrenos e diversidade de produções agrícolas, funcionamento do regime dos «prazos», deficiências que notou na administração arcaica da colónia e no desempenho do funcionalismo, para além de referências a questões de natureza pastoral e religiosa, a que, naturalmente, dava prioridade.

 

V – Viagem a Goa (14-11-1894). Mal refeito, partiu para a Índia, logo a 14 daquele mês de Novembro de 1894, para participar no Concílio Provincial de Goa, a convite do arcebispo local, D. António Sebastião Valente. Diferente das anteriores, esta não era propriamente uma visita pastoral, mas encarou-a com empenho. Queria estar presente, e, achava que, na qualidade de sufragâneo, não podia deixar de comparecer, apesar dos problemas de saúde e das dificuldades económicas do momento.

Em 9 de Junho, poucos dias antes de partir para a viagem donde agora acabava de regressar, pedira autorização ao governo para se ausentar do território da prelazia de modo a participar naquele Concílio de Goa, e rogara também que lhe fosse abonada a respectiva passagem para si e para um sacerdote que deveria acompanhá-lo; solicitara ainda um subsídio de viagem para o tempo de permanência na Índia, alegando a exiguidade da sua côngrua, insuficiente para viver na Ilha de Moçambique e, naturalmente, mais ainda fora.[219]

A caminho da Índia, aproveitou a passagem pela costa africana a Norte da Ilha, para recordar Camões e os ideais dos navegadores portugueses de antanho, e para contactos com missionários, recolhendo informação, trocando experiências. Em Dar-es-Salam visitou os Beneditinos e as suas obras de caridade e de ensino; em Zanzibar efectuou uma visita à Congregação do Espírito Santo e observou o trabalho que esta ali vinha desenvolvendo no campo da assistência; deteve-se ainda em Mombaça, e a 11 de Dezembro estava em Bombaim. No dia 13, largou desta cidade, de comboio, e no dia seguinte estava em Mormugão. Um pequeno vapor levou-o dali ao cais de Pangim – capital feita à pressa, devido ao pânico provocado pela peste que assolara a Velha Goa em 1635.

Participou no Concílio Provincial de Goa, que já tinha começado a 3 de Dezembro e se prolongaria até 13 de Janeiro de 1895, mas não descurou a oportunidade para as evocativas peregrinações de português, visitando a Velha Goa – a maga de quinhentos que chegara a atrair e a manter duzentos mil reinóis – onde orou na Igreja do Bom Jesus, junto do túmulo de São Francisco Xavier. Constatando o abandono e as ruínas que sobraram do grandioso edifício político arquitectado por Afonso de Albuquerque, anotou no seu diário, com um misto de mágoa e ironia: «Apenas conegos e corujas residem em Velha Goa.»[220]

Quando o Concílio encerrou, a 13 de Janeiro de 1895, aproveitou para visitar ainda Calecute, Cochim, Madrasta e Meliapor, onde voltaria, dentro em pouco, para governar a Diocese. Decorrido precisamente um mês, em 13 de Fevereiro, estava de novo em Moçambique.

No regresso à Ilha, trazia ideias novas. A acção social que viu desenvolvida por algumas igrejas, em Dar-es-Salam, em Zanzibar e na Índia, sugeriu-lhe novos projectos. Um mês após a sua chegada, e aproveitando as festivas comemorações do centenário de Santo António, que então ocorria, sugeriu que a homenagem a prestar ao Taumaturgo ficasse assinalada com uma instituição de caridade. Propôs, assim, que se criasse em Moçambique um albergue ou leprosaria, para recolher «os innumeros chaguentos e pustulosos, que enxameavam as ruas».[221] O projecto foi bem acolhido, mas acabou entravado por uma série de questiúnculas de natureza pessoal entre os membros da comissão promotora e, depois, pelo regresso inesperado do prelado a Portugal. Entretanto, em 18 de Agosto daquele ano de 1895, D. António viu concluído o Instituto Leão XIII, para a educação gratuita de meninas indígenas pobres.[222]

 

VI – Viagem a Matibane e à Serra da Meza (Junho-1895). Quando chegou de Goa, o incansável Bispo Barroso, resolveu também visitar e estudar o território em frente da Ilha, habitado pela tribo dos Namarrais. «A auctoridade portugueza era por elles desconhecida […]. Europeu que se aventurasse a visital-os, se não era zagaiado, voltava de lá á certa, ‘alliviado’ até do vestuário.»[223] Corajoso e determinado, partiu, em fins de Junho, para aquela que seria a sua última viagem ao interior. Levou consigo um padre, um intérprete e alguns carregadores.

Falhara antes, como vimos, duas tentativas para atingir o Niassa, pelo território português. Porque considerava urgente criar uma Missão na margem oriental daquele lago, sonhava agora atingi-lo directamente a partir dali. Para tanto, era necessário abrir caminho num terreno onde não havia quaisquer indícios de soberania portuguesa, controlado por árabes e muçulmanos e, naturalmente, sem segurança.

«Durante oito dias por lá andou embrenhado, em visita á Matibane, á Serra da Meza e outros pontos.»[224] Durante uma semana andou metido na selva, tentando uma comunicação directa com o planalto interior. «Isto não pode continuar indefinidamente, é preciso tentar um esfôrço, abrir um caminho que nos ponha em comunicação directa com o planalto interior, com o Chirua e com o Niassa», escreveu.[225] Foi até ao temível Monte da Meza, onde tomou conhecimento de que ainda ali persistiam práticas esclavagistas. Árabes e régulos muçulmanos actuavam como negreiros, fazendo transportar os escravos pelo norte, sobretudo por Zanzibar.

«Devemos ir directamente da Ilha de Moçambique ao Niassa, do qual apenas nos separa a bagatela de 600 quilómetros de óptimo caminho, se avaliarmos pela parte que conheço. E podemos lá chegar e lá ficar, sem expedições militares, que custam muito dinheiro, sem resultados correspondentes.»[226] D. António, quando assim escrevia, estava impaciente e deixava a sua alma intrépida de explorador divagar um pouco, pois que a parte do caminho que conhecia não seria propriamente óptima e seria bem curta. No relatório onde assim escreve, e que dirigiu ao Ministro em 2 de Maio de 1894, sobre o Padroado de Portugal em África, também afiançou, determinado: «Se V. Exa. me der pessoal ou meios para o conseguir, com a minha pouca experiência do interior africano, vou de boa vontade, e com a satisfação de cumprir um dever, fundar essas missões, abrir êsse caminho.»[227] Era um homem fantástico, corajoso, sem medo!

Regressou desta curta viagem ao pé da porta acometido de paludismo e a inspirar cuidados. O seu amigo e biógrafo Padre Sebastião Braz, refere que regressou também carregado de fome, porque as gentes da tão temida tribo macua dos Namarrais, «rapinaram aos carregadores as provisões de bocca para a excursão, obrigando assim o intemerato Prelado a regressar mais cedo á cidade, cheio de fome e tambem de impaludismo».[228]

Duramente afectado pelo paludismo, aceitou o conselho dos que entendiam dever vir à Europa para se tratar. Sentia que lhe faltavam as forças para os grandes projectos que na altura tinha em mente, como o Seminário a criar em Portugal, para apoio à Província, as Missões no vale do Zambeze e a Missão de Gaza, logo que a guerra terminasse.

Razões graves de saúde, forçaram-no assim a deixar abruptamente Moçambique. Por imposição médica, embarcou para Portugal, onde chegou na manhã de 23 de Setembro de 1895.

Ao contrário do que planeava, outro capítulo da sua vida estava prestes a fechar-se. Na curta passagem por Moçambique, foi relâmpago e trovão: destruiu estruturas caducas e apontou caminhos novos.

 

4 – De novo em Portugal

Ao chegar a Portugal, pediu uma audiência à Rainha, que muito o ajudara em algumas das suas iniciativas, e que o recebeu, um pouco à margem do protocolo. Aproveitou para Lhe gradecer o benévolo acolhimento que dera a tantos dos seus pedidos. Entretanto, deu início ao tratamento médico, que se prolongaria por dois anos, e aproveitou para dar um pulo ao Norte, para uma visita à família No dia 21 de Outubro estava em Barcelos.[229]

Apesar da doença, durante o período de repouso em Portugal manteve abundante correspondência quer com Moçambique, quer com o Ministério do Ultramar. Deixara como governador da prelazia, em regime de substituição, primeiro o Padre Afonso Pereira, oriundo, como ele, do Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim, e um dos seus melhores colaboradores, e, depois, o Cónego Gustavo Couto. Num contacto epistolar permanente com eles, continuou a dirigir e a dinamizar. Pastor atento, continuou a enveredar esforços para a entrada de novos missionários em Moçambique e cuidou de melhorar o orçamento da Província de forma a assegurar uma maior comparticipação nas obras da Igreja.

Com base na experiência que adquirira ao longo dos últimos três anos e meio, continuou a programar uma série de projectos, de transformações e de inovações que constam da numerosa correspondência que enviou ao Ministério do Ultramar. Alguns destes projectos eram já referidos no relatório que enviara de Moçambique.

Dentre as preocupações que então o moviam na capital, destacam-se: a reforma do Colégio de Cernache, que entendia dever deixar de estar subordinado à Secretaria da Marinha e do Ultramar; a rede de Missões a estabelecer em Moçambique, que considerava importantes para neutralizar a influência maometana no Norte, e a protestante no Sul; a questão da educação e instrução sobretudo femininas, começadas a resolver com os Institutos D. Amélia e Leão XIII; e, ainda, o problema da reeducação religiosa dos colonos, por entender que a descristianização dos brancos dificultava a acção dos missionários.

À reforma do Colégio de Cernache, associava um sonho: o de uma Congregação portuguesa, no género da dos «Padres Brancos». Pensou, para o efeito, no Convento de Sta. Clara, de Vila do Conde. Lutava também pela criação de um seminário para a adaptação e a integração dos missionários, ao chegarem a Moçambique. Aguardou audiências, bateu à porta de individualidades e de casas que poderiam entender os seus projectos e, de diversas formas, apoiá-lo.

No início do ano seguinte, deslocou-se a Roma, para uma audiência com Leão XIII. O Commercio de Barcelos, de 8 de Março de 1896, informa que D. António acabava de chegar de Roma, e transcreve um texto assinado pelo correspondente de O Commercio do Porto naquela cidade italiana, onde se refere que o Soberano Pontifice recebeu em audiência particular D. António «que é considerado como um dos membros mais intelligentes e incansaveis do episcopado portuguez. Leão XIII teve uma longa conferencia com o prelado lusitano, versando a conferencia sobre assumptos religiosos referentes á colonia portuguesa de Moçambique. Sabemos que s.exa sahiu da conferencia com o Santo Padre summamente satisfeito».

O Bispo de Himéria tentava, por diversas formas, dar andamento às várias questões que deixara pendentes na prelazia a seu cargo. Acabaria contudo por não dispor de tempo nem de meios para implantar muitas das suas ideias e projectos. Sucedeu-lhe entretanto, e por razões que adiante veremos, D. Sebastião José Pereira, seu colega de Cernache do Bonjardim, e que fora também seu colega no Congo, no início da carreira missionária. D. Sebastião permaneceria à frente da prelazia pouco mais de dois anos, de 1898 a 1901, pois foi transferido para a diocese de Damão, na Índia. Seguiu-se-lhe D. António José Gomes Cardoso que foi nomeado em 1900 mas nem chegou a tomar posse, por haver sido, entretanto, nomeado Bispo de Angola e Congo. A este, sucedeu D. António Moutinho, que também teve um governo breve, ficando à frente da prelazia pouco mais de dois anos, por haver sido transferido para São Tomé. Em 1904, já com Freire de Andrade no governo da Província, foi finalmente encontrada uma solução de continuidade, com a nomeação de D. Francisco Ferreira da Silva, bacharel pela Universidade de Coimbra. Este prelado pôde permanecer em Moçambique, de 1904 a 1914. Apoiante das ideias de D. António Barroso para a prelazia, implementou muitos dos seus projectos, desenvolvendo uma acção missionária notável. No extenso relatório de 450 páginas que elaborou, em 1911, sobre a actividade que vinha desenvolvendo na Província, escreveu, referindo-se a D. António, que este «deixou um traço de luz que tarde se apagará».[230]

Em 1909, o orçamento de Moçambique dispunha já de apreciável saldo (superior ao de Angola, graças às Companhias majestáticas) o que permitiu que algumas paróquias sem paroquianos cedessem lugar a Missões entre populações autóctones, como Barroso preconizava. As Missões de Magude, Angoche, Manhiça, Munhuana, Catembe, Molvice, Moginqual, Chonguene, Muchopes, resultaram desta nova e inteligente orientação.

Mesmo afastado de Moçambique, D. António dedicou sempre uma particular atenção àquela colónia, como observa, com conhecimento de causa, o Padre Sebastião Braz, seu companheiro de muitas lutas e amigo das horas menos boas: «uma viva saudade de Moçambique o acompanhou sempre pela vida fóra, mantendo, até á ultima, relações epistolares com alguns missionários d’aquela Prelazia, e desejando andar sempre ao corrente do que alli se passava no tocante a movimento religioso».[231]

 

Candidato ao Parlamento. Alguns equívocos. D. António, em sintonia com as sábias orientações da Igreja que servia, colaborou sempre com os poderes públicos da sua pátria, na medida em que os considerava consentâneos com a sua missão evangelizadora. Mas, mais do que um colaborador, D. António era um líder. Um líder carismático. Nas diversas intervenções públicas que teve em Portugal, quer no regresso do Congo, quer agora que deixara Moçambique, incarnou o melhor da consciência missionária portuguesa. Missionário e homem de cultura, fundador e organizador de Missões, manifestava uma grande preocupação de acordar Portugal para a sua identidade histórica e para o que considerava ser a missão portuguesa no mundo. Quis ser um trovão na noite.

O liberalismo e o laicismo vinham invadindo uma boa parte das elites e muitos dos intelectuais portugueses apresentavam-se como anti-católicos e anti-monárquicos, identificando a Igreja com a Monarquia. Era grave a crise, que se arrastava desde o ultimato, no início da década. Crescia no país um sentimento generalizado contra a Monarquia e contra o próprio Rei, acusados de não haverem prestado atenção aos territórios ultramarinos e fora assim que, já em 31 de Janeiro de 1891, eclodira no Porto a primeira revolta republicana. Aos ataques ao Rei andavam sempre associados ataques à Igreja. A Maçonaria, em fase de ascensão, tinha por ideal o ódio ao trono e ao altar.

Tentava-se, por toda a Europa, criar uma nova ordem social e uma nova visão do mundo, atirando a religião para o foro privado de cada um. O agnosticismo alastrava, reivindicando as liberdades de consciência, de pensamento, de imprensa e de culto. A secularização avançava em todas as direcções e a descristianização ganhava terreno. Atentos ao fenómeno, os Papas, particularmente Leão XIII, eleito em 1878, condenavam as novas teorias do liberalismo imbuídas de amoralismo e agnosticismo. Atento à situação que se vivia na Europa e particularmente ao que se passava em Portugal, D. António sofria. Face à confusão, perante a tentativa de inversão de valores, o espírito patriótico do bispo Barroso animava-o a assumir posição. Lutando contra tal deriva, tentou contribuir para restaurar «a pureza da identidade nacional».

Pela projecção que adquirira no desempenho da sua actividade como missionário e como bispo em África, D. António era um símbolo muito forte na luta dos Católicos contra esta nova visão da vida e da sociedade sem preocupações religiosas e missionárias. A força simbólica da sua pessoa acabou por chamar a atenção de alguns políticos católicos, e, a convite destes, veio a assumir um projecto de claros contornos políticos.

Prova da enorme popularidade que D. António tinha junto de certas camadas da sociedade portuguesa, é, por exemplo, a forma apoteótica como foi recebido pela Academia da Universidade de Coimbra, em 24 de Novembro de 1895, dois meses após a sua chegada de Moçambique.

Encontrando-se na cidade do Mondego, de visita ao seu antigo professor e querido amigo, Prof. Doutor Francisco Martins, lente de Teologia, recebeu ali, com júbilo, a notícia de que as tropas portuguesas acabavam de sair vitoriosas da campanha que moviam no Sul de Moçambique. Uma comissão de estudantes decidiu então promover um solene Te Deum na capela da Universidade, e convidou o ilustre visitante para proferir uma oração congratulatória. A patriótica e empolgante comunicação, a que assistiram lentes, autoridades e estudantes, teve um êxito estrondoso. Saiu aos ombros dos estudantes, que tapetaram o grande pátio com as suas capas. O Commercio de Barcelos, de 1 de Dezembro de 1895, escreve que «os estudantes subiram aos varões da porta ferrea e ali com as capas formaram como que um docel quando s. exa. rev.ma passou, atapetando-lhe tambem o chão com as capas; essa ovante manifestação acompanhou-o até á casa de sr. dr. Martins, onde s.exa.rev.ma se achava hospedado. Ahi o venerando prelado agradeceu commovidissimo á commissão a affectuosissima e brilhante manifestação enthusiastica de que tinha sido alvo. Apparecendo á janella soltou um viva á Academia e outro ao reitor da Universidade. Á noite os estudantes acompanharam o venerando prelado á estação do caminho de ferro, sendo-lhe entregue n’essa ocasião uma mensagem da Academia, escripta em pergaminho com illustrações do dr. Joaquim Martins e Vieira, professor de desenho na Universidade. A manifestação foi então triumphal, indiscriptivel.»

Patriota, D. António vivia inconformado com muito do que via e ouvia no seu país. Preocupava-o sobretudo a letargia missionária em que se caíra. Talvez por isso, aceitou a ideia de que poderia ajudar a despertar a consciência nacional, se tivesse um lugar no Parlamento.

É certo que se fosse deputado, poderia encontrar com mais facilidade solução para algumas das questões que o apoquentavam e o faziam mover-se na capital. Continuava preocupado com assuntos de que já se fez menção, como a reforma do Colégio de Cernache do Bonjardim que, em seu entender, não devia estar subordinado ao Ministério da Marinha e do Ultramar; preocupado com a criação de uma rede de Missões em áreas que considerava importantes para neutralizar a influência maometana no Norte e a protestante no Sul da colónia donde chegara; muito preocupado com a educação e instrução da juventude, sobretudo feminina, problema que considerava prioritário e que tentara minorar com a criação dos Institutos D. Amélia e Leão XIII.

Conhecia os meandros da burocracia e do poder, e, quando deparava com problemas complexos, dispunha-se a resolvê-los na fonte. Era um homem com expediente e sem medo. Foi assim que, em Moçambique, por duas vezes planeou ir a Roma falar com o Papa Leão XIII e para tanto obteve a necessária licença e subsídio governamentais, e só a urgência de afazeres na prelazia o impediram de partir quando desejava. Foi assim também que, ao chegar a Portugal, em 23 de Setembro de 1895, pediu uma audiência à Rainha, que o recebeu.

Entretanto, alguns políticos, numa hora de mudança da governação, solicitaram o seu apoio. Em 15 de Fevereiro de 1897, no termo de quatro anos de governo Regenerador, o partido Progressista retomou o poder (que manteria até 25 de Junho de 1900). Foram marcadas novas eleições para 2 de Maio seguinte. Convidado a colaborar com a nova equipa governativa, presidida por José Luciano de Castro, D. António acabou por aceitar. Assumiu ser candidato a deputado do partido Progressista, pelo círculo eleitoral de Barcelos. Tratava-se de um governo apoiado e integrado por alguns dos seus bons amigos católicos. Um suplemento ao n.º 364 de O Commercio de Barcelos (Semanario Politico, Litterario e Noticioso), do dia 12 de Fevereiro, apresentava na primeira página uma notícia bombástica, embrulhada em gongorismo empolado e fora de época, ao gosto provinciano de então: «O glorioso patrício, benemérito prelado de Moçambique, o grande civilizador e prestigiosissimo Apóstolo de África, é o candidato appoiado pelo governo e por todos os homens dignos que sabem presar o seu nome, na alta comprehensão do elevado civismo e virtudes fulgurantes que resplendem, n’uma aureola de triumphos, na vida immaculada, do proeminente portuguez e extreme catholico, legitimo orgulho da Religião e da Patria». A lista de proponentes da candidatura era encabeçada pelo Arcipreste e incluía o Prior de Barcelos, 5 abades, 3 reitores eclesiásticos, 18 padres, 2 médicos, 2 advogados, o gerente do banco da vila, o consevador da comarca, 4 farmacêuticos, 2 ourives e diversos outros negociantes e proprietários. O n.º 365 do mesmo semanário, com ligações claras ao partido Progressista, de 28 de Fevereiro de 1897, contém a resposta que deu ao convite que lhe foi endereçado. Agradeceu aos signatários da sua candidatura a mensagem que lhe dirigiram, como intérpretes do sentir do povo do concelho de Barcelos, para os representar na Câmara dos deputados. Disse estar bem longe do seu espírito uma tão alta distinção, que todavia agradeceu reconhecido. Tendo em conta a gentileza do convite e atendendo também ao seu estado de saúde que, ao contrário do que muito desejava, lhe «não permitte ainda por alguns mezes voltar a Moçambique», acaba por aceitar, nestes termos: «no intuito de prestar alguns, ainda que modestos, serviços á Religião de que sou ministro e á Patria que amo muito, venho declarar a V. Exa. Rev.ma e aos signatarios da mensagem citada que acceito a candidatura nos termos da referida mensagem e que empregarei as poucas forças de que posso dispôr, propugnando pelos dois grandes ideaes, que dominam o meu espirito: – a Religião e a Patria».

A candidatura caiu «como uma bomba explosiva nos arraaes regeneradores». O partido Regenerador e o seu candidato, sr. José Novaes[232], «assanharam-se» e, com a imprensa pelo meio, o clero dividiu-se. A Palavra de 7 de Março inclui já um artigo do Padre Oliveira e Sousa sobre «As eleições e o clero», e também a Folha se refere às cisões em curso, enquanto os apoiantes da candidatura do Prelado bramavam: «O clerigo que votar contra o benemerito apostolo da civilisação africana, não tem Jordão que lhe lave a cara!».

No dia 18 daquele mês de Março, realizou-se no palacete do Senhor Rodrigo Azevedo uma reunião do clero de Barcelos, a que estiveram presentes representantes dos centros católicos de Braga e de Guimarães e que contou com a presença de D. António Barroso. Ao intervir, referiu que quatro semanas antes havia recebido uma mensagem, «com larga assignatura de cavalheiros de differentes côres politicas». Que «examinou a mensagem e não viu que n’ella se fallasse de politica. Submetteu-se a uma escrupulosa ponderação sobre a resposta que devia dar-lhe, consultou alguns amigos sobre o passo que devia avançar e, por fim, decidiu-se a acceder ao honroso convite que os seus patricios lhe faziam».

Prosseguindo a reportagem de O Commercio de Barcelos, D. António afirmou candidatar-se não como político que disse não ser, mas como católico. Disse-se preocupado com a imprensa: «A imprensa do paiz quis fazel-o politico, o que o levou a pedir ao Correio Nacional e a outros jornaes catholicos, para declararem peremptoriamente o cunho do catholicismo inconfundivel e inalienavel que imprime á sua candidatura». Voltou a insistir que não estava enfeudado a nenhum partido, que não aceitava defender quaisquer interesses partidários, mas apenas os da Religião e da Pátria. Disse-se disponível para ir ao Parlamento para lutar em nome dos Católicos, contra o Protestantismo que «vem inquinando a sociedade portugueza». Acrescentou que Portugal «tem o seu futuro ligado á sua vida ultramarina», e que «se fôr ao parlamento propugnará pelas missões». Enquanto a doença lhe não permitir voltar à sua Prelazia, deseja prestar-lhe daqui um apoio diferente no Parlamento. É a sua consciência que o aconselha a dar o passo. Quer empregar o tempo que ainda tenha de manter-se em Portugal prosseguindo a luta pelas causas em que tem empenhado toda a sua vida. Logo que a saúde lho consinta, irá retomar o seu posto «que não cede a ninguem, de que muito se gloria e ufana»! A reunião terminou às 2 horas da manhã, com o bispo a reafirmar que não quer ter qualquer interferência na vida política do seu país e que só tenciona dedicar-se à «sagrada defeza da Religião e da Patria».

A imprensa regeneradora da capital acusou o prelado de andar a semear a discórdia entre os seus patrícios e afirmou de diversas formas que não ficava bem a um «principe da egreja envolver-se nas luctas politicas». A imprensa católica, num subterfúgio, insistia que, ao contrário do seu rival José Novais, o bispo não fora convidado por um partido político, mas que «participou ao digno arcipreste d’este julgado, e não ao chefe de qualquer partido politico, que acceitava a candidatura por este circulo que lhe fora offerecido por cidadãos barcellenses».

O Correio Nacional, de Lisboa, de 8 de Março de 1897, assumia a defesa do bispo, repetindo as ideias-força da sua candidatura: goza da consideração e da amizade dos homens mais bem posicionados nos dois partidos; tem, como sempre teve, as melhores relações com uns e com outros, e, nem com uns nem com outros tem qualquer compromisso, porque não é político, mas bispo; aceitou a candidatura que lhe foi oferecida pelos seus conterrâneos e o governo actual parece ter recebido bem o seu respeitabilíssimo nome.

A oposição não via as coisas com tanta clareza. A imprensa regeneradora criou uma atmosfera de suspeição sobre os motivos que terão levado o prelado a aceitar a candidatura. Alegavam uns que o Bispo de Himéria era um «empregado ultramarino e portanto inelegível». Defendiam outros que «acceitou a candidatura por Barcellos, para ficar no reino a gosar n’um remanso octaviano os seus ordenados».

Mais grave e mais doloroso para D. António, terá sido o extremar de posições entre o clero, à medida que a data das eleições se aproximava. No dia 4 de Abril, um protesto assinado por 22 padres, destacava-se na primeira página de O Commercio de Barcellos: «Os abaixo assignados, ecclesiasticos no concelho de Barcellos, veem protestar contra a affirmativa de que o clero d’este é hostil á candidatura […] e mais protestam contra todos os seus collegas, que, obstinadamente, hostilisarem tão util como necessaria candidatura».

No dia 25, a primeira página do semanário lança um apelo à urna pelo Bispo de Himéria, juntando um documento assinado por 22 padres, a que depois se associam mais dois, e datado do «districto ecclesiastico de Tarouca, bispado de Lamego, aos 6 de Abril de 1897». Escrevem: «De toda a parte teem chovido os protestos contra os Padres de Barcellos que se aviltaram até ao ponto de guerrearem a candidatura […] Traidores! O illustre Bispo de Himeria triumphará, que a sua causa é a causa de Deus […] Similhantes a Judas, trahis assim os interesses da Egreja. Trabalhae, covardes! […] Trabalhae, velhacos! fazendo-vos a escoria da vossa classe». A imprensa regeneradora confronta o procedimento do bispo de Angra, que terá rejeitado candidatura idêntica, com o procedimento de D. António que aceitara candidatar-se, encapotando-se como independente. Tal é a posição do jornal Novidades, na sua edição de 27 de Abril, a poucos dias das eleições. O alarido foi tanto que Barros Gomes, nas vésperas do acto eleitoral veio a público fazer a apologia das virtudes patrióticas do prelado.

Seguiu-se a ida às urnas e a derrota, no dia 2 de Maio. Na edição do dia 9, o semanário de Barcelos, à boa maneira da imprensa da época, titulava na primeira página: «Glória aos vencidos, vergonha aos vencedores»! Seguia-se uma série de acusações de fraude, nas nove assembleias do círculo eleitoral de Barcelos: «Aqui, na assemblêa da villa, a pilhagem chegou a ser desaforo colossal e inconcebivel».

No meio do alarido desta campanha envinagrada, à século xix, D. António nunca se pronunciou, e recusou tomar qualquer atitude pública no final da contenda.

Em 11 de Julho voltou a público, mas para fazer o elogio fúnebre do Bispo de Cochim, D. João Gomes Ferreira, seu contemporâneo em Cernache, entretanto falecido. As exéquias decorreram na igreja de Santa Marta, em Lisboa, e, segundo o repórter de O Século: «subindo ao púlpito, fez o elogio fúnebre do falecido, em frase levantada e erudita, um verdadeiro primor de retórica».[233]

O semanário barcelense que vimos citando, e que, havia meses, vinha dando a primeira página à candidatura de D. António, só a 8 de Agosto voltou a referir-se a esta venerável figura, informando, numa pequena notícia de página interior: «Foi collocado na diocese de Meliapor, para onde partirá brevemente, o nosso benemerito patricio, o inclito e proeminente missionario, sem duvida, a mais radiosa e fulgentissima gloria do episcopado portuguez, sr. D. António Barroso».

Serenados os ânimos, D. António voltou a Barcelos em 17 de Outubro, e o mesmo semanário, depois de informar que passara uns dias na sua casa de Remelhe e que seguira depois para Lisboa, afirma também que ele tenciona partir brevemente dali para a sua nova Diocese de Meliapor, «cujo despacho acceitou em attenção aos reiterados pedidos do actual ministerio, e ainda e, sobretudo, em obediencia ás repetidas instancias que directamente recebera do Vaticano, por Mr. Rampolla e pelo Nuncio Apostolico, Mr. Vico». Acrescenta ainda o referido jornal que, se não fora isso, o ilustre Prelado não deixaria de prosseguir a sua obra em Moçambique. Não o seduziram interesses, «que d’estes se mostrou desprendido, renunciando á diocese de Cochim».

Nomeado Bispo de São Tomé de Meliapor, em 2 de Agosto (na sequência do desaire eleitoral de 2 de Maio, pois que, doutra forma, ter-se-ia mantido no Parlamento, ligado à prelazia de Moçambique, como claramente afirmou em Barcelos), D. António manteve-se em Lisboa, em tratamento. Em 23 de Janeiro do ano seguinte, 1898, o deputado do partido Progressista, Sr. Oliveira Mattos, teve de intervir no parlamento para reafirmar que o Bispo de Meliapor não tinha qualquer partido político e que não fora nomeado bispo «por progressistas ou regeneradores, mas sim pelo ministerio incolor do sr. António Ennes». Respondia assim ao deputado Ferreira de Almeida, que havia afirmado que aquele prelado «estava doente pelo cansaço das campanhas eleitoraes de Barcellos». Tratava-se de ironia de político, até porque aquele deputado estava hospedado no mesmo hotel de D. António, e conhecia a real situação sobre o estado de saúde deste.[234]

Para sanar feridas, logo a seguir, a 13 de Fevereiro, efectuou na Sociedade de Geografia de Lisboa uma conferência sobre «As descobertas dos portuguezes e a expansão christã na Asia e na Africa». Esta conferência, de que não temos registo, foi aplaudida por todos os jornais, incluindo os republicanos, assim ajudando a esbater a memória do desaire político.

No ano seguinte, depois de uma breve, mas muito difícil e proveitosa passagem por Meliapor, D. António foi nomeado bispo do Porto. O partido Progressista, derrotada em Barcelos, ainda que vitorioso a nível nacional, celebrou esta nomeação: «Resta-nos, comtudo, o inexprimivel prazer de vermos que foi um governo do nosso querido partido quem prestou tão justa homenagem ao venerando Apostolo da civilisação, quem houve, n’um rasgo da mais edificante justiça, a satisfação do nosso mais ardente desejo. Honra pois ao nobre ministro da justiça», escreveu, em editorial, o semanário barcelense.

Claramente, nunca foi intenção do Bispo de Himéria concorrer a um lugar que lhe assegurasse uma intervenção de natureza político-partidária. A sua luta era outra, e um dos grandes objectivos da sua vida foi sempre construir a unidade. Parece porém que se deixou enredar em querelas desnecessárias, o que muito o terá desgostado, ao ponto de todos os seus biógrafos, por amizade, haverem retirado esta página das memórias que nos legaram da sua vida.

É difícil entender, à distância, como D. António aceitou entrar neste campo minado, que não era o seu. Afirmou candidatar-se como católico e não como político que dizia não ser e não era, de facto, mas é certo que aceitou ser candidato por um partido político. Queria uma candidatura abrangente, mas, entretanto, deu a face a um dos grupos interessados na luta partidária. D. António andara muitos anos por fora e, devido à distância e às dificuldades de comunicação, não se terá apercebido dos meandros da política à portuguesa. Meandros particularmente complexos naquela última década do século xix.

Tudo não passou de um longo equívoco, e não teve repercussão significativa na imagem de D. António, como se depreende do testemunho que dele deu, em 6 de Julho de 1897, três meses depois de encerradas as urnas, o atento Núncio Apostólico em Lisboa, Mons. André Aiuti, em carta para o Secretário de Estado, em Roma: «é amado e estimado geralmente nas Missões e, aqui em Portugal; goza de fama de bispo digníssimo, de grande orador e de missionário zeloso e incansável».[235] Deste comentário se poderá inferir também que a Nunciatura, oportunamente consultada, terá acompanhado por dentro a candidatura de D. António ao Parlamento.

 

5 – Em Meliapor (Fev. 1898 – 15-7-1899)

Concluído este aparte sobre a passagem de D. António Barroso pela política, retomemos o alinhamento. Deixámo-lo em Lisboa, preocupado com assuntos diversos relativos a Moçambique, donde regressara doente. Foi nesse período de tratamento e de espera que se deu o episódio fortuito da candidatura ao Parlamento. Estávamos em 1897 e D. António preparava-se para regressar a Moçambique, onde deveria encontrar Mouzinho a governar.

Entretanto vagou a diocese de São José de Meliapor, e novo desafio se lhe colocou. Naquela diocese da Índia – uma diocese enorme, mais extensa que a Península Ibérica – onde já se tinha deslocado para participar no Concílio Provincial de Goa, haviam ocorrido incidentes de alguma gravidade que preocupavam o Estado português e a Nunciatura da Santa Sé em Lisboa. Havia profundos desentendimentos entre o Padroado Português do Oriente e a Congregação da Propaganda Fide, com clero e bispos de costas voltadas. Tais desentendimentos, que já se arrastavam há cinquenta anos, tinham-se exacerbado nos últimos tempos, devido a um escândalo que envolvia o bispo da Diocese e a mulher do Rajah.

 

Moderador de conflitos: o «caso Nagory». O bispo de Meliapor era D. Henrique Reed da Silva, ex-colega de D. António no Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim.

Personagem balzaquiana, viria a ser, mais tarde e por muitos anos, em Lisboa, uma interessante figura da sociedade, conhecido nas ruas da cidade, onde nascera e por onde gostava de andar a pé. Era referenciado pela sua elevada estatura, pelo seu porte fidalgo sem ostentação, pela barba dum louro germânico, e pela modesta sobrecasaca que vestia, ao que parece bem modesta nos últimos tempos da sua vida.[236]

Gozou sempre de especial protecção, segundo se dizia, devido a fortes relações familiares que teria com algum nobre da corte. E assim, quando o Papa Leão XIII concedeu à rainha de Portugal a Rosa de Ouro, pareceu natural que fosse D. Henrique Reed da Silva o portador das respectivas insígnias para Portugal.

Partiu para Luanda, em 5 de Agosto de 1880, ficando na cidade, como Vigário Geral, e, depois, como governador do Bispado. Logo em 1884, foi nomeado prelado de Moçambique, mas nunca lá se deslocou para tomar assento. Em 1987, tomou posse da diocese de Meliapor, depois de, entretanto, ter passado por Goa, como coadjutor do arcebispo.

Durante os cerca de nove anos de episcopado, em Meliapor, revelou-se, contudo, um homem dinâmico e atento, preocupado em prestar apoio social aos mais desfavorecidos da sociedade indiana. Criou orfanatos para ambos os sexos, asilos para idosos, e um pequeno laboratório farmacêutico, que fornecia gratuitamente medicamentos aos pobres. Foi também ele o fundador de dois jornais, do seminário diocesano, dum liceu com internato para meninas, de institutos onde, sob a direcção dos missionários de Cernache, se ministravam as disciplinas preparatórias para o liceu, e ainda de um liceu que preparava alunos para a universidade.

Para além destas obras de vulto, e para mal dos seus pecados, mandou edificar uma catedral, por demolição da anterior, em 1892. Uma catedral neo-gótica, caríssima (200 000 rupias), para a qual não dispunha de dinheiro. Coberto de dívidas, acabou por se deixar arrastar para um negócio pouco transparente, dando origem a uma situação grave, que o obrigou a retirar-se logo após a sagração, realizada em 10 de Maio de 1896, por D. António Sebastião Valente, primeiro Patriarca das Índias. É que, para concluir a obra da sua vida, recorrera a um Rajah de Bengala, que lhe emprestara dinheiro por troca com terras da diocese, em regime de enfiteuse, uma espécie de arrendamento ad aeternum.

Em troca do arrendamento perpétuo de bens diocesanos, o Rajah entrou com uma renda anual, além de um bónus de ocasião que deu para concluir a obra. Os terrenos da diocese, que foram alienados, teriam cerca de setenta quilómetros quadrados, e valeriam muito mais, o que supunha um prejuízo avultado para o Padroado Português. Situavam-se em Nagory, povoação a quarenta e tal quilómetros de Madrasta e a questão que os envolveu ficou conhecida como «caso Nagory». A agravar a situação, o Delegado Apostólico nas Índias Orientais, afirmava existir à volta deste negócio uma amizade colorida entre D. Henrique e a mulher do Rajah.

Criada esta situação melindrosa, nem o governo português queria aceitar como boa a alienação dos terrenos, pelo prejuízo que tal negócio comportava para o Padroado, nem a Santa Sé queria que D. Henrique Reed da Silva se mantivesse mais tempo na diocese, pelo prejuízo decorrente dos escândalos que o envolviam.

Entretanto, haviam-se verificado alguns desmandos, por parte dos homens do Rajah, na cobrança das terras arrendadas aos cristãos. As comunidades começavam a reclamar da opressão do nababo.

Face à gravidade e à urgência do caso, o Núncio da Santa Sé em Lisboa, sabendo que D. António era amigo de D. Henrique, seu ex-condiscípulo no Colégio de Cernache do Bonjardim, e, simultaneamente, amigo do Conselheiro Henrique de Barros Gomes, Ministro da Marinha e Ultramar, resolveu solicitar-lhe que diligenciasse junto de D. Henrique no sentido de o convencer a renunciar à diocese.

Sabia que tinha posto o assunto em boas mãos. Em carta que dirigiu ao Secretário de Estado do Vaticano, em 6 de Julho de 1897, referiu-se a D. António como homem de «carácter doce e manso», capaz de levar a bom porto a delicada questão.

Entretanto, D. Henrique ziguezagueava, adiando uma solução definitiva. O Núncio Apostólico ia lidando com ele através de D. António, como se depreende da carta que este lhe dirigiu de Cernache do Bonjardim, em 26 de Maio de 1897, numa altura em que ali se encontrava para participar nas exéquias do bispo de Cochim, D. João Gomes Ferreira, a que D. Henrique esteve ausente: «Cheguei aqui hoje e apresso-me a comunicar a V.Exa. Revma. que na segunda-feira à noite fiz ciente o meu colega, Bispo de Meliapor, da comunicação de que no sábado passado me encarregou. Prometeu-me o interessado ir pensar no assunto com madureza, para dar, sem demora, uma resposta definitiva, como é mister. Parece-me que ele aceita a situação e que lança mão de um recurso que hoje resta – renunciar – mas que deseja, e isto parece-me razoável, que o Governo lhe garanta uma côngrua para sustentação. Se o meu colega para aqui tivesse vindo, eu poderia já informar V. Exa. Rev.ma com toda a exactidão; ficou, porém, ainda no Porto, em casa do Conde de Samodães; espero que em poucos dias apareça aqui ou em Lisboa, e que dará o passo definitivo neste assunto que tanto urge.»[237]

Em carta datada das Caldas do Gerês, em 19 do mês seguinte, D. António informava assim o Núncio: «Quando saí (de Lisboa), o meu colega de Meliapor tentava ainda falar ao Presidente do Conselho; é, porém, opinião minha que nada mais obtinha, e que o Chefe do Governo se não ia envolver neste negócio.»[238] E logo, em 6 de Julho: «Falei ontem largamente com o nosso comum amigo, Bispo de Meliapor. Deduzi que ele ainda quer pensar sobre o negócio, e que, sobretudo, deseja uma comissão onde possa trabalhar; coisa que me não parece fácil, pois a verdade é que as não há no País. Hoje tornamos a falar. Já falei hoje com o Exmo. Ministro da Marinha, que não está disposto a esperar muito mais. Logo hei-de comunicar ao Sr. Bispo o que me disse o Senhor Barros Gomes.»[239]

O assunto era urgente e sobre ele voltou a contactar o Núncio, uma semana depois, em 15, quando seguia para as Caldas da Felgueira: «Hoje de manhã falei com o Exmo. Ministro da Marinha; Sua Exa. não transige mais, e diz que, sejam quais forem as consequências, não dá mais. Já disse isto mesmo ao nosso comum amigo, Bispo de Meliapor. Este, no sábado procurou a V. Exa. Revma. para combinarem a última demão neste negócio; aceitando ele, por fim, a situação, como não pode deixar de aceitar.»[240] Cinco dias depois, e já da Felgueira, voltou a contactar o Núncio: «Quando cheguei à Felgueira fiquei bem dois dias; em seguida vieram as febres, que me não têm deixado. Espero que o nosso comum amigo terá no sábado procurado a V. Exa. Revma., como me prometeu. É de supor que, a estas horas, tudo estará combinado de um modo definitivo e a contento de todos. Reputo uma grande obra que tudo se regularize sem que este caso venha para o público, o que seria uma verdadeira desgraça, sobretudo para o Bispo de Meliapor. Se tudo se realizar como espero, pode V. Exa. ficar certo que não consultarei ninguém sem primeiro confirmar este ponto com V.Exa.»[241]

Estas últimas palavras permitem supor que entretanto teria havido conversações entre o Núncio e D. António, sobre o futuro provimento da Sé de Meliapor quando esta vagasse. Mas significa também que naquele momento desconhecia que aquela diocese, afinal, já lhe estava destinada.

A Secretaria de Estado do Vaticano, descontente com a lentidão do processo, pressionava para que D. Henrique renunciasse, abrindo caminho a uma solução para o «Caso Nagory». Quatro dias depois deste último contacto de D. António com o Núncio, o cardeal Rampolla, em 24 de Julho, enviou também ao seu representante em Lisboa, um telegrama lacónico: «Solicito definitiva renúncia Meliapor e nomeação novo Bispo». O Núncio respondeu a 26, informando que na sexta-feira seguinte teria em mão a carta de renúncia do Bispo de Meliapor, e pedindo autorização para aceitar a mesma, e, no dia 1 de Agosto, mais informava ter já aceite a renúncia do Bispo, entretanto autorizada pelo Secretário de Estado do Vaticano, e que, no dia 4, seria nomeado pelo Governo português o seu sucessor. Em 6, novo telegrama: «Foi assinado decreto que nomeia Mons. António José de Sousa Barroso Bispo de Meliapor».

Era o termo de um delicado serviço diplomático, prestado com dignidade e competência. Tendo-se revelado um discreto e fiel negociador, um hábil conciliador de interesses contraditórios, e tendo, entretanto, adquirido, com o lento desenvolvimento do processo, um conhecimento profundo do dossier em causa, pareceu, pois, natural que o Núncio e o Ministro unissem esforços para o convencer a ir a Meliapor resolver as questões lá deixadas em aberto com a saída abrupta de D. Henrique. Era necessária a intervenção dum bispo discreto mas firme e D. António afigurava-se ser a pessoa indicada para esta tarefa melindrosa. Com a partida para a Índia, encontrava-se também para ele uma saída airosa, depois do alarido que levantara a sua falhada experiência eleitoral em Barcelos.

Tudo acabava a contento das partes intervenientes: a Santa Sé, que solicitara a intervenção; o Governo português, que acabou por transigir mais do que se esperava na concessão de uma côngrua razoável ao «infractor»; o próprio D. Henrique, que acabou por se ver livre de um imbróglio que poderia ter acabado com uma censura canónica e que, afinal, acabou, pouco depois, com uma nomeação para Bispo de Trajanópolis, salvando a face. Afinal, a contento também do próprio D. António, porquanto lhe propunham uma saída honrosa, depois do desaire de 2 de Maio, ainda fresco.

D. António, que se ordenara a sonhar com a Índia de São Francisco Xavier, e que estudara concani, preparando-se para iniciar lá a sua carreira missionária, acabou, deste modo, nomeado para a Índia. Foi nomeado Bispo de São José de Meliapor, por decreto de 2 de Agosto de 1897, que veio a ser confirmado pela Santa Sé no Consistório de 15 de Setembro do mesmo ano. Em 2 de Novembro, tomou posse da administração espiritual e temporal da referida diocese, por procuração. No ofício em que comunicou ao ministro da Marinha e Ultramar a sua tomada de posse, informou ter recebido as Letras Apostólicas, em forma de Breves, com a data de 11 de Outubro, pelas quais o Papa Leão XIII se dignava confirmar a nomeação feita por D. Carlos. Embora só tenha podido partir no ano seguinte, começou de imediato a trabalhar para a nova diocese, em colaboração com o Núncio Apostólico, não descurando também as suas grandes preocupações com a prelazia de Moçambique, como se depreende de carta que de Remelhe dirigiu ao Núncio, em 25 de Setembro: «Gostei muito do modo por que se resolveu a dificuldade referente aos dois padres do Maduré, e creio, muito sinceramente, que em pouco tempo tudo se poderá ultimar em boa paz. Os meus trabalhos estão ainda pouco adiantados porque me tenho aqui visto cercado de trabalho de toda a ordem; os materiais parece estar em parte principal reunidos, e em pouco os terei coordenados. Apenas os tenha prontos, dar-me-ei pressa em regressar a Lisboa, pois tenho desejo certo de ver realizada a concordata africana, que se me afigura altamente vantajosa aos interesses da religião e do país.»[242]

Nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 1898, partiu para Roma, em trânsito para a Índia. Ao iniciar esta missão, D. António levava em mãos duas questões muito quentes: o «caso Nagory», que acabamos de expor, e os problemas decorrentes da dupla jurisdição em vigor na diocese de Meliapor, como veremos de seguida. Para se aconselhar e dar andamento a estes e a outros assuntos pendentes, demorou-se em Roma cerca de três meses e meio, até fins de Maio, chegando a Meliapor em 2 de Junho.

 

Construtor da unidade: a questão da dupla jurisdição. O Colégio das Missões Ultramarinas, onde D. António se formou, era, como vimos, herdeiro do velho seminário criado por D. João VI, em 1794, para preparar pessoal para as igrejas do Grão-Priorado do Crato. Transformado em Colégio das Missões, por Sá da Bandeira, em 12 de Agosto de 1856, passou a dedicar-se à preparação de missionários para as Dioceses e Missões do Padroado na Ásia, África e Oceania, como também escrevemos. A Coroa sentia-se pressionada a responder a obrigações que assumira em troca de privilégios que detinha naquelas terras do Padroado.

O Colégio de Cernache do Bonjardim era uma instituição nacional nas mãos da Igreja, sob a alçada do Governo. Como o Padroado, salvas as enormes diferenças. Uma ambiguidade que, mais tarde, em 1911, levaria ao encerramento do Colégio. É, por tudo isto, natural que o bispo agora nomeado para Meliapor, conhecesse, desde os anos da sua formação, as grandes questões associadas ao Padroado, que, aliás, eram assunto corrente e quente entre os homens cultos do seu tempo, políticos ou não. Muitas daquelas questões afectavam no dia-a-dia a acção de dezenas de ex-colegas seus colocados no Oriente, e de tudo isso tinha certamente conhecimento.

Os problemas resultavam, no essencial, da incapacidade de Portugal dar resposta às obrigações que assumira a troco de velhas prerrogativas: «O descuido de Portugal para com os territórios da sua jurisdição justificava a intromissão da Santa Sé, em ordem ao bem da evangelização que não se podia fixar em velhos privilégios, aos quais Portugal demonstrava, com factos, incapacidade para dar resposta.»[243]

As raízes destes problemas eram profundas, e tiveram início numa série de direitos que alguns Papas concederam a Goa, na sequência da rápida expansão do Cristianismo na Índia portuguesa.

Nos primeiros séculos da Igreja não existia este direito de padroado. Só mais tarde, no século V, é que se estabeleceu o costume de conceder padroados a eclesiásticos e a leigos, com o objectivo de os animar a fundar igrejas.[244]

O Padroado Português faz parte deste imenso role de benefícios eclesiásticos. A reacção da Santa Sé perante a expansão ultramarina dos portugueses, foi entusiástica e sincera, como se confirma com a bula Sane charissimus, de Martinho V, que, em 4 de Abril de 1418, convidou, por este meio, toda a cristandade a empenhar-se no apoio aos esforços de D. João I na guerra movida em África contra os «infiéis». Em sequência, Nicolau V, pela bula Romanus Pontifex, de 8 de Janeiro de 1455, concedeu os mais vastos poderes aos Reis de Portugal, incluindo a faculdade de erigir, fundar e dotar igrejas nas suas conquistas ultramarinas. É a chamada Magna Carta jurídica da criação do império ultramarino de Portugal.[245]

Calisto III, sucessor de Nicolau V, pela bula Inter coetera, de 13 de Março de 1456, confirmou e clarificou, a pedido de D. Afonso V e do Infante D. Henrique, todas as prerrogativas anteriormente alcançadas. O Vigário de Tomar – o mais alto dignitário da Ordem de Cristo – obteve, assim, através desta bula, o exclusivo da jurisdição espiritual sobre as terras conquistadas e a conquistar pelos Reis de Portugal a Sul do Cabo Bojador e do Cabo Não, na Guiné, e para Sul, até à Índia. A Ordem de Cristo ficou deste modo com toda a jurisdição ordinária e espiritual em todos os domínios ultramarinos dependentes da Coroa Portuguesa. Não obstante as expectativas geradas por esta concessão, naquele século xv, e mesmo nos seguintes, a Coroa não levou a efeito acções significativas (visitas canónicas, etc.) para afirmar e confirmar a jurisdição espiritual ultramarina. Conhecem-se apenas alguns dados relativos a visitas esporádicas nos primeiros anos do século xvi, e mesmo assim somente para o Arquipélago da Madeira.

O século xvi foi contudo diferente, não tanto em organização, mas em termos de esforço missionário. O êxito da acção missionária dos capelães que, em 1506, largaram de Belém, com Albuquerque, para a Índia, acabou por suscitar o zelo de diversas Ordens Religiosas, e foi assim que, em 1542, depois de muitos outros, lá chegou São Francisco Xavier. Além da Companhia de Jesus, partiram para a Índia, Dominicanos, Agostinhos, Capuchinhos, Carmelitas, dando origem a uma inesperada expansão do Cristianismo naquela zona, o que determinou que os Papas atribuíssem a Goa sucessivas concessões e privilégios.

Em 1533 foi fundada a diocese de Goa, por Clemente VII, e por Paulo III, que lhe sucedeu no ano seguinte. A nova diocese abrangia todos os territórios, desde o cabo de Boa Esperança até à Índia, e daqui à China. Foi elevada à dignidade de Igreja Metropolitana e Primaz das Índias.

Em 1557, as Missões orientais passaram a constituir uma Província eclesiástica. Foram criadas as dioceses de Malaca e de Cochim, ficando estas sufragâneas da arquidiocese de Goa. Ao Rei de Portugal foi concedido o padroado destas três sedes, e, deste modo, acabou por ser instituído o Padroado Português do Oriente[246], definido e regulado por diversas bulas.

Entretanto, a decadência do poder português, e a crescente pobreza de meios e recursos, fizeram que, logo em 1637, a Congregação da Propaganda Fide se instalasse no Oriente. Como escreve Pinheiro Chagas, a partir daí os desentendimentos entre a Corte portuguesa e Roma, cresceram e multiplicaram-se: «Desde muito que havia dissentimentos e conflitos entre a côrte portuguesa e a de Roma, acêrca do exercício do nosso direito de padroado nas igrejas do Oriente. À medida que ia declinando o nosso poderio e grandeza, assim também íamos deixando de prover às necessidades espirituais daquelas igrejas, obrigações inherentes ao direito do padroado. As alterações que se deram no reino quando se efectuou a mudança do regime político, agravaram ainda esta situação, deixando de ser confirmadas algumas nomeações de prelados que o govêrno de D. Maria fizera às dioceses do Oriente.»[247]

Face ao incumprimento, que se arrastava há mais de dois séculos, a Concordata de 21 de Fevereiro de 1857, ratificada pelo Governo português, em 6 de Fevereiro de 1860, restringiu, como atrás escrevemos, o antigo direito de Padroado Real no Oriente à Igreja metropolitana e primacial de Goa, a quatro outras Igrejas na Índia, incluindo a de Meliapor, e à Igreja de Macau na China.

A crise que provocou no governo esta Concordata, e de que Alexandre Herculano se fez eco, com um opúsculo que dirigiu a Sá da Bandeira, então Ministro da Marinha e Ultramar, levaram a que, depois de aturadas negociações, se assentasse numa nova Concordata, em 23 de Junho de 1886.[248] Entretanto, a Sé de Goa, primacial há muito no Oriente, foi elevada a patriarcal das Índias Orientais, assim se instituindo a hierarquia indiana.

A diocese de São José de Meliapor, criada em Janeiro de 1606, a partir da diocese de Cochim, por Paulo V, a instâncias de Filipe III, de Portugal, foi objecto da mencionada Concordata de 23 de Junho de 1886, entregando uma secção à Propaganda Fide, e mantendo outra no regime de Padroado. Esta situação sucedeu a longos anos de governo confiado a Vigários Gerais. «Desde o agostiniano portuense Joaquim de Meneses e Ataíde (1765 – 1832), eleito bispo em 1804 e confirmado em 1805, que regressa a Portugal em 1811, até à chegada de Henrique Reed da Silva (1886 – 1897), só a breve passagem (1826 – 1828) do bispo franciscano Estêvão de Jesus Maria significava real interesse do Padroado por estas terras de evangelização.»[249] Tal abandono foi motivo para a Concordata de 21 de Fevereiro de 1857, a que acima se fez menção, e que, como então referimos, suscitou dúvidas e novas questões.

Em consequência da decisão acordada em 1886, a diocese de Meliapor exercia jurisdição sobre várias igrejas e cristandades espalhadas pelo Sul da Índia e ao Norte de Bengala, e era, assim, formada por diversas porções de território e igrejas isentas (= dependentes do Padroado) no interior de dioceses dependentes da Propaganda Fide, como era o caso de Trichinopoliy, Madrasta, Calcutá e Dacá. E era exactamente nesta dupla jurisdição que estava o cerne das questões, a origem dos problemas. Foi assim, por exemplo, que, devido a uma situação de litígio jurisdicional com o Bispo de Trichinopoly, as igrejas de Maduré, isentas, dependentes do Padroado, ficaram impedidas de realizar em seus adros procissões e outros actos de culto. A questão da dupla jurisdição deu, neste caso, origem à chamada «questão dos compounds». Compounds eram os adros das igrejas que existiam na Índia, como existem em Portugal. As igrejas do Padroado, as chamadas igrejas isentas, não estavam directamente sob a jurisdição da Santa Sé, como vimos referindo, mas sob a jurisdição do Padroeiro – o Rei de Portugal. A coexistência das duas jurisdições dava ocasião a situações de duplicidade, por parte de alguns fiéis, e a tricas desnecessárias, discutindo-se a quem pertencia o adro de determinada igreja. Algumas das questões mais frequentes tinham a ver com as procissões. Havendo igrejas do Padroado e igrejas da Propaganda Fide que usavam o mesmo adro para as suas manifestações de culto, punha-se a questão de saber a qual das duas pertencia o espaço. Para poderem coexistir, costumavam as igrejas ter as suas procissões em dias certos, como aconselhava o bom senso, mas, se acontecia de um padre qualquer marcar um qualquer acto de culto em dia e hora já marcado por outro, os ânimos acirravam-se. O clero de cada uma das jurisdições apelava ao seu bispo, e estas questões insignificantes por vezes chegavam a Roma, sobretudo associados ao facto de Portugal não dispor de meios para dar a assistência religiosa que lhe competia, em territórios dependentes do Padroado. Estes problemas arrastavam-se havia mais de meio século, mas tinham-se agravado na última década.[250]

 

Em Roma, para auscultar. Quando partiu para a Índia, D. António que se orgulhava de ser patriota, mas que não era regalista, levava instruções do governo, presidido pelo católico José Luciano de Castro, para auscultar o Papa sobre estas questões. Assim, ao viajar para a Índia, foi por Roma onde, em coordenação com o Núncio, tinha um agenda de assuntos vários a tratar, uma série de contactos a estabelecer.

Partiu de Lisboa, nos primeiros dias de Fevereiro de 1898, e demorou-se em Roma, até fins de Maio. Naturalmente preocupado com os assuntos que levava em mãos, procurou conselho e apoios.

Encontrou-se, de novo, com o Papa Leão XIII, o Pontífice que, seis anos antes, abalara nações e governos com a Rerum Novarum. O encontro decorreu bem, tendo ambos trocado impressões sobre a melhor forma de resolver os problemas que haviam surgido na Índia, entre a jurisdição do Padroado Português e a jurisdição da Propaganda Fide.

O Papa ofereceu-lhe um cálice de prata dourada com lavores, gesto que muito o sensibilizou. Num dos seus habituais gestos de desprendimento, acabará por doá-lo à Sé Catedral de São Tomé de Meliapor.

Dos contactos que manteve em Roma, deu conhecimento detalhado ao Núncio Apostólico em Lisboa, com cujo apoio e amizade sempre contou. Em 18 de Março escreveu-lhe:

 

Apesar de ainda estar doente, mas, por fim, bastante melhor, já tenho podido fazer alguma coisa. Espero que nos primeiros dias do mês futuro poderei seguir para a Índia.

Fui recebido pelo Santo Padre, que me tratou com imenso carinho. Falou muito sobre a Índia, e tem a esperança de que tudo se há de encaminhar muito bem.

Já estive duas ou três vezes com o Ex.mo Cardeal Rampolla […]. Com o Ex.mo Prefeito da Propaganda também falei longamente, e encontrei-o animado das melhores disposições em favor dos nossos negócios.

Em toda a parte tenho sido optimamente recebido, graças aos bons ofícios e amizade de V. Exa. Rev. ma, o que novamente agradeço […] Depois do dia 24 vou a Turim para tratar o negócio dos Salesianos, o que está bem encaminhado […] Os negócios de Santo António estão muito atrasados; é certo, porém, que alguma coisa se vai fazendo. […] Se V. Exa. me quisesse tornar lembrado a Mons. Barbieri e Leoni muito me obsequiava.[251]

 

Entretanto, no meio dos seus muitos afazeres, o novo bispo de Meliapor não descurou a face do seu ex-colega D. Henrique Reed da Silva, que agora ia substituir: «Pedi para Mons. Reed da Silva, como ele desejava, um título episcopal, e já fui atendido: é Bispo de Trianopolis», informou ainda naquela carta ao Núncio. Amigo leal.

No mês seguinte, em 14 de Abril, voltou a informar o Núncio, numa longa missiva, falando de tudo, desde a doença que tinha nos olhos, até às teimosias do arcebispo de Madrasta. Nesta carta, revela uma agenda muito alargada de assuntos de que tinha sido incumbido para tratar em Roma, quer pelo próprio Núncio, quer por outras entidades:

 

Fui a Turim e ali fiz uma convenção com o D. Rua, Superior dos Salesianos, em nome do meu colega Bispo de Epifania, para que aqueles padres vão para Moçambique dirigir a Escola de Artes e Ofícios. Tudo ficou regulado e agora, daqui a pouco mais de um ano, devem partir os primeiros […].

No fim do mês corrente vou seguir para Brescia e daí para Bombaim, Goa e Madrasta; para isto mandei vir de Portugal os padres e seminaristas que vão para a Índia, para me juntar a eles em Brescia. Não estou de todo bom, mas em fim, a vista, que era o que mais me incomodava, já se pode considerar quase boa […].

Muito folgo ter notícias da Índia, por intermédio de V. Exa. e felizmente que são agradáveis. […] É certo que o Padre Nunes, depois da minha chegada, se não há-de demorar, e estou certo que ele mesmo há-de reconhecer que a nova ordem de coisas lhe não convém. Parece-me bem que, por esse lado, não haverá dificuldade alguma. O que estou a recear são as teimosias do Senhor Arcebispo de Madrasta; mas espero vencê-las com paciência.

Enquanto à Concordata, sei que foi apresentada a resposta do Governo, e examinada por uma comissão de Emm.os Cardeais, e que se trata de fazer ou de preparar uma resposta por parte da Santa Sé. Não sei o teor especial em que será dada, mas tudo faz crer que se chegue a um acordo, pois as disposições parece-me que são muito boas. […]

Em Santo António trata-se de fazer economias para desempenhar a casa, que tem uma dívida de 25 mil francos. […]

Apenas chegue à Índia, falarei com o Ex.mo Senhor Delegado Apostólico, pois que eu também desejo muito falar com ele.[252]

 

No encontro que manteve com o Padre Miguel Rua, a que faz alusão nesta carta, o Superior dos Salesianos ofereceu-lhe uma caixinha de rapé, que tinha sido de uso pessoal de São João Bosco.

Em 28 de Abril, presidiu a uma reunião, em Roma, para promover a fundação de um Colégio Eclesiástico Português. Estiveram presentes à reunião, além do próprio D. António Barroso, o Visconde de São João de Pesqueira, Mons. José de Oliveira Machado, Padres Gui Guzzatti e Ricardo Tabarelli e o cavaleiro António Brás. Ficou logo ali constituída uma comissão integrada por Mons. José de Oliveira Machado, Padre Ricardo Tabarelli e cavaleiro António Brás. Logo em 6 de Maio, foi assinada a Acta da Fundação do Colégio Português em Roma. Levou a assinatura de todos os que estiveram presentes na reunião de 28 de Abril, e foi autenticada por D. António Barroso que escreveu: «A presente acta foi assignada em minha presença. Roma 6 de Maio de 1898. + A. B. Bispo».

A primeira carta que dirigiu ao Núncio já datada de Meliapor, é de 16 de Junho. Relata as medidas de gestão que adoptou para Santo António, e os encontros que teve com o Secretário da Propaganda Fide, M. Cabani, sobre a Concordata em discussão, defendendo «que o Governo português não podia aceitar alguns dos pontos que eram propostos, que necessitavam de profundas modificações; esses pontos, se fossem aceites, eram a justificação completa de todos os que no País se têm oposto aos esforços do Governo a favor dos missionários não portugueses, como os do Espírito santo, que tão bons serviços têm feito nas nossas colónias».

Relata depois algumas peripécias da viagem e da doença que sempre o acompanhava: «Quando parti de Roma, tirei o meu bilhete para vir por Bombaim e ir dali a Goa, a fim de conferenciar com o Senhor Patriarca; tendo, porém, verificado em Bombaim que os missionários e seminaristas que me acompanhavam tinham bilhetes para Colombo, e não para Madrasta, resolvi acompanhá-los para que não acontecesse que ali tivessem de ficar sem amparo. Em Colombo fomos pedir uma hospedagem à Missão que nos recebeu muito bem. […] A estas horas, queria estar a caminho de Goa, mas infelizmente caí doente e aqui estarei até que o médico me dê licença de partir, o que espero será na semana que vem; por enquanto, estou a caldos e leite, sem que me seja permitido comer qualquer coisa.»[253]

 

Em São José de Meliapor, para unir e construir. D. António chegou a Meliapor a 2 de Junho de 1898. A sua chegada às terras da nova diocese de São José foi apoteótica. Um aglomerado enorme de cristãos aguardava-o, batendo palmas ininterruptamente e soltando gritos de alegria. Logo que puderam, invadiram o vapor, para lhe beijar o anel e «tocar-lhe com os olhos». Levaram-no às costas numa espécie de leito forrado de sedas que tinham preparado para o efeito e, entretanto, aspergiam todos os seus acompanhantes com água perfumada. O Padre Domingos Correia, que fora capelão do Colégio da Regeneração, de Braga, e era agora um dos missionários que o acompanhava a Meliapor, fez uma interessante e colorida descrição da chegada.[254]

Instalado no seu novo campo de missão, as primeiras preocupações foram encontrar colaboradores. Logo a 15 daquele mês de Junho, enviou ofício ao ministro da Marinha, a solicitar a nomeação de dois missionários: Padres Francisco Xavier da Silva e Ludovico da Caridade Ferrão, e, na mesma data, pediu ao Patriarca de Goa, mais cinco padres: cinco operários para a sua nova messe.

Pouco após a chegada, o Arcebispo Primaz Patriarca das Índias Orientais, D. António Sebastião Valente, dirigiu ao Núncio Apostólico em Lisboa, uma missiva datada do Seminário de Rachol, em 20 de Julho, emitindo opinião sobre as três soluções alternativas que este lhe apresentara, com vista a «pôr termo às questões que surgiram entre os Prelados de Meliapor e Trichinopoly acerca do exercício da dupla jurisdição»: «V. Exa. Rev.ma propunha um de três modos para regular a questão: uma conferência de todos os Bispos interessados, conferências particulares entre os Bispos da Sagrada Congregação da Propaganda e do Padroado, uma conferência entre dois Bispos delegados por todos os outros». Embora considerasse que «não há dificuldade de maior em se reunir em Goa, junto do túmulo de São Francisco Xavier, uma conferência dos Bispos interessados em pôr termo ou fechar a porta a conflitos dessa natureza», isto apesar da «opinião que existe contra a supremacia religiosa de Goa», acabou por optar pela terceira hipótese, com uma ressalva: «Aceitamos os Prelados do Padroado o terceiro modo, com a diferença de não haver delegação da nossa parte no Sr. Bispo de Meliapor, nem no Sr. Bispo de Trichinopoly da parte dos Prelados dependentes da Sagrada Congregação da Propaganda.»[255]

D. António Barroso seguiu escrupulosamente esta orientação, que apontava para um diálogo entre as partes interessadas, como, pouco depois, informou o Núncio em Lisboa: «Em Julho fui a Goa; os Prelados do Padroado tinham-se ali reunido por ocasião da Sagração do Sr. Bispo de Cochim, e tendo ponderado atentamente as instruções do Governo e as da Santa Sé, tinham resolvido que eu me entendesse com o Sr. Bispo de Trichinopoly em respeito aos negócios de Maduré […]. Eu aprovei esta resolução que comuniquei ao Sr. Delegado Apostólico que me respondeu que era também essa a sua opinião sobre o assunto. Segui, pois, em 9 do corrente para Trichinopoly, onde passei três ou quatro dias, em casa do Sr. Bispo, que me recebeu muito bem e com todas as demonstrações de muito afecto. Redigi ali seis artigos que me parece terminarão todas as questões, salvando-se a dignidade das duas jurisdições. No primeiro fica consignado que os padres de uma e outra jurisdição farão procissões quando quiserem e por onde quiserem, sem precisarem da licença do Ordinário. Estes artigos ainda não foram assinados para um e outro poder pensar sobre eles […]. Espero, pois, em pouco, ter o prazer de anunciar a V.Exa. que é uma questão resolvida esta.»[256]

Mas o assunto não foi de resolução imediata, como D. António informa em 7 de Dezembro: «Como V.Exa sabe perfeitamente, o negócio das procissões é complexo, e portanto longo. Felizmente, num correio muito próximo espero ter a satisfação de comunicar a V. Exa. o resultado dos nossos trabalhos, que serão assinados em pouco. Parece-me que chegamos a um resultado que dará satisfação a todos.»[257]

Como escreve nesta missiva, a questão da dupla jurisdição tinha dado passos significativos, embora o assunto não pudesse considerar-se resolvido. D. António que não era regalista e estava disposto a ceder, a bem da caridade cristã, teve de se deslocar por três vezes a Colombo, no Ceilão, ilha onde residia o Delegado Apostólico, Mons. Ladislaus Michael Jaleski, que parece ter sido pouco feliz na condução do processo, desde o início. Lograra, porém, um acordo com o Bispo de Trichinopoly, que o recebera cordialmente, como escreve.

As negociações prosseguiram, e, ainda naquele mês de Dezembro, as questões de jurisdição entre as duas Dioceses, que pareciam insanáveis, ficaram resolvidas, como relata em carta que enviou ao Núncio a 22 daquele mês: «Hoje, graças a Deus, envio uma cópia do acordo que assinei em 15 com Mons. Barthe. A mim, pareceu-me que o acordo salva a dignidade das duas dioceses e que, lealmente posto em prática, dará bons resultados. Espero que, aí, o Governo se dará pressa em se entender com a Santa Sé, a fim de que o nosso acordo seja, sem demora, aprovado. Num acordo suplementar, entendi-me com Mons. Barthe, para, sem publicar o acordo, o pormos em execução desde já, a fim de evitar os maus resultados da demora». Assim se fará, acrescentava, com determinação.

O acordo, assinado a 15, em Trichinopoly, entre os Bispos Barthe e Barroso, era um corpo de dez artigos, que, entretanto foi enviado para Roma e para Lisboa. A Santa Sé homologou-o, mas o governo português levantou algumas objecções. O entrave maior estava em dois artigos (8.º e 9.º) que, de certo modo, coarctavam a liberdade de os padres poderem recorrer ao poder civil em matérias que fossem da competência dos seus bispos. Contudo, o governo português acabou por acolher o texto.

Foi a conclusão dum trabalho notável de D. António, aceite pela Santa Sé e pelo Governo português. Este acordo, celebrado em 15 de Dezembro de 1898, entre o Padroado e a Congregação da Propagação da Fé, pondo termo às discórdias que se arrastavam entre estes dois agentes de evangelização, vigorou durante trinta anos.

Naquele mês de Dezembro, em que D. António logrou obter acordo com o bispo Barthe, O Commercio de Barcellos, no dia 11, transcreve de O Commercio do Porto, uma notícia menor mas interessante, datada de Meliapor, a propósito do aniversário de D. António, que ocorrera a 5 do mês anterior: «Segundo s. exa. affirma, em Portugal só uma pessoa sabe qual o dia dos seus annos, e aos seus diocesanos foi este anno o primeiro que o revelou». O repórter regista que o bispo se encontrava feliz naquela primeira festa de aniversário que tivera na vida, mas feliz sobretudo por haver criado boas relações de amizade com o bispo de Madrasta. Aproveita para informar que o bispo Barroso era «altamente considerado pelos primeiros funccionarios lords e gentlemen». Os únicos convivas deste seu aniversário, foram os seus padres, «sem distincção de côr, de raça e de hierarchia, convidados e indistinctamente tambem sentados á mesa». Eram uma mesa de doze, o que deu tema para alguns dos animados brindes que se seguiram e a que D. António respondeu «como sempre assombrosamente. Quando fallou da grandeza moral do sacrificio, invocou o nome de Pio IX e chorou; quando se referiu á sua patria, disse […] que o Real Padroado, sendo de uma nação pequena e pobre, era galharda e fidalgamente generoso, e concretisando a religião em Leão XIII e a patria no seu Chefe, levantou um hurrah a Leão XIII e a D. Carlos I».

A questão de Nagory acabou por se revelar bem mais complicada do que esta da dupla jurisdição, como o próprio confessou: «Falhou o meu plano de regular a questão das propriedades de Nagory amigavelmente, porque o Rajah, guiado por conselheiros interessados, não quer ceder os direitos que julga ter, recebendo o dinheiro que pagou, como lhe prometia. Resta-nos, pois, só o tribunal, para onde vamos com o mais profundo desgosto, motivado por muitas razões. […] Continuo nas melhores relações com o Exmo. Arcebispo de Madrasta, e tenho completa confiança que poderemos, em boa harmonia, resolver todas as questões.»[258] Dois meses depois, voltava ao assunto, em nova carta ao Núncio Apostólico: «Enquanto aos assuntos de Dacca, terá V. Exa visto, pela minha última carta, a situação em que as coisas estão, não podendo ter lugar o alvitre de V. Exa., pois o Rajah, ou antes, a gente que o cerca, nada quer ceder. Por isso, espero apenas que o governo me envie um documento que pedi, para intentar a questão. O pior de tudo é que o Rajah e os seus conselheiros, despeitados pela oposição dos cristãos, os oprimem de todos os modos, tendo-me já visto na necessidade de chamar a atenção das autoridades inglesas para este estado de coisas que não deve continuar por mais tempo. Tendo consultado advogados muito distintos, todos são de opinião que o Tribunal terá de anular o contrato, por falta de poder em quem o fez.»[259]

Embora feliz por conseguir um acordo para regularizar o exercício da jurisdição das igrejas isentas no território da Missão do Maduré, continuava preocupado com a grave questão que envolvia o Rajah e o seu ex-colega da juventude, D. Henrique Reed da Silva: «Ainda não pus a questão nos tribunais porque ainda não recebi os documentos que pedi para Lisboa, e também porque tenho uma imensa repugnância em o fazer, por causa de isto intervir com o meu antecessor». D. António evitava a todo o custo que se lavasse roupa suja na praça pública, sabendo dos malefícios que daí adviriam para a imagem da Igreja e para o próprio D. Henrique, até por conhecer os boatos que sobre ele corriam. Mas acrescentava: «Tenho, porém, de o fazer e sem demora, porque o Rajah continua a perseguir os cristãos, que nem se atrevem a ir à igreja. Quando falei como Rajah e sobretudo com os dois ingleses seus conselheiros, e interessados neste malfadado negócio, não só lhe prometi restituir tudo o que ele pagou, mas até lhe disse que ainda lhe daria mais. Porém, nada consegui, porque estes Senhores dizem que não é questão de dinheiro mas de capricho.»[260]

Perante a resistência do Rajah, acabou por intentar um processo de anulação do arrendamento, por ausência de formalidades legais no contrato. A questão só seria resolvida mais tarde, pelo Alto Tribunal de Calcutá, quando já ali era bispo D. Teotónio Vieira de Castro, ordenado por D. António Barroso, no Porto, em 14 de Agosto de 1899. A salomónica sentença arbitral acabou por determinar que a área de terreno onde não havia cristãos, ficava na posse do Rajah, pagando este a renda anual correspondente, e que a parte restante, claramente mais importante, onde estavam as igrejas e viviam os cristãos, era devolvida à Diocese.

Embora D. António tivesse naturalmente dado prioridade às duas questões principais que haviam determinado a sua nomeação para Meliapor, nunca descurou a vida corrente da diocese, imprimindo-lhe mesmo uma nova dinâmica.

Prestou especial cuidado à preparação do clero. O clero indiano, particularmente o goês, gozava de fama pouco abonatória, em termos de preparação académica e mesmo de craveira intelectual. O próprio D. António, em carta que dirigiu, de Moçambique, ao ministro do Ultramar, em 1893, referindo-se aos seus colaboradores, escreveu: «Tenho bons missionários nos padres de Cernache, nos da Companhia de Jesus, e até (sic) nos provenientes da diocese de Goa».

Terão sido sobretudo os ingleses residentes na Índia, os responsáveis por tal imagem, que só parcialmente corresponderia à realidade. O Pe. Deniz L. Cottineau Kloguen, que visitou Goa em 1827 escreveu: «O Clero de Goa é muito pobre, como se vê da tabela dos emolumentos de vários benefícios atrás reproduzida. Em geral, este clero é muito regular e exemplar na sua conduta e no exercício do seu ministério; por isto se vê, evidentemente, que de há um século para cá, se deve ter operado entre eles uma notável reforma – se as narrações, que os antigos viajantes deixaram sobre os padres de Goa, não são falsas, ou ao menos, em grande parte exageradas. […] O Clero de Goa, em geral, está longe de ser tão ignorante como os ingleses o descreveram. […] Se alguns ingleses os não entendem, isto é inteiramente devido à sua maneira de pronunciar o latim, que é ininteligível a todas as outras nações europeias. Além da língua latina, os padres de Goa têm um conhecimento perfeito e gramatical do português e sabem a língua do país […] Eles sabem a filosofia e a teologia tão bem como o geral do Clero Francês. […] Deve, porém, reconhecer-se que, em história, geografia e ciências são geralmente deficientes, e conhecem pouco os hábitos dos outros países». Conclui, assim, o reverendo francês, que a preparação do clero em Goa deveria incluir no programa de estudos, uma disciplina «de história e dos costumes das outras nações – o que dissiparia muitos dos seus preconceitos e […] concorreria também para os livrar aos olhos dos estrangeiros da acusação de completa ignorância que com frequência, mas muito injustamente, se lança contra eles».[261]

Com o avançar do século, a imagem e a situação de facto, agravaram-se. Atento, D. António prestou especial cuidado à reorganização do seminário, onde instituiu uma cadeira de introdução à filosofia, tendo presentes algumas deficiências que notara na formação do clero indiano que conheceu em Moçambique: «Reformou o curso preparatorio do seminario diocesano, ampliando e dando maior desenvolvimento aos estudos philosophicos, como base fundamental do curso theologico, ao qual acrescentou mais um anno.»[262] Preocupado com as necessidades do clero local, construiu um convento para Franciscanos, dotou o seminário de uma biblioteca e cuidou da catalogação do arquivo da diocese.

Encontrou ainda tempo e disponibilidade para as obras sociais de educação e assistência, que sempre lhe haviam merecido especial cuidado nos campos de missão por onde passara anteriormente. Realizou 14 visitas pastorais às igrejas do Maduré, que lhe foram particularmente penosas, percorreu o vale do Ganges e visitou as Missões de Calentá. Iguais desvelos lhe mereceram as Missões de Bandel, Daccá e Nagory, onde a sua passagem ficou assinalada por benefícios de monta; reedificou e desenvolveu o Madras – Asylo, o orfanato de Madrasta; criou a escola de Punicail e mandou construir alguns edifícios em Nazapatam, para escolas; preocupou-se com a agricultura, incentivando o arroteamento dos terrenos em maninho, contíguos às igrejas e pertença destas. Orientou, construiu, reformou.

Foi nomeado bispo do Porto, em 21 de Fevereiro de 1899. O governo português decidira, já em 27 de Janeiro daquele ano, propô-lo para bispo de tão importante diocese. Em carta que escreveu ao Núncio Apostólico em Lisboa, a 7 de Março, numa altura em que regressava cansado, de uma visita pastoral, agradeceu-lhe o apoio e deixou algumas sugestões: «Cheguei da visita no dia 4 do corrente, e um pouco fatigado de percorrer grandes distâncias em carros de bois […] Por tudo dou graças a V. Exa., que tanta solicitude mostra em ser-me útil, e em promover o meu engrandecimento. Como méritos, tenho apenas a boa vontade de ser útil à religião, e é nisso que consiste toda a minha ambição. Aqui ou aí estou bem se puder promover o seu aumento. […] Não sei quem será o meu sucessor […] Não deve ocultar que a herança que deixo é ainda árdua, e que exige pessoa de sangue frio. A diocese tem largos recursos, mas é preciso continuar, por alguns anos, um regime muito severo […] Tenciono ficar aqui para trabalhar até fim de Abril, a não ser que a minha presença aí seja precisa antes.»[263]

Da despedida dos cristãos de Meliapor dá-nos conhecimento O Commercio de Barcellos de 25 de Junho de 1899, transcrevendo uma reportagem da Índia, antes publicada em O Commercio do Porto. D. António deixou a cidade em direcção a Bombaim no dia 23, tendo, na véspera, oferecido um jantar de despedida a todo o clero de Meliapor, para o qual convidou também o bispo de Mayer, auxiliar do arcebispo de Madrasta, que, no final do repasto fez um brinde em francês, enaltecendo as invulgares qualidades humanas e as insignes virtudes cristãs reveladas pelo prelado português, em tão curto espaço de tempo, e lamentando a sua ausência. D. António respondeu que só aceitara deixar Meliapor, por sentir que o seu estado precário de saúde, agravado durante a sua última estada em África, lhe não permitia manter-se por mais tempos em zonas tórridas. Alguns dos convidados discursaram entre lágrimas. No dia da saída, acorreram inúmeras pessoas a despedir-se, incluindo muitos protestantes. À chegada à estação, foi preciso uma força policial para suster a multidão dos que pretendiam beijar-lhe o anel ou, ao menos, tocar-lhe nas vestes. Muitos choravam e D. António não se conteve, chorando também. Saiu acompanhado de três padres: Joaquim Nunes, ex-Vigário Geral[264], Augusto Coimbra e Fernandes, este último natural de Tuticorim e missionário daquela Diocese.

Trata-se de uma reportagem interessante, assinada por um residente local, que faz uma referência à questão das jurisdições, em termos pouco usuais, reveladores da tensão que se vivia na região: «Esta diocese ufanava-se de ter á sua frente o nome de D. António Barroso, como o unico homem capaz de fazer resistencia á desmedida ambição das dioceses limitrophes, que, com as suas garras aduncas, pretendem rasgar-nos as entranhas».

No regresso a Portugal, passou por Roma, onde foi de novo recebido por Leão XIII, para o informar do que ocorria lá pelas terras do Oriente. É que o seu interlocutor de Trichinopoly, Mons. Barthe, instigado pelo Delegado Apostólico colocado em Ceilão, Mons. Jaleski, quis emendar a mão. Este último levou a sua parcialidade ao ponto de fazer chegar à Nunciatura em Lisboa um acervo de queixas contra o Bispo de Meliapor. O Núncio, avisara D. António do que ocorria, e aconselhara-o a vir por Roma, já que, entretanto havia sido nomeado para o Porto. O Papa aguardava as informações de D. António, para depois receber o Vigário Apostólico de Ceilão que ali aguardava há um mês por uma audiência. Recebeu-o, por isso, logo ao terceiro dia da sua chegada. D. António esclareceu pessoalmente o Papa sobre o assunto, recebendo dele palavras de solidariedade.

A embaixada de Portugal junto da Santa Sé presenteou-o com um jantar, onde teve como convivas os cardeais Vanutelli e Jacobini, que haviam sido Núncios em Lisboa.

Desta passagem por Roma, resultou a sua nomeação para «Prelado Assistente ao Sólio Pontifício», dignidade que passou a usar. Com este gesto, «o papa procurou, porventura, compensá-lo dos amargores da intriga».[265]

Deixou Roma na manhã do dia 9 de Julho, viajando de comboio, e entrou em Portugal, em 15 de Julho, por Vilar Formoso.

Ao passar pela França, apeou-se para uma visita à gruta de Lourdes, num adeus à vida de missionário andante e num apelo à Senhora para que o acompanhasse na nova missão.

Tendo nascido no ano da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, D. António Barroso foi sempre muito devoto de Na. Senhora, a quem, desde criança se acostumou a orar, sob a designação de Na. Sra. da Boa Ventura ou da Boa Fortuna, cuja imagem se venera na capela de São Tiago, ao lado da casa onde nasceu, e «a cujo altar, amiúde, sendo menino, levava as mais louçãs flores do horto familiar».[266] De facto, a devoção mariana ocupou sempre lugar de relevo na espiritualidade de D. António. O seu nome anda também ligado às peregrinações à Senhora da Franqueira, cuja ermida, junto ao Castelo de Faria, próximo de Barcelos, foi mandada construir, de acordo com a tradição, por D. Egas Moniz, em cumprimento de um voto.[267]

Não foi um adeus às Missões. Colocado na diocese do Porto, manteve-se sempre informado e participou activamente em tudo o que à acção missionária de Portugal dissesse respeito, desde que lhe fosse pedida opinião. Como exemplo deste empenho, não resistimos a transcrever uma carta longa, mas vigorosa e lúcida, que em Dezembro de 1916, já carregado de sofrimentos físicos e morais, enviou ao Núncio Apostólico em Lisboa, sobre uma questão importante da Igreja em Angola:

 

Tenho a honra de responder ao ofício de V.Exa. Rev.ma de 15 do passado mês e ano, em que deseja a minha invaliosa opinião sobre o modo de prover à administração eclesiástica superior da vasta diocese de Angola e Congo. […]

A população católica não tem decerto diminuído na vasta área do bispado de Angola e Congo, e creio que nunca teve tantos católicos como actualmente. É certo que em épocas passadas teve mais indivíduos baptizados; a imensa maioria, porém, ficava tão pagã como antes o estava; e a influência dos missionários, se bem que profunda em alguns pontos, foi em geral pouco intensa e por isso pouco duradoura. […]

É pois minha opinião que aquilo que mais convém aos interesses das almas e da civilização cristã é dividir a actual diocese em dois vicariatos apostólicos, um ao Norte, com sede na cidade de Luanda, e outro ao Sul, com sede na Hila. Ficam assim reduzidas as despesas de administração. Como a única congregação que ali tem interesses criados é a do Espírito Santo, a ela compete dar pessoas que devem ocupar esses lugares. Tem essa benemérita congregação ali missionários a quem não falta nem ilustração nem zelo, nem experiência acrescida da vantagem de serem em grande parte portugueses e dos de melhor quilate.

Se alguém quiser ver nesta maneira de encarar o assunto menos amor ao meu País, a esses responderei que acima dos interesses morais ou materiais da minha Pátria, coloco os espirituais da Igreja, de quem sou filho e ministro, e estou convencido de que é esta a solução que mais se coaduna com esses interesses.

 

A mesma atenção que votava a Angola, teve-a sempre com Moçambique. A esta colónia e à respectiva Prelazia dedicou mesmo uma particular atenção, como observa, com conhecimento de causa, o já citado Padre Sebastião Braz, seu companheiro de muitas lutas e amigo das horas difíceis: «uma viva saudade de Moçambique o acompanhou sempre pela vida fóra, mantendo, até á ultima, relações epistolares com alguns missionários d’aquela Prelazia, e desejando andar sempre ao corrente do que alli se passava no tocante a movimento religioso».[268]

 


CAPÍTULO II

O MAIOR MISSIÓLOGO PORTUGUÊS

 

D. António Ferreira Gomes, em 1954, ao celebrar o centenário do nascimento de D. António Barroso, comparou o seu predecessor com outras míticas figuras missionárias, concluindo: «ele foi bem o continuador dos que acenderam no Oriente a luz do Evangelho e lançaram as sementes de uma civilização universalista, de uma civilização que se situa […] para além do Oriente e do Ocidente».[269]

O académico e missiólogo Padre António Brásio, que dedicou a vida à investigação e ao estudo das fontes da história missionária portuguesa, considera D. António Barroso um autêntico mestre de missionários e um teorizador da acção missionária, assegurando mesmo que foi dos melhores e maiores missiólogos do século xix, pela forma como estudou e expôs os problemas básicos da evangelização de África. Em seu entender, o surto por ele dado à Igreja de Moçambique só encontra paralelo nos tempos actuais: a sua obra foi tão sólida, tão clarividente, de horizontes tão largos na acção e na doutrina, que não houve senão continuá-la. E prossegue: «Agitou ideias, combateu, discutiu, agiu, estudou, reagiu e tornou-se talvez maior como missiólogo que como missionário. É certamente sob esta faceta do seu espírito e da sua acção que mais o admiramos.»[270] «Cremos que neste aspecto fundamental da sua biografia, Barroso é único entre os missionários portugueses do seu tempo.»[271]

No entender destes ilustres pensadores da Igreja portuguesa, o legado missionário de D. António merece uma reflexão profunda. Também D. Daniel Junqueira, bispo de Nova Lisboa, no II Congresso Missionário Português, que se realizou em Barcelos, em 5 de Novembro de 1954, se referiu ao nosso biografado como «o maior missiólogo do século xix».[272] Ele foi «o maior de todos os missionários modernos. Espírito lúcido, homem prático, habilitado com conhecimentos técnicos […], activo, virtuoso, de consciência recta, de grande alma e de grande coração […], focou a questão missionária como ninguém até ali o tinha feito, e a sua orientação (é) manifestada nos brilhantes relatórios.»[273]

Aberto à modernidade, foi o primeiro em Portugal a aperceber-se e a propor soluções para os problemas vitais da missiologia (ou missionologia), então ciência nascente em algumas universidades europeias, sobretudo da Alemanha. Movido por um espírito reformador, procurou modernizar os métodos de acção da Igreja na então chamada África portuguesa. No Congo e, particularmente, em Moçambique, restaurou o verdadeiro sentido da missionação como evangelização das populações locais.

Não é fácil discorrer sobre a ciência missiológica (ou missionológica), mas, das definições dadas por Mondreganes, André Seumois, Sartori e outros, pode concluir-se, sintetizando, que a missiologia (ou missionologia) estuda a expansão do cristianismo e a implantação da Igreja no mundo.[274] Ora, nenhum dos missionários portugueses manifestou tanto empenho em reflectir profundamente sobre a expansão do cristianismo, sobre a implantação da Igreja nos territórios do Padroado, particularmente nos do continente africano, como D. António Barroso. Entre os grandes missionários portugueses do seu tempo, foi o que revelou maior capacidade de aliar a acção à reflexão, como fez, com brilhantismo, nos seus relatórios, e, em particular, no de 1894.

É certamente o primeiro grande missiólogo português, quiçá o maior de todos, sem desprimor para outros, como o Padre José Maria Antunes (1856-1928), também ele um grande obreiro do ressurgimento missionário no Ultramar, havendo conseguido a promulgação do Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas, ou, mais recentemente, como o grande académico Padre António da Silva Rego (1905-1986), que criou e regeu a primeira cátedra de missionologia, em Portugal, nos anos 40 do século xx, no então Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina, e autor, entre outras obras, de «Lições de Missionologia». Há que relevar ainda o prestigiado historiador Padre António Brásio (1906-1985), da Academia de Ciências de Lisboa, comendador da Ordem do Império e da Ordem do Infante D. Henrique, pelos trabalhos de investigação que realizou, e também ele autor de obras como «História e Missiologia» e «D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo». É exactamente o Padre António Brásio que afirma ter sido D. António um dos melhores e maiores missiólogos que a Igreja teve, destacando a sua extraordinária capacidade de associar o pensamento reflexivo ao trabalho concreto que realizou, bem como a enorme inovação que trouxe à Igreja missionária portuguesa, na época de charneira em que viveu.

Da herança missiológica legada por D. António Barroso, é possível destacar vários temas que ilustram a sua mentalidade inovadora, e que realçam algumas virtudes humanas e cristãs que fizeram dele um missionário modelo.

 

1 – Revisão dos métodos de trabalho missionário

Luciano Cordeiro, fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, e, como se observou, amigo e admirador de D. António, escreveu em 1880: «Não temos missões e não temos missionários, no sentido e na aplicação moderna da palavra», «o nosso missionário o mais que chega a ser é padre, mas só padre»: «em suma, é necessário criar o missionário, porque a verdade é que não o temos».[275] Entendia assim que os missionários estavam preparados para trabalhar em paróquias organizadas, onde predominava o elemento europeu, mas não eram capazes de avançar para o interior, em direcção ao homem africano.

O missionário Barroso afinava pelo mesmo diapasão. Na mencionada conferência que fez na Sociedade de Geografia, afirmou que «as missões africanas estão longe de corresponder à sua grave finalidade. Há, é certo, em África, muitos baptizados, mas cristãos dignos deste nome pouquíssimos». «A África não é a Ásia nem a América; o missionário africano do século XIX não pode ser talhado nos moldes em que o foi o do XVI e XVII, na Ásia; um abismo de diferença separa os dois continentes (…) de onde provém esta diferença? Da doutrina? Não. Do missionário? Também não. Provém do meio».[276]

Acrescentou que, para alterar este estado de coisas, havia que dar ao missionário uma formação diferente. Em seu entender, o missionário para o continente africano devia «levar em uma das mãos a cruz, símbolo da paz e da fraternidade dos povos, na outra a enxada, símbolo do trabalho». Tinha de ser «padre e artífice, pai e mestre, doutor e homem da terra». Ao africano, o missionário devia ensinar-lhe a moral cristã e civilizá-lo pelo trabalho honesto, trabalhando com ele. «Deve ser padre e artista, pai e mestre, doutor e homem da terra. Deve tão depressa tomar a estola […], como empunhar a picareta para arrotear uma courela de terreno; deve tão depressa fazer uma homilia, como pensar a mão escangalhada pela explosão duma espingarda traiçoeira.»[277]

Sá da Bandeira, meio século mais velho, e directamente ligado à criação do Colégio das Missões Ultramarinas, onde Barroso estudara na juventude, pensava que uma boa remuneração pecuniária atrairia muitos missionários à África. Opinião bem diferente tinha o missionário de Cernache, que afirmou estar bem certo de que o padre, levado à África com a mira nos bons ordenados, seria inútil, talvez até nefasto.[278] Ao escrever deste modo, teria presente a sua própria experiência. Nos anos que trabalhou no Congo, não juntou um tostão e aplicou a totalidade da côngrua que recebia na manutenção dum grupo de alunos internos.

Entendia o desprendido missionário que a forma de preparar operários para a messe africana, dotados de uma mentalidade nova, passaria pela criação de uma instituição diferente do Colégio das Missões Ultramarinas. Falava duma Congregação nova com membros ligados por sólidos laços de solidariedade, com o futuro assegurado em caso de doença ou de velhice e com a continuidade da obra também assegurada: o que é indispensável é que o missionário que trabalha em África, saiba que a sua obra não morre, que quando a faina lhe roubar a vida ou o inutilizar para o trabalho, ele veja chegar os que devem continuar a sua obra de paz e de progresso, afirmou.[279]

Sugerindo que os missionários deviam repensar a sua acção, deixou este interessante conselho para aqueles que trabalhavam a pensar nas estatísticas: «Recomendaria muito que nunca baptizassem um indígena adulto senão in articulo mortis, ou depois de muito instruído, o que é bastante difícil. […] Que aproveita à religião e ao progresso que nesta ou naquela parte da Europa se conheça que mais um soba foi baptizado, se ele depois de receber as águas lustrais fica tão cristão na fé e na moral como um mouro? Absolutamente nada.»[280]

O Cónego Alcântara Guerreiro, missionário e historiador de Moçambique, que conhecia bem a acção renovadora do missionário Barroso, deu relevo ao espírito novo que tentara incutir aos seus colaboradores e que estes, salvo excepções, assumiram: «Quem quiser avaliar o trabalho do grande bispo, em extensão, pouco encontrará: a nomeação de alguns sacerdotes para paróquias abandonadas e a criação de um reduzido número de missões. O valor da sua obra reside no espírito reformador que a anima, no sopro de espiritualidade que varreu Moçambique da costa aos matos. O sobrenatural pairou por onde o materialismo e o desleixo campeavam. Um clero morigerado dignificou o sacerdócio, impondo-o à admiração de crentes e descrentes: o bispo era o espelho em que se remiravam, deixando-se impregnar da imagem das suas virtudes comunicativas. O pequeno rebanho soube tornar-se merecedor de um tal pastor.»[281]

Tinha ideias claras e procurava dar-lhes execução sem esperar por milagres: «O meu plano de restauração […] é conseguir que um missionário não permaneça isolado no sertão, e mesmo no litoral. A razão e a experiência têm mostrado exuberantemente que o missionário abandonado assim, no meio da barbárie […] não a modifica civilizando-a, mas é absorvido por ela, a não ser que a Providência faça milagres, que sendo possíveis, não são a regra, nem se devem esperar.»[282]

A mentalidade dos missionários mudou, e a prova é que o tempo obrigatório de serviço nas Missões acabou, para quase todos, como escrevia o Padre Lourença Farinha, em 1929.[283]

 

2 – Planeamento e criação de Missões em pontos estratégicos

«A necessidade das missões religiosas impõe-se; adiar a sua organização é prejudicarmo-nos voluntariamente. […] Não tenho pretensões de que as minhas indicações neste sentido sejam as melhores; são, porém, sinceras.»[284]

O missionário e historiador Padre António Lourenço Farinha, diversas vezes citado, escreveu sobre a lucidez e a modernidade da nova orientação e da dinâmica que D. António imprimiu à acção missionária: «A grande experiência e invulgar prestígio de D. António Barroso, Prelado de Moçambique, fizeram surgir verdadeiras missões, de moldes modernos, se bem que pobres.»[285] E, noutra obra: «O ressurgimento das Missões na Província começou verdadeiramente com D. António Barroso, o maior de todos os missionários modernos. Espírito lúcido, homem prático, habilitado com conhecimentos técnicos adquiridos na missionação do Congo, activo, virtuoso, de consciência recta, de grande alma e de grande coração, este prelado tinha todos os predicados dum apóstolo e por isso o seu nome ficou bem marcado e há-de sempre brilhar no futuro como astro luminoso que não poderá ser apagado por outro. Ele focou a questão missionária como ninguém até ali o tinha feito e a sua orientação, manifestada nos brilhantes relatórios, que não pôs totalmente em prática por motivo de crise financeira da colónia e da sua transferência para a Índia, deu excelentes resultados, depois de poucos anos, como era de esperar.»[286]

Assim se compreende que o seu biógrafo Amadeu Cunha refira a sua passagem pela prelazia de Moçambique como uma «verdadeira primavera missionária, pelo que criou e fez nascer».[287]

A partir da sua experiência no Congo, o bispo Barroso passou a prestar particulares cuidados à localização e centralização das Missões. A propósito da localização, quando visitou a missão do Zumbo, fundada em 1890, constatou que tinha sido construída em terreno doentio e húmido, no vale dum rio e fê-la mudar em 1893, para Mongue «bom terreno que reune condições de salubridade a uma população muito densa», justificou.

Entendia que, por razões de economia e de estratégia, as Missões deviam estar organizadas a partir de uma Missão central. Esta Missão-mãe deveria localizar-se numa zona central e salubre e dominar uma vasta população, donde fosse possível irradiar, contactar com as povoações circundantes, com as Missões sucursais em redor. Essa Missão era, em seu entender, «o lugar onde se deve preparar para o futuro um clero novo […]; o lugar onde os padres, vindos da Europa, devem ter uma aprendizagem da língua e costumes daqueles a quem vão civilizar».[288] A este propósito, explicitaria: «Além de um seminário na Metrópole, é indispensável […] ter na Província uma grande casa, onde concluam a sua educação os missionários, venham eles de onde vierem». Esta Missão central ou Missão-mãe seria também «um lugar, enfim, onde o missionário, alquebrado de fadigas vai descansar e recobrar forças, para de novo empunhar o bordão de peregrino para se internar no sertão.»[289]

Num relatório sobre a «Missão Portuguesa do Congo», datado de 20 de Maio de 1886, escreve: «O centro, a missão-mãe, deve ser na capital do Congo, S. Salvador. O seu antigo bispado, as suas tradições cristãs» assim aconselham. «No projecto apresentado ao parlamento português para organização do distrito do Congo, vi que era o governo autorizado a criar um centro de missões na capital do distrito, Cabinda; na minha humilde opinião, o lugar é mal escolhido». E apresenta as suas razões, denotando conhecimento da realidade e um enorme bom senso.

Na escolha da localização das Missões, sempre prestou atenção às distâncias, de modo a permitirem aos padres visitar-se e ajudar-se mutuamente. Escrevia, em 1894, que o seu plano era, como acima citámos «conseguir que um missionário não permaneça isolado no sertão, e mesmo no litoral; a razão por um lado e a experiência por outro, têm mostrado exuberantemente que o missionário abandonado a si, no meio da barbárie do interior […] não a modifica civilizando-a, mas é absorvido por ela».[290]

Para evitar o isolamento, instaurou o regime de comunidades de padres e auxiliares. Com tais medidas, o espírito dos missionários mudou e a prova é que o tempo obrigatório acabou para quase todos os missionários, como também já se escreveu. Até então, os missionários limitavam-se a cumprir em África o serviço mínimo obrigatório, que, por muito tempo, esteve fixado em 6 anos.

Em seu entender, não se devia criar mais paróquias. As paróquias sem paroquianos desapareceram e deram lugar a Missões no meio do povo. Para evangelizar África, havia que seguir caminhos novos. Quando chegou a Moçambique, escreveu: devem conservar-se as paróquias «existentes no litoral e ainda a de Tete, no interior, onde domina o elemento europeu ou asiático cristão, mas não devem criar-se mais […] e os esforços e atenções se devem dirigir principalmente para a criação de boas missões que se destinem especialmente ao preto, ensinando-lhe a moral cristã e civilizando-o pelo trabalho honesto, o que a paróquia não pode empreender com o mesmo desenvolvimento que a missão».[291]

Foi notável a lucidez e a determinação de D. António para restaurar no Moçambique do século xix o verdadeiro sentido da missionação como evangelização das populações locais. Neste esforço, foi pioneiro, entre o episcopado católico.

As missões de Magude, Angoche, Manhiça, Munhuana, Catembe, Malaíce, Moginqual, Chonguene, Muchopes nasceram desta nova orientação.

 

 

3 – Valorização do clero autóctone.

Formação do pessoal missionário.

Sociedade Missionária da Boa Nova

 

Quando foi colocado à testa da prelazia de Moçambique, introduziu uma medida inovadora, ao determinar que o clero vindo do exterior, de Cernache ou de Goa, devia permanecer alguns meses no Paço episcopal, com o prelado, para um melhor conhecimento mútuo e mais rápida adaptação à disciplina eclesiástica, para aprenderem a língua local e para se ambientarem nos costumes. «A educação dos missionários na Europa ou na Índia, por mais perfeita que a queiramos supor, nunca será adequada aos rudes trabalhos da missão africana; essa só no próprio lugar do combate poderá ser profícua e completa.»[292]

Propôs-se arranjar uma casa onde estes missionários vindos de fora pudessem completar a sua formação. Ao chegarem a Moçambique, fariam um «curso» de adaptação e de aprendizagem dos costumes e da língua, numa espécie de seminário a criar para o efeito, junto de uma Missão central, de uma Missão-mãe, como referimos: «Além dum seminário na Metrópole é indispensável, se não queremos sofrer cruas desilusões todos os dias e marcar passo eternamente, ter na Província uma grande casa onde concluam a sua educação os missionários, venham eles donde vierem.»[293]

Solução mais perfeita seria a preparação de clero autóctone, e bateu-se pela criação de um seminário em Moçambique. Anos antes, falando do Congo, afirmara que a falta de clero autóctone fora uma das principais causas da ruína das antigas Missões. Entendia que os missionários locais «conhecendo a fundo a língua do país, os costumes, as tendências dos seus compatriotas, estão aptos para serem os melhores evangelizadores não só do Congo, mas de toda a África».[294] Referindo-se ao clima que dizimava uma percentagem elevada de missionários europeus, escreveu: «poderemos e deveremos até, na minha opinião, criar o clero indígena, que poderá resistir com grandes vantagens sobre o europeu à malignidade do meio climatérico».[295]

Colocado em Moçambique, pretendeu criar um seminário com os objectivos e nas condições que expusera na conferência realizada em Lisboa. «A prelazia de Moçambique a-pesar-de ser maior que tôdas as dioceses do reino e da Índia juntas, não goza dêste benefício, que eu devo reclamar como um dos melhoramentos mais urgentes e imprescindíveis», escreveu.[296]

A ideia de um seminário em Moçambique não era, de resto, sua. Tratava-se de uma aspiração de mais de dois séculos. Frei António da Conceição, da Ordem de Santo Agostinho, Administrador Eclesiástico (1688-1700), tentara fundar um seminário, em Sena, conforme carta régia de 29 de Novembro de 1694, endereçada ao Vice-Rei da Índia[297], mas não conseguira efectivar o projecto. Naquela altura, a questão nem seria premente, porque os conventos regurgitavam de clero em Portugal. Volvido mais de um século, o prelado D. Frei Bartolomeu dos Mártires, em ofício de 23 de Outubro de 1821, voltou a propor a criação de um seminário, para fazer face ao descalabro e à ignorância religiosa que então encontrou. No século xix não faltaram tentativas nesse sentido. Em pleno liberalismo, Vasco Guedes de Carvalho e Meneses, que governava Moçambique, determinou, por portaria de 9 de Outubro de 1855, que, «por não haver um missionário que prègasse nos sertões», fossem mandados para o seminário de Santarém, por conta da Fazenda Nacional, alguns filhos da Província, até dez anualmente, os quais, depois de ordenados, regressariam. Outra portaria, esta régia, de 5 de Outubro de 1857, ordenava ao governador que, em entendimento com o prelado, escolhesse até dez rapazes dotados de «inteligência e regularidade de costumes» e os mandasse ao governador da Índia para ali entrarem num seminário e serem formados, em acordo com o arcebispo de Goa.[298]

Diversas outras iniciativas do género se sucederam, até que o prelado D. José Caetano Gonçalves (1873-1882), fundou, finalmente, um colégio-seminário, especialmente orientado para a população autóctone africana, a exemplo do que se fazia noutras paragens do império, nomeadamente em Macau. Em pastoral de 3 de Fevereiro de 1875, o prelado, com a finalidade de suprir a falta de clero, anunciou a fundação de um colégio-seminário, cujo programa de estudos incluía Doutrina Cristã, Latim, Latinidade, Francês ou Inglês, Filosofia, Teologia e História Eclesiástica. Seriam instruídos, à custa do colégio, doze internos, indígenas especialmente, «como mais próprios em relação ao clima, e por estar provado pela experiência, que nas nações em que novamente se introduz a luz do Evangelho, é o clero indígena o melhor portador dessa luz». O governador nomeou uma comissão para angariar fundos e os esforços foram muitos, mas a nova colégio-seminário só esteve aberta dois anos. Fechou com resultados nulos, por falta de alunos.[299]

A constatação destes factos, e os anos da sua experiência em Moçambique, bem diferente do Congo, levaram o bispo Barroso a moderar um pouco o seu entusiasmo inicial. Apesar de entender que o clero autóctone «hoje é absolutamente indispensável»[300], acabou por se convencer que não era possível, «por enquanto» a criação de um seminário para jovens locais, devido à nula escolaridade da população e ao estádio zero da evangelização. E foi assim que, em 1894, reflectindo sobre o «estado lastimoso» da população e da Igreja, defendeu ideias algo diferentes das que expusera em 1889. Instruído por «uma experiência longa e bem dolorosa»[301], e apesar de tudo quanto escrevera e clamara, entendia que não estavam criadas as condições, que havia que esperar, e concluía: «O Seminário, pois, deve ser urgentemente criado para esta província, (mas) deve ter sede em Portugal e ter como alunos e futuros missionários, portugueses.»[302]

Entretanto havia que criar uma casa em Moçambique, onde os missionários pudessem fazer um estágio preparatório, um período de adaptação, quer fossem de Portugal quer fossem da Índia, como já se referiu, e, para isso, procurou criar condições, logo desde a sua chegada à Ilha, adaptando o Paço à instalação de alguns padres.

Tal mudança de estratégia, reflecte uma profunda atenção ao homem real e não qualquer recusa de formar clero local ou qualquer menosprezo pela população a evangelizar. Como se depreende do Relatório que escreveu em 1894, foi levado a compreender que, naquela fase concreta da história da colónia e da situação da Igreja, as tarefas prioritárias eram o desenvolvimento da população, a promoção do ensino e a intensificação da evangelização. Não era homem de ideias feitas. Pastor atento, entendia que a preparação do clero local constituiria um estádio mais avançado e havia que criar condições para tanto.[303]

D. António Barroso, missionário do Padroado, tinha os pés no terreno. O seu novo projecto passava, então, pela criação de um seminário em Portugal, para formar sacerdotes para a prelazia, sob a sua responsabilidade. Pensava que desse seminário poderia nascer uma Congregação missionária, à semelhança da «Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris» ou dos «Padres Brancos», do Cardeal Lavigerie, dois modelos de Sociedades missionárias que começaram como seminários destinados à formação de sacerdotes para as Missões. Tinha ideias claras sobre o que pretendia:

 

O Seminário, pois, deve ser urgentemente criado para esta Província, deve ter a sede em Portugal e ter, como alunos e futuros missionários, portugueses.

No norte do país existem ainda antigos conventos, que com pequeno dispêndio se podiam adaptar a este fim, como, por exemplo, o de Vila do Conde, de que o Estado está em posse, ou outro situado no Minho, onde as vocações superabundam.

Levo as minhas utopias ao ponto de acreditar que dali se poderia fazer o núcleo de uma congregação, à semelhança da dos missionários de Paris, ou dos Padres Brancos do falecido cardeal Lavigerie, que teve como princípio um Seminário nas mesmas condições em que o reclamo para esta Província.[304]

 

Já no regresso do Congo, em 1889, havia proposto a transformação do Colégio de Cernache do Bonjardim numa instituição desse género.

É usual dizer-se que foi nessa Conferência de 1889, que proferiu na Sociedade de Geografia de Lisboa que, pela primeira vez, abordou a questão de Cernache, mas já três anos antes, no relatório de 20 de Maio de 1886, escrevera: «O Colégio das Missões fornece alguns missionários, não há dúvida, cheios de dedicação e espírito de sacrifício […] Torna-se porém urgentíssimo […] criar outros institutos […] Eu não partilho a opinião dos que afirmam que só (as associações religiosas) nos podem dar bons missionários e que o clero secular nada faz, ou nada pode fazer; sei, porém, que a favor delas está a vantagem da associação sobre a individualidade, e a experiência de alguns séculos.»[305]

Entendia que a formação ministrada naquele Colégio já não correspondia às necessidades dos tempos novos. Sobretudo estava persuadido de que os missionários de Cernache, que actuavam sozinhos no campo do apostolado, se estivessem integrados num Instituto, teriam garantido o seu futuro na velhice e nas enfermidades e veriam assegurada a continuidade do seu trabalho após a morte, o que lhes traria mais tempo, disponibilidade e motivação.

Na referida conferência que fez na Sociedade de Geografia, falou expressamente da necessidade de se criar uma «Congregação». Foi aí que, ao aperceber-se de que falava perante uma audiência imbuída de um certo dogmatismo liberalista, que poderia ver na sua proposta uma subliminar ofensa à memória de Joaquim António de Aguiar, acrescentou com indisfarçável ironia: «Se não soar bem aos nossos ouvidos delicados de meridionais, a palavra Congregação, invente-se outra» e logo atalhou a embaraços, propondo um termo mais inócuo: «Instituto». Criar-se-ia o «Instituto Geral das Missões Portuguesas».[306]

O próprio António Enes, que, em novo, fora aluno dos Lazaristas, e que era bastante crítico em relação aos missionários portugueses, nomeadamente aos de Cernache do Bonjardim, propôs uma profunda reforma na formação dos missionários: «No Colégio de Cernache educam-se padres, mas não missionários… não se aprende a catequizar negros sem nunca ter visto um negro…». Ele mesmo chegou a redigir os estatutos para uma Congregação missionária portuguesa: «Congregação das Missões Portuguesas da África Oriental», como informou por carta a D. António Barroso, em 17 de Junho de 1893.[307]

Os políticos da época não se referiam com grandes encómios à acção dos padres de Cernache. Noutro exemplo, entre muitos, Francisco J. Ferreira do Amaral, Governador de Angola – figura influente, que, depois, seria ministro da Marinha, em 1892, e que foi o primeiro Presidente do Conselho de Ministros, nomeado por D. Manuel II, em 1908, a seguir ao regicídio – em ofício que dirigiu ao ministro do Ultramar, em 15 de Fevereiro de 1884, escreveu que «os missionários do Colégio das Missões só são hoje um elemento de modo de vida interesseiro e hipócrita, de nenhuma utilidade conhecida». Lamentava que um missionário, «tirado da miséria, educado pelo Governo para o servir 8 anos», pudesse ter mais submissão ao Pontífice que ao Padroeiro, e deixava um conselho drástico ao ministro: «se V. Exa. se não previne contra esta invasão, em vez dos missionários serem, como devem, instrumentos dóceis nas mãos do Governo, serão uma seita que será necessário pôr fora por os processos do Marquês de Pombal, ou pelos modernamente empregados pela Revolução Francesa». Apesar desta linguagem truculenta, abre uma excepção para o Padre António Barroso e companheiros, que, por aquela altura, trabalhavam afanosamente no Congo: «Mais uma vez aproveito para fazer uma excepção honrosa a favor dos padres que estão no Congo» porque «de resto, só pedem dinheiro e honras de cónego, com expressa condição de não saírem de Luanda. V. Exa. ajuizará se valem a despesa».[308]

É notório que os padres de Cernache, por diversos motivos, tinham uma imagem negativa junto de muitos políticos e de outras classes com poder. Atento, D. António tentava apressar uma solução que fosse do interesse da fragilizada instituição e, simultaneamente, servisse a Igreja de Moçambique.

Entre outros eclesiásticos, também D. Francisco Ferreira da Silva, que foi prelado em Moçambique, de 1905 a 1914, advogou a transformação do Colégio de Cernache do Bonjardim, em Congregação missionária ou em seminário sob a responsabilidade total da Igreja. A grande fragilidade da instituição advinha-lhe da ambiguidade gerada pela dupla dependência, do governo e da Igreja, como ressalta, com chocante clareza, da linguagem de Ferreira do Amaral, acima transcrita.

D. Francisco afirmou então, num dos seus relatórios, que estava convencido de que se pouparia 50% em dinheiro, e se ganharia mais de 80% em eficácia, se o Colégio de Cernache se transformasse numa Congregação religiosa. E chegou a indicar como modelos, seis Sociedades missionárias então existentes em França e Itália, entre as quais a Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris e a Associação Missionária da Consolata de Turim.

Em Cernache do Bonjardim, as coisas andavam lentas. Referimos atrás o trabalho de reorganização levado a cabo por D. António Tomaz da Silva Leitão e Castro, que foi Superior interino, de 1884 a 1885, e que, depois, foi bispo de Angola e Congo, quando o Padre António Barroso ali missionava. Foi ele, como também escrevemos, encarregado pelo Governo de propor uma reforma dos Estatutos do Colégio. A reforma ficou concluída em 1884, com a colaboração do próprio Pinheiro Chagas, que se deslocou pessoalmente a Cernache, para melhor se inteirar da situação. Entretanto, D. António Leitão e Castro foi substituído na direcção do Colégio, sem que a reforma tivesse sido implementada. Foi substituído, em Maio de 1885, pelo Dr. António José Boavida, deão e presidente do cabido da Sé Patriarcal de Lisboa, deputado e par do Reino, que dirigiu os destinos da instituição, durante 20 anos (1885-1905), e que veio a falecer em Agosto de 1910. Durante os longos anos em que foi Superior de Cernache, sugeriu a transformação do Colégio em Sociedade Missionária, para lhe dar uma identidade eclesial de instituição da Igreja, fora da dúbia alçada do Estado. Foi dos primeiros a propor publicamente a organização de um Instituto missionário com a então chamada «característica genuinamente portuguesa», um Instituto missionário nacional. Uma identidade semelhante à de outras Sociedades missionárias, que no século xix, surgiram noutros países europeus, tal como D. António pugnara, a partir da sua experiência missionária em Angola/Congo.

A questão vinha sendo abordada desde há muito e por diversos. Já na década de 40 do século xix, o bispo de Cabo Verde falara de se criar uma associação missionária com o mesmo objectivo. Em 1890, o Dr. António José Boavida formalizou o projecto, dirigindo ao Presidente do Conselho de Ministros, Hintze Ribeiro, uma exposição sobre a missionação portuguesa, e solicitando-lhe que os diplomatas portugueses junto da Santa Sé pugnassem pela organização desse Instituto missionário. D. António Barroso, que gozava de boa imagem junto do público e da comunicação social, deu, por variadas formas e em momentos diversos, eco a esta ideia de que era necessário criar um Instituto missionário nacional. Em 1899, já bispo do Porto, presidiu a uma comissão nomeada pelo governo, para fazer avançar o projecto da criação de um Instituto missionário. Integravam também esta comissão, nomeada pelo Ministro Eduardo Vilaça, em portaria de 19 de Dezembro de 1899, o Superior de Cernache, Dr. António José Boavida e D. António Barbosa Leão, então bispo de Angola e Congo.

Não se encontrou uma solução atempada, e o Colégio acabou por ser extinto pela República, em 1911. Ressurgiu, restaurado, em 24 de Outubro de 1927, já integrado no projecto da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, hoje Sociedade Missionária da Boa Nova, que surgiu, pouco depois, em Outubro de 1932, nos moldes que o grande missiólogo António Barroso idealizara.

O carisma da missionaridade do clero secular, não religioso, que se afirmara, em 1856, no Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim, foi-se libertando dos condicionalismos decorrentes do padroado régio e, com o apoio e a persistência de D. António Barroso, acabou por florescer, deste modo, numa Sociedade Missionária, em 1932, pela mão do Papa Pio XI. A Sociedade Missionária da Boa Nova (ou Missionários da Boa Nova) tem seminários em Portugal, Brasil, Angola e Moçambique, destinados à formação de missionários oriundos das dioceses daqueles países, e proporcionando às mesmas dioceses, condições para o desempenho do seu dever de missionação.

 

4 – Valorização da vida comunitária

Em 6 de Julho de 1897, o Núncio Apostólico em Lisboa, em carta que dirigiu ao Secretário de Estado, em Roma, referiu-se ao então Bispo de Himéria, como «muito amigo das Ordens Religiosas e particularmente dos Padres da Companhia», com quem convivera muito de perto em Moçambique, onde os Jesuítas tinham três missões exemplares.[309]

De facto, tinha em muito boa consideração as Ordens religiosas, portuguesas ou estrangeiras. Numa carta que enviou ao mesmo Núncio, datada de Meliapor, em 16 de Junho de 1898, relatando encontros que, na passagem por Roma, tivera com o Secretário da Propaganda Fide, M. Cabani, disse ter assumido a defesa dos esforços do Governo a favor dos missionários não portugueses, como os do Espírito Santo, porque vinham prestando bons serviços.

Não perdia oportunidade de conviver com as diversas Congregações, Ordens ou Institutos religiosos missionários, e com todos tentava aprender. Na viagem que teve de efectuar a Goa, em 1894, fez questão de parar em Dar-es-Salam, para visitar os Beneditinos e as suas obras de caridade e de ensino, e, em Zanzibar, efectuou uma visita à Congregação do Espírito Santo, para ver de perto o trabalho que estes missionários ali vinham desenvolvendo no campo da assistência.

Entendia que o tipo de missionário saído do Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim, não se afigurava o mais adequado às exigências das Missões do Ultramar português. Não havia coordenação no trabalho desenvolvido pelos missionários, faltava entreajuda e, sobretudo, sentia-se necessidade de uma retaguarda de apoio que assegurasse a continuidade do trabalho que cada um vinha desenvolvendo. Havia que garantir uma velhice digna, de forma que cada um pudesse empenhar a vida na missão e não se limitasse a cumprir o serviço mínimo obrigatório de 6 ou 8 anos de Ultramar. O modelo de Cernache privilegiava o individual e o particular, e, para melhorar os resultados da actividade missionária, havia que privilegiar o colectivo e o comunitário.

O seu secretário, depois biógrafo, Sebastião d’Oliveira Braz, escreveu que, à chegada à prelazia, «sujeitou o clero da cidade a um viver de quasi communidade».[310]

Foi por conhecer, por dentro, o valor da vida em comunidade, que acabou por apresentar uma proposta que viria, mais tarde, a alterar profundamente o recrutamento e a preparação do pessoal missionário português. Desde cedo, como vimos, pugnou pela criação de uma Congregação ou de um Instituto orientados para as Missões portuguesas ultramarinas. Ficou lançada a semente. A ideia seria amadurecida, como se escreveu, e deu origem à Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, actual Sociedade Missionária da Boa Nova, fundada em 3 de Outubro de 1930, pelo Papa Pio XI, por proposta do Episcopado Português.

Valores fundamentais numa vida comunitária, são o espírito de cooperação e o sentido de grupo. Pois o missionário Barroso, avesso ao egoísmo e ao individualismo, foi um construtor da unidade e um moderador de conflitos. Até ao fim. O tacto, a delicadeza, o respeito e a capacidade de ouvir e de decidir que revelou na procura de soluções para os dois problemas intrincados que o levaram a Meliapor, atestam bem estas suas qualidades. Carlos A. Moreira Azevedo publicou um interessante trabalho sobre esta etapa da sua vida missionária: «António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade».[311]

Outro valor básico da vida em comunidade, é o desprendimento dos bens materiais, e sobre esta faceta evangélica da sua vida, os testemunhos são incontáveis. Por exemplo, J. da G. Correia e Lança, que foi Secretário-Geral de Moçambique, testemunhou deste modo: «D’uma abnegação absoluta e d’um desprezo profundo pelas commodidades mundanas, sacrificava até os proprios recursos pessoaes a favor dos seus cathechisandos, em benefício do povo.»[312]

 

5 – Importância das Irmãs Missionárias e dos Irmãos Leigo

Na primeira conferência que proferiu na Sociedade de Geografia de Lisboa, o então Cónego António Barroso mencionou uma grave falta nos campos de missão: a de Religiosas. Recordou que abrira em São Salvador do Congo uma escola para raparigas indígenas e que a afluência às aulas superara todas as expectativas, mas sentira não ser possível ir mais além, em termos de promoção humana, sem o apoio das Religiosas. Referindo-se à falta do elemento feminino na educação da mulher africana, afirmou: «É indispensável uma Congregação de Irmãs educadoras. Sem elas, os resultados dos missionários serão sempre muito efémeros, pouco sólidos e não atacarão o mal na sua origem.»[313] Entendia que, por mais zelo que o missionário empregasse na educação da mulher, nunca conseguiria o que consegue a Irmã educadora.

Com o apoio das Religiosas missionárias, Moçambique conheceu as primeiras escolas femininas da sua história. «As Irmãs de São José de Cluny ministram uma instrução sólida e variada», escreveu.[314] O Instituto D. Amélia – o primeiro colégio feminino que se construiu em Moçambique, por iniciativa de D. António Barroso, quando da sua primeira visita a Lourenço Marques, em 1892 – estava a cargo desta Congregação religiosa. E, em carta que dirigiu ao Núncio Apostólico, em 24 de Fevereiro de 1893, D. António escreveu que o Instituto Leão XIII, então em construção, ficaria também ao cuidado destas Irmãs. Em ofício ao ministro do Ultramar, de 21 de Janeiro de 1896, refere-se à importância do ensino feminino, em Moçambique. Quando ali chegou, «na vasta extensão da Província de Moçambique, não existia uma única casa de educação feminina, quer para os que podem pagar a instrução, quer para os que não dispõem de recursos».[315]

O Padre Sebastião d’Oliveira Braz faz referência ao Instituto D. Amélia, «onde, a par d’uma solida educação, as creanças europeias do sexo feminino recebiam o ensino de bordados, linguas, pintura e musica».[316] Esta instituição, bem como o Instituto Leão XIII, que criou na Cabaceira, em frente à Ilha, eram a concretização dum sonho, para D. António. O mencionado Padre Sebastião, seu secretário, conhecedor, in loco, da situação, escreveu, sobre o Instituto da Cabaceira: «No elevado intuito de impedir, tanto quanto possivel, que as creancitas pretas do sexo feminino, que enxameiam na cidade de Moçambique, cahissem irremediavelmente no tremedal do vicio, aproveitando o ensejo que se lhe deparava favoravel na commemoração do quinquagesimo anniversario da sagração episcopal do inolvidavel Pontifice Leão XIII, a que a Prelazia moçambicense, por convite seu, se associou, pôde crear, mediante uma collecta feita nas parochias e missões e outros donativos arrancados á generosidade dos fieis pelo insinuante e caritativo Bispo, o Instituto a que deu o nome do immortal Pontifice, e estabeleceu-o na Cabaceira Grande, povoação fronteira á cidade de Moçambique.»[317]

Entendia também que as Missões precisavam dum outro elemento novo: o Irmão Leigo, lavrador ou artista, para ensinar princípios básicos de agricultura aos camponeses, ou para preparar artífices em ramos diversos. Estes irmãos leigos não deveriam formar um corpo à parte, mas viveriam em equipa com os padres, integrados numa Congregação missionária, com o seu futuro garantido, nas mesmas condições. Foi assim que, chegado ao Congo, instaurou o regime de comunidades de padres e auxiliares, experiência que, anos depois, levaria consigo para Moçambique, ajudando-o a resolver problemas graves de disciplina e de conduta moral que ali foi encontrar entre o clero. «Com três padres e três irmãos leigos podem fundar-se em África missões modelos», escreveu.[318]

 

6 – Ensino e formação da juventude

Desde a sua chegada a África, o missionário Barroso cuidou da instrução e da promoção humana dos jovens, como assunto prioritário. Assumiu o ensino como uma base para a sua acção evangelizadora: «Devendo ser dos primeiros cuidados duma missão religiosa, a instrução popular, tratámos logo de obter uma casa adequada para tal fim». Como também já referimos, nos anos que trabalhou no Congo nunca juntou um tostão, porque aplicava a côngrua que recebia no apoio a alunos carenciados.

Mais tarde, em ofício que dirigiu de Moçambique ao ministro do Ultramar, em Lisboa, escreveu:

 

É um facto sabido de todos, que entre as Colónias sujeitas à Coroa Portuguesa, Moçambique é a menos favorecida no importante ramo de instrução e educação.

Em toda esta vastíssima Província não existe um único instituto de educação, que mereça tal nome, para o sexo feminino, quer para indígenas, quer para europeias ou mestiças.

Em vista da carência absoluta de instituições desta ordem, foi um dos meus primeiros cuidados estabelecer uma Casa de Caridade e Beneficência, para as filhas desta Província poderem, sem terem de se expatriarem, adquirir uma educação sólida e profícua.[319]

 

As primeiras escolas que se criaram em Moçambique são, de facto, da iniciativa de D. António Barroso, como se escreveu. Em Julho de 1893, inaugurou o Instituto de Ensino Rainha D. Amélia, em Lourenço Marques, onde, como já citámos, «as Irmãs de São José de Cluny ministram uma instrução sólida e variada a todas as crianças daquela cidade que dela se quiserem aproveitar». Dois anos depois, inaugurou o Instituto Leão XIII, na Cabaceira Grande, junto à Ilha, como, a propósito, informou o ministro do Ultramar, por ofício datado de Lisboa, em 21 de Janeiro de 1896: «No dia 18 de Agosto do ano pretérito tive a satisfação de inaugurar na Cabaceira Grande, no continente fronteiro à Ilha de Moçambique, o Instituto Leão XIII destinado à educação de crianças do sexo feminino». E o educador pioneiro recorda que «Na vasta extensão da Província de Moçambique não existia uma única casa de educação feminina, quer para os que podem pagar a instrução quer para os que não dispõem de recursos. Os primeiros mandavam, portanto, muitas vezes com sacrifícios, as suas filhas para Lisboa, Cabo ou Natal, e os segundos viam-nas crescer órfãs de todo o mimo e instrução.»[320]

Escrevia, em ofício datado de 1 de Fevereiro de 1893: «É meu desejo que haja no novo colégio um número de lugares o mais largo que se possa, destinado a orfãs de pai e mãe, ou só dum dêles; outro para raparigas pretas e um terceiro para pensionistas.»[321] E, no mencionado ofício ao ministro do Ultramar, de 21 de Janeiro de 1896, cinco meses após a inauguração: «Há um grande número para a classe das crianças gratuitas, isto é, órfãs, abandonadas e pobres. O Instituto tem actualmente quinze (15), mas esse número deve ser elevado e muito, para que os benefícios da educação se estendam ao maior número possível.»[322] Com esta iniciativa desejava comemorar o jubileu sacerdotal de Leão XIII, o Papa das questões sociais, que tanto admirava.

Destes dois Institutos que criara, legitimamente se orgulhava. Eram os seus olhos. Sobre o fim que tiveram, com o advento da República, escreveu D. Francisco Ferreira da Silva que a um levou-o «uma vaga de tempestade. O outro passara à posse da Câmara Municipal de Moçambique».[323] E o Padre Braz registou assim: «Essas duas instituições, de tão fecundos resultados civilisadores, e alicerçadas em tantos sacrifícios, varreu-as uma rajada de jacobinismo estolido, logo apoz a implantação do actual regimen».[324]

Pretendeu criar colégios semelhantes noutros locais da Província. «Com pequeno dispêndio poder-se-iam multiplicar os institutos desta ordem, como já tive ocasião de propor para Quelimane, pedindo ao Governo de Sua Majestade apenas uma casa onde pudesse funcionar; não recebi, porém, até hoje, resposta alguma a tal respeito.»[325] Dava também grande importância ao ensino e à prática da agricultura. Escreveu, a propósito: «O primeiro cuidado das missões deve ser a agricultura; nunca será próspera uma missão que tenha de importar tudo o que consome. Disto tira logo três resultados capitais: aliviar as despesas, ensinar os hábitos de trabalho ao indígena, introduzir novas culturas e processos no país, que em pouco tempo serão seguidos pelo indígena, que é suficientemente observador, para tirar os corolários lógicos destas inovações.»[326]

Defendia que o meio mais adequado à formação dos rapazes africanos era «o internato bem dirigido»: «Ao lado da missão religiosa e da escola para rapazes, deve haver a escola para raparigas: não sendo assim, nós andamos a civilizar meia humanidade, mas escapa-se-nos a outra meia, quiçá a mais importante, pelo predomínio que tem na formação dos costumes». E aconselhava: «Criemos junto de cada internato de rapazes dirigido pelos missionários, o internato para raparigas, dirigido pelas Irmãs educadoras.»[327]

Esta preocupação com a escola e com o ensino doméstico da rapariga, é admirável, para um missionário oriundo de um país onde mais de noventa por cento da população feminina era analfabeta.

Como escreve o Padre Brásio, com algum humor, o missionário Barroso não pretendia fazer do Congo do século xix uma sociedade de «calcinhas», de sujeitos engomados e passados a ferro, óptimos para as estatísticas da ONU. Lutou pela formação de homens e mulheres capazes de se integrarem na realidade social e de colaborarem na sua transformação.

Revelando um profundo sentido de Igreja, a sua primeira preocupação foi sempre a população local. E este esforço de proporcionar instrução ao homem africano ia contra a política e a prática corrente do Governo, como já observámos: «É muito fácil afirmar que o preto é rebelde à instrução e ao trabalho, é um estribilho banal que à força de repetido parece um axioma, e é uma falsidade, mas é um pouco mais difícil criar-lhe escolas que justifiquem merecer tal nome, e instituições de ensino adequado ao seu desenvolvimento e modo de ser actual.»[328]

No relatório sobre a prelazia de Moçambique, datado de 2 de Maio de 1894, escreve, com realismo: «…o que era para desejar seria que os pequenos arsenais da província fossem escolas práticas de ofícios, onde o indígena, junto com a língua portuguesa, a leitura e as quatro operações, pudesse aprender um ofício pelo qual se emancipasse da miséria e da vadiagem em que vive, podendo prestar assim ao europeu e ao desenvolvimento da província, os melhores serviços». Pede livros em português, aduzindo o exemplo das Missões do Zambeze, que «ensinam por livros confeccionados pelos respectivos missionários em cafreal, o que de certo é magnífico para o ensino da doutrina, e tanto que a todos os missionários tenho recomendado com instância o estudo das línguas indígenas, que reputo essencial para o cabal desempenho da sua missão, mas que não são igualmente bons para texto de aulas, onde a língua oficial não pode deixar de ser a portuguesa».

Esta atenção ao ensino e à formação constituiu uma preocupação permanente, a diversos níveis. Quando bispo de Moçambique, tratou de mandar um dos seus padres estudar na Universidade Urbaniana da Propaganda Fide, por entender que era importante para a diocese dispor de um sacerdote formado em ciências eclesiásticas.

Anos depois, chegado a Meliapor, deu muita importância à instrução da juventude e à formação do clero, cuidando de organizar uma biblioteca no seminário e melhorando o plano de estudos. Criou a escola de Punicail e mandou construir alguns edifícios em Nazapatam, para escolas.

Mais tarde, um dos seus primeiros actos como bispo do Porto, foi criar no seminário diocesano, por Provisão de 20 de Setembro de 1899, uma cadeira de ciências naturais, área de conhecimentos a que muito recorrera em África. Ao criar esta cadeira, no seminário dos Carvalhos, escreveu: «Hoje mais que nunca, é necessario que os estudos feitos nos seminarios diocesanos estejam de harmonia com as tendencias do seculo, e que aquelles que lá se preparam e adestram para as lides do sacerdocio, quando deixarem a escola e emprehenderem a acção social, possam levar a luz […] Estudem-se estas sciencias de harmonia com os ensinamentos da Egreja e nomeadamente do Concilio do Vaticano no Const. Dei Filius, cap. Iv, De fide et ratione; tomem-se como norma os grandes trabalhos de sciencias naturaes apresentados nos congressos catholicos successivamente reunidos em Bruxellas, Paris e Friburgo.»[329] Ainda sobre a importância da formação dos seminaristas, afirmou na cerimónia da abertura do ano escolar no seminário do Porto, em Outubro de 1900: para que a «Igreja se faça sentir em toda a parte, para que ela se infiltre em todos os povos, em todas as latitudes, e até em todas as classes sociais, é necessário que haja ministros dignos, obreiros destros […]; é indispensável preparar soldados bem disciplinados».[330]

Em memória deste educador exemplar, o Ateneu Comercial do Porto instituiu um prémio de 10$00, para os alunos mais bem classificados.

 

7 – Trabalho e organização

«Homem extraordinário de acção», no dizer do Padre Brásio, foi diversas vezes elogiado «pela energia, pelo amor ao trabalho, pela dedicação corajosa», quer pelos superiores e pelas autoridades civis, quer pela comunicação social.

O seu colega dos anos da juventude, e depois seu secretário e ecónomo, Padre Sebastião d’Oliveira Braz, diversas vezes citado, porque o conhecia como nenhum outro dos seus biógrafos, afirmou que havia nele «uma vontade que nunca fraquejou, e faculdades de trabalho que nunca souberam o que era a fadiga, e só uma organização privilegiada comportava».

Um repórter do jornal O Comércio do Porto, que acompanhou D. António Barroso, em longas viagens pelo vastíssimo território de Meliapor, em carta datada da Índia e publicada em 8 de Março de 1899, escreveu rasgados elogios à sua capacidade de trabalho e de organização, ao seu dinamismo, à sua luta contra a burocracia: «Ainda aqui não está há dez meses e já montou dois orfanatos e regularizou as 100 escolas da missão, e isto numa crise económica aguda e grave. Trabalhador incansável, nisso podemos dizer que não tem igual, como prelado e como administrador: quer no santuário, quer na secretaria. S. Ex.ª Rev.ma é de uma actividade incansável e fecunda. […] Volta a casa e entra na secretaria para dar o expediente: decretos, informações, portarias, ofícios, um serviço extraordinário, mas que deve sair da secretaria com a data do mesmo dia da entrada, se não depender de informação prévia.[…] O Senhor D. António Barroso não sabe explicar (ou sabe-o demais) como se possa admitir que um presbítero espere meses e anos por uma informação para um benefício. Fanático pelo trabalho que o há-de prostrar, o Senhor D. António não sabe o que é o medo e o receio, senão pelo dicionário […].»[331]

Este «trabalhador incansável», cujas raízes assentam no mundo rural, aproveitou os últimos meses de vida para nos deixar uma reflexão sobre o trabalho nos campos: é a Instrução Pastoral sobre a crise agrícola e seu debelamento, de 25 de Abril de 1918. Tendo como pano de fundo o cenário de fome e de conflitualidade social que se vivia em Portugal naqueles anos difíceis do fim da I Guerra Mundial, D. António publicou aquela Instrução Pastoral, fazendo «um apelo muito comovido e instante aos agricultores», para que procurassem aumentar, nas suas terras, a produção cerealífera. Aproveitou para expor «o seu pensamento acerca de questões tão importantes como os preços dos produtos agrícolas e a ganância que muitas vezes lhe anda associada, os salários (na cidade e no campo) e a importância das associações de trabalhadores nas justas reivindicações salariais, os direitos e os deveres dos operários e dos patrões, o que entende por trabalho e o que é, no fim de contas, a questão social…»[332]

Esta Instrução Pastoral, publicada 27 anos depois da Encíclica Rerum Novarum e cerca de três meses antes da sua morte, reflecte o que pensava acerca do mundo do trabalho. «Ela é, mutatis mutandis, a adequação da Rerum Novarum aos limites geográficos da Diocese de Porto, naquele contexto temporal.»[333] Ali são abordadas questões quentes, como a «grave questão do salário» que, no campo e na cidade, deve ser proporcional com as necessidades da vida, mas não obtido com o recurso a sedições e violências, donde a necessidade de sindicatos e federações, para que os operários, «desprotegidos e isolados», não fiquem «inteiramente à mercê do arbítrio dos patrões», a quem lembra que «brada ao céu o pecado de não se pagar a quem trabalha o jornal merecido e justo».

O citado Padre Sebastião d’Oliveira Braz, que também acompanhou D. António em Remelhe, como secretário, durante o exílio, escreve que, naqueles anos de desterro, empregava «o tempo que lhe sobrava dos seus labores epistolares e officiaes em combater os rotineiros processos agrícolas dos seus conterrâneos, quer pelo conselho, quer pelo exemplo, ensaiando culturas novas, e esforçando-se por desenvolver entre elles o espirito associativo, tão útil á população dos nossos campos».[334] O interesse pelo desenvolvimento da agricultura vinha de há muito: o Cónego António Ferreira Pinto escreve que «as Escolas Agrícolas devem-lhe um grande impulso pela provisão de 22 de Outubro de 1905».[335]

O espírito associativo semeado por D. António na sua aldeia natal floresce nos dias de hoje. Em 14 de Novembro de 2005, constituiu-se uma Associação, com o intuito de criar em Remelhe um Centro Social, que tem como patrono D. António Barroso. Está erigido num terreno agrícola que foi pertença dos seus pais.[336]

 

8 – Respeito pelo homem e pelos seus direitos

Transparece dos seus relatórios uma grande preocupação com as populações nativas. Homem do povo, oriundo de um estrato social indefeso, mostrou sempre grande atenção pelos problemas do homem africano.[337]

Ainda no início da sua carreira missionária no Congo, analisando as causas da derrocada das antigas Missões, percebeu que a escravatura foi uma das causas principais daquele desaire. Entendia, naturalmente, que não era possível aos africanos acreditarem na mensagem de europeus que, no dia seguinte, os arrebanhavam como escravos. Escreveu que «o poder do exemplo fortíssimo seduz, arrasta. Os missionários pregariam, sem dúvida, que os homens eram irmãos, […] tratariam com carinho e bondade os seus súbditos […]. Ao lado, porém, do missionário que levava o verbo redentor à raça desprotegida, estava o comprador de homens, o que estrangulava os laços que prendiam o filho ao pai, e a mãe à filha, o despovoador da região, o destruidor de todos os afectos, o homem sem coração, que ganhava punhados de oiro vendendo aquele que a religião lhe dizia ser seu irmão.»[338]

Prosseguindo esta reflexão, na célebre conferência que proferiu na Sociedade de Geografia de Lisboa, afirmou: «O preto é, por índole, paciente, chegando muitas vezes a revoltar-nos as humilhações a que é capaz de sujeitar-se; como ainda mais nos revolta o nenhum sentimento generoso que anima o europeu que lhas inflige. A quantos morticínios temos assistido na África ocidental? […] Se alguém tem tratado com menos rigor o preto, somos com certeza nós, os portugueses.»[339] Está certo de que «os sentimentos nobres, a dedicação e o desinteresse não são exclusivo da raça branca, da raça civilizada».

Alguns anos mais tarde, já em Moçambique, na última viagem que efectuou ao interior do território, em Junho de 1895, teve conhecimento, como então referimos, do comércio de escravos que os árabes faziam para Zamzibar, e denunciou tais práticas esclavagistas.

Dois anos antes, na sua segunda viagem a Lourenço Marques, em observação que então anotou no diário, lamentava a exiguidade de salário que recebia o trabalhador preto. Muitas das notas que tomou nas suas viagens para o interior, exprimem inquietações semelhantes. Registou com mágoa os desregramentos e a desordem que observou no vale do Zambeze, e que enlodavam a vida social. Lamentou ver negros brutalizados, explorados até à crueldade pelos arrendatários a quem, por incompetência ou falta de meios, por vezes as autoridades militares portuguesas se subalternizavam. Escreveu que «muzungos e capitães-mores devoravam como cancros o país»[340] rico de recursos mas mal administrado. Criticou as «guerras ruinosas e quase sempre injustas» dos capitães-mores europeus. E escreveu, com indignação: «Esta Zambézia tem sido um pinhal da Azambuja, um covil de crimes que nos deshonram. É preciso terminar esta guerra e para isso pegar em muita gente que por aqui anda e pô-la em Timor. […] Nestas coisas o preto é, em geral, quem paga as despesas e são os muzungos que recolhem os proveitos.»[341]

Ficou, de facto, muito preocupado com o que viu e ouviu na Zambézia. O seu secretário, depois biógrafo, Padre Braz, escreveu, a propósito: «As sublevações dos pobres indigenas, provocadas quasi sempre pelos desmandos e incapacidade dos commandantes militares, obrigando a grandes despezas com expedições para as castigar e reprimir, poderiam evitar-se com dispendio muito menor, fundando e dotando missões religiosas […]. Nunca a violencia foi meio adequado a consolidar o reconhecimento perduravel d’uma soberania; e, por isso, os processos de colonisação, por nós adoptados, amarguravam sobremaneira a alma do bondoso prelado pela sorte do pobre preto, sempre victima da crueldade dos Cpitães-móres e Mozungos e do abandono moral e material a que tem sido votado pela mãe pátria.»[342]

D. António acreditava nas capacidades do homem africano, e, a este propósito, escreveu: «Sei que há muito quem negue à raça preta a faculdade de se levantar da sua degradação actual, declarando-a incivilizável; na minha opinião, nada há mais falso do que este juízo; o preto é hábil como os brancos, e eu poderia citar muitos exemplos para comprovar o que avanço. Todo o mal nasce do meio social em que vive. Se me derem vinte crianças pretas e vinte brancas para eu educar, segregadas umas e outras de todo o contacto externo à missão, eu prometo fazer dos pretos homens tão aptos, tão laboriosos e enfim tão honrados como os brancos.»[343] E acrescentou, a propósito: «O preto pequeno, nem é destituído de inteligência, nem é desobediente e perverso; pelo contrário, é dotado de boas qualidades, que brevemente perde, atendendo às circunstâncias em que vive».

Insurgia-se contra a ideia feita e bastante cómoda para muitos governantes de que o preto é rebelde à instrução e ao trabalho. Considerava tratar-se dum estribilho, duma falsidade, como acima citámos: «É muito fácil afirmar que o preto é rebelde à instrução e ao trabalho, é um estribilho banal que à força de repetido parece um axioma, e é uma falsidade, mas é um pouco mais difícil criar-lhe escolas que justifiquem merecer tal nome, e instituições de ensino adequado ao seu desenvolvimento e modo de ser actual. Enquanto a experiência se não fizer, eu pela minha parte, continuarei a acreditar que o preto é muito susceptível de aprender e de trabalhar, contanto que lhe facultem meios eficazes.»[344]

A preocupação pelo homem africano é bem patente também no enorme interesse que revelou pela etnografia africana. Um assunto a merecer um estudo aprofundado.

Bertino Daciano Guimarães conta, num breve trabalho que dedicou a D. António Barroso, em 1956, que este, quando bispo do Porto, comparecia com frequência a manifestações de arte, e que se comprazia em discutir com os artistas: «D. António visitou, um dia, por exemplo, a exposição de certo pintor decorador, e, reparando em que, num dos trabalhos, um preto havia sido colocado num plano muito inferior, voltou-se para o Artista e disse-lhe: O Senhor nunca conviveu com pretos!… Recordo com saudades os agradabilíssimos tempos que passei junto desses meus irmãos…e tantos encontrei de coração alvíssimo!»[345]

Na fase final da vida, legou-nos, como já referimos, um documento importante sobre o mundo do trabalho: Instrução Pastoral sobre a crise agrícola e seu debelamento (25 de Abril de 1918). Tendo como pano de fundo o cenário de fome e de conflitualidade social que então se vivia em Portugal D. António Barroso aproveitou para expor «o seu pensamento acerca de questões tão importantes como os preços dos produtos agrícolas e a ganância que muitas vezes lhe anda associada, os salários (na cidade e no campo) e a importância das associações de trabalhadores nas justas reivindicações salariais, os direitos e os deveres dos operários e dos patrões, o que entende por trabalho e o que é, no fim de contas, a questão social…»[346] Ali aborda, sem medo, questões quentes, como a «grave questão do salário» que, no campo e na cidade, deve ser proporcional com as necessidades da vida, mas não obtido com o recurso a sedições e violências, donde a necessidade de sindicatos e federações, para que os operários, «desprotegidos e isolados», não fiquem «inteiramente à mercê do arbítrio dos patrões», a quem lembra que «brada ao céu o pecado de não se pagar a quem trabalha o jornal merecido e justo».

 

9 – Humanismo

Bertino Daciano Guimarães narra um episódio divertido: numa «exposição, do pintor Sousa Pinto, na qual igualmente compareceu o venerando Bispo, este analisou tudo com o maior interesse. Ao aproximar-se de uma tela Camponesa Minhota, exclamou de braços estendidos e numa gargalhada de satisfação: – Gente dos meus lados! … E, perante a tela Estio, que apresenta um nu artístico, fez as seguintes considerações, após demorada análise: Tenho reparado que os pintores e os escultores de agora tentam exceder o Criador, na harmonia e elegância de linhas!… Tintoret, Rubens, Ticiano, Michel’Ângelo, e muitíssimos mais, trabalhavam com modelos de mais idade…»[347]

Dotado de bom humor, era um universalista: na geografia, na história, na zoologia, na botânica, na geologia, na antropologia e, ainda, na literatura e na arte, os seus conhecimentos e saber eram invulgares. Outra área que sempre o interessou foi a numismática, e legou à Biblioteca Municipal de Barcelos uma interessante e valiosa colecção de 1042 moedas.

Revelou-se ao longo da vida, um estudioso consciente e probo. Sebastião d’Oliveira Braz pôs em relevo os «predicados intelectuaes e moraes de D. Antonio Barroso» que explicam a «superioridade incontestada que elle usufruiu no meio dos seus contemporâneos». Acrescenta que «foi uma individualidade superiormente culta, e bastantemente familiarisada com os vários ramos do saber humano». «A perspicácia e agudeza do engenho, auxiliada por uma memoria feliz e fiel, permittiam-lhe ingresso fácil e franco em qualquer assumpto, quer fallando, quer escrevendo», afirma ainda Oliveira Braz. «Nunca escrevia os seus discursos, sem que por isso a ordem e sequencia das ideias ficassem prejudicadas». Nas mais diversas intervenções em que era convidado a intervir, revelava-se um sociólogo atento à realidade. «Era um panigirista do movimento associativo bem orientado, tomando parte activa na fundação, em Barcellos, de um syndicato agrícola, tendo annexa uma caixa de credito para os associados que a ella carecessem de recorrer. Abrilhantou com a sua presença a acto de inauguração do syndicato, e, apezar do extranho do assumpto, espraiou-se em considerações technicas, que deixaram o auditório surprezo e maravilhado. Nunca, como então, a sua palavra me pareceu tão suggestiva e cheia de bellezas. E isto deu-se a pouco mais de um anno antes do seu fallecimento.»[348]

Os políticos que com ele lidaram reconheceram-lhe os valores humanos: «Simpático, inteligente, habilíssimo e dedicado missionário, cujas qualidade já não sei encarecer», escreveu Ferreira do Amaral, então Governador-geral de Angola.[349] Alguns, como António Enes, recorriam à sua experiência, solicitavam o seu conselho. Era, de facto, um homem de muitos saberes e de interesses diversificados.

Ressalta dos seus escritos, particularmente dos seus relatórios, uma enorme curiosidade por diversos campos da antropologia. A atenção à cultura dos povos, dos homens concretos com que lidou, impressiona pela novidade e pela diversidade de temas. Recolheu informação sobre a origem e evolução dos diversos grupos que contactou, sobre os seus caracteres físicos e psíquicos. Revelou-se um observador atento dos homens, das suas tendências sociais, das suas relações com o meio ambiente, das suas práticas e produções. Apontamentos de natureza etnográfica são constantes. Recolheu usos, costumes, língua, religião, mentalidades, instituições de diferentes grupos com que lidou. Recolheu e descreveu, usando um estilo muito pessoal, com toques de ironia, recorrendo a metáforas e a outras figuras de estilo, revelando sempre originalidade e um notável poder de síntese.

Apesar das diferenças culturais, e das distâncias, em termos históricos e geográficos, uma série de circunstâncias sugerem uma comparação com Pêro Vaz de Caminha. Este autor da famosa carta a D. Manuel sobre o descobrimento do Brasil, na qual descreve a aparência somática e costumes dos índios, os métodos, interesses e experiências dos portugueses no contacto com os tupis, bem como a geografia, a fauna e a flora da terra, é justamente considerado o primeiro autor da literatura brasileira. Assim também cremos que D. António poderá ser considerado entre os primeiros autores da literatura africana de Angola/Congo. Haja quem estude e aprofunde a sua obra, numa perspectiva de literatura comparada. Um projecto original, a merecer um trabalho de aturada investigação.

Porém, mais que o talento, era a sua estatura moral que o impunha à admiração dos homens do seu tempo. «Possuia algumas condecorações […] nunca as ostentou em publico […] e, apesar de ser largo o seu convívio e innumeras as suas relações, pouca gente sabia d’essas mercês», escreveu Oliveira Braz.

 

10 – Civismo e relações humanas

Dando provas de grande civismo, o missionário Barroso tratava a todos com imenso respeito, independentemente da raça, da nacionalidade ou da posição social.

Afirmando por diversas formas que não bastava salvar almas, e que a preocupação básica do missionário devia ser cuidar dos homens, acabou por criar uma mentalidade nova, junto do povo: «Com uma orientação lucida do estado actual da civilisação, e com o criterio scientifico de que não basta salvar almas, mas que é preciso formar o cidadão, o Padre Barroso deu exemplos d’um civismo incontestável», testemunhou J. da G. Correia e Lança, Secretário-Geral da Província de Moçambique.[350]

Prova do civismo com que viveu e da lisura que incutiu nas relações, é que nas casas comerciais onde os indígenas levavam a vender os seus produtos, para se fazerem acreditar, juravam pelo Santíssimo Sacramento e pelo Padre Barroso. Muitas décadas mais tarde, por corruptela da linguagem, passou a jurar-se «pelo sacramento Padre Barroso».

Uma confirmação de que esta imagem de honradez e de lisura que tentou imprimir nas relações entre os homens, perdurou e se alargou à sociedade angolana, é a nota/moeda de 10 angolares, com a sua efígie, posta a circular em Angola, em 1947.

Homem de trato fácil e de boas relações, sempre teve bons colaboradores. Durante os anos em que se manteve à frente da prelazia moçambicana, os Jesuítas que ali haviam chegado uma década antes e alguns missionários de Cernache do Bonjardim, seus colegas, foram seus colaboradores preciosos. Um terceiro grupo, talvez menos bem preparado, era constituído por padres indianos de Goa. Com todos manteve uma boa relação, a todos elogiava e com todos contava na luta contra «o desleixo acumulado durante séculos». Apreciava também muito o trabalho das Irmãs de São José de Cluny a quem tratava por Irmãs da Missão.

A propósito destes seus colaboradores escreveu ao ministro do Ultramar, em 1893: «Tenho bons missionários nos padres de Cernache, nos da Companhia de Jesus, e até (sic) nos provenientes da diocese de Goa. Se V. Ex.cia se dignar mandar mais pessoal eclesiástico e as Irmãs da Missão, para a educação das raparigas europeias ou indígenas, e as Hospitaleiras para o serviço dos enfermos, parece-me poder afirmar a V. Ex.cia que esta Prelazia ressurgirá em pouco tempo do seu túmulo e que redimiremos em poucos anos o desleixo acumulado durante séculos.»[351] Os seus colaboradores sabiam que, apesar das boas relações que cultivava, era exigente. Com ele, as coisas tinham de mudar. Estava determinado a reformar hábitos e mentalidades.

Sabia acolher: «Tenho sempre a maior alegria em recolher na minha casa todos os padres, quer venham doentes ou em serviço, do interior ou dos portos quer da Índia ou de Lisboa», escreveu em Moçambique.[352]

Sempre procurou fomentar o bom relacionamento entre os que com ele colaboravam, conquistando a simpatia de todos. Foi assim que, para evitar atritos, quando soube que não regressaria à prelazia, cuidou de pedir a transferência para a Guiné de dois sacerdotes que estavam causando incómodos, e que poderiam vir a trazer problemas ao seu sucessor.

Homem de coração dócil, nas palavras do Núncio Apostólico em Lisboa, ao longo da vida acabou, naturalmente, por receber pequenas lembranças e diversos gestos de apreço. Os que mais o sensibilizaram terão sido dois que recebeu em Roma, na sua passagem para a Índia, como, em carta de 14 de Abril de 1898, escreveu ao Núncio Apostólico em Lisboa: «Vim (de Turim) muito sensibilizado […] porque o D. Rua me quis presentear com uma bela caixa de rapé, que serviu durante bastante tempo ao venerável sacerdote D. Bosco. E já que falamos em presentes e em contentamento, direi a Vexa. que o Santo Padre me ofereceu um belo cálice, que eu muito e muito estimo, por vir de tão alto».

O seu civismo e a simpatia com que, no dia-a-dia, lidava com as pessoas, granjearam-lhe grandes amizades. Testemunhando a estima que por ele nutria, António Enes, em 4 de Maio de 1895 convidou-o a passar com ele uns dias de descanso na sua residência da Ponta Vermelha.[353] O convite amável do autor de Os Lazaristas não pôde ser aceite, devido ao regresso de D. António a Portugal, por razões de saúde.

Sempre foi um cavalheiro nas suas relações. Na visita que fez à Niassalândia britânica, no prolongamento da ida ao Zumbo, conquistou todas as autoridades inglesas com quem contactou, não sendo ele propriamente um admirador dos métodos de trabalho daqueles.

Era claramente um homem novo este missionário que, na sua juventude, pertenceu, mais ou menos conscientemente, à chamada geração dos 70 – uma geração sensível à mudança. Era um homem de espírito aberto. Aceitava a diferença. Por exemplo, dizia-se português dos quatro costados, mas, numa época em que alguns políticos e escritores defendiam uma visão estreita do portuguesismo e do regalismo do Padroado, contrapondo-o à acção da Propaganda Fide, tomou a iniciativa de enviar um dos seus missionários de Cernache do Bonjardim para a Universidade Urbaniana da Propaganda Fide, em Roma.

Disponível para todos, em termos pastorais e de trabalho, era selectivo na escolha das suas amizades, não as procurando na sacristia. Em carta ao Núncio Apostólico da Santa Sé em Lisboa, referindo-se à morte do Conselheiro Henrique de Barros Gomes, escreveu: «Perdi o meu melhor amigo». E foi também para fazer um favor a este seu amigo e a um outro, dos tempos da juventude, D. Henrique Reed da Silva, que, como expusemos, aceitou a nomeação para Meliapor. Por este último, deu a face, até ao limite.

No regresso de Meliapor, nomeado bispo do Porto, seguiu para esta cidade, em 2 de Agosto de 1899, no comboio-correio, numa viagem que acabou por ser apoteótica. Para companhia, escolheu dois leigos, um militar e um jornalista, seus particulares amigos.[354]

D. António era um homem moderno e diferente. Mais tarde, alguns republicanos que se consideravam donos da modernidade, tentaram controlá-lo. Em vão. Mas manteve-se disponível para todos, com humildade. Quando, por ocasião da sua volta ao Paço de Sicais, um grupo alargado de cidadãos do Porto lhe preparou uma manifestação de apoio, D. António, quando dela tomou conhecimento, escreveu: «Nada de manifestações […] Como Bispo do Pôrto, tanto o sou de monárquicos como de republicanos. A todos abencôo, e por todos peço a Deus, nas minhas orações.»[355]

As suas excepcionais qualidades humanas, foram apreciadas e relatadas, entre outros, por um repórter de O Comércio do Porto, a que já fizemos alusão, e que o acompanhou durante algum tempo, em Meliapor. Escreveu uma crónica datada dali, em 19 de Fevereiro de 1899, dois dias antes da nomeação de D. António para o Porto (nomeação que já era pública, porque o Governo havia decidido propô-lo para aquele lugar, em 27 do mês anterior): bispo «de uma generosidade sem par […] é pobre e sê-lo-á sempre: aumentando-lhe a renda, só lhe dão mais o trabalho e o mérito de bem a distribuir […] Bondoso por índole […] trabalhador incansável, nisso podemos dizer que não tem igual, como prelado e como administrador; quer no santuário, quer na secretaria, S. Ex.ª Rev.ma, é de uma actividade incansável e fecunda […] é de uma magnanimidade de santo para levantar os que caem […] não sabe o que é o medo e o receio, senão pelo dicionário; não se importa de perder a vida.»[356] A confirmar esta coragem indomável, mais tarde afirmaria perante as ameaças de Afonso Costa: «Há duas coisas de que nunca hei-de morrer: de parto e de medo». Foi capaz, por si só, de tirar o sono ao Governo Provisório, como gostava de repetir o «santo» Padre Américo. «Santo e mártir» lhe chamaram também 14 párocos da cidade do Porto, num pergaminho notável que prepararam e pessoalmente lhe foram entregar, em 5 de Abril de 1911, deslocando-se, para o efeito, a Cernache do Bonjardim, quando já ali se encontrava desterrado por Afonso Costa.

Tão relevantes qualidades humanas e cristãs, não passaram despercebidas à sociedade civil, que lhe manifestou o seu apreço com a atribuição do Hábito de Cristo (1883), com uma portaria de Pinheiro Chagas (1885), com a Grã Cruz da Ordem de Na. Sra. da Conceição de Vila Viçosa (1886)[357] e com a Grã Cruz da Ordem de Cristo.[358] Sobre ele, Júlio Dantas, que o conhecera pessoalmente, afirmou ainda que era o maior cidadão do Porto no seu tempo. O próprio Afonso Costa que o condenou ao desterro, reconheceu as suas virtudes, no decreto que, para o efeito, mandou preparar: «Art.º 7.º – É concedido a D. António José de Sousa Barroso, antigo missionário português, em homenagem aos seus serviços no ultramar e às suas virtudes pessoais, a pensão vitalícia anual de 1200$000 reis […].»[359]

 

11 – Honradez e carácter

A honradez e a nobreza do seu carácter deixaram marcas nos povos do Norte de Angola, onde trabalhou nos primeiros oito anos da sua vida missionária, e ficaram, até, como referência naquela colónia. A nota/moeda de dez angolares, ali corrente em meados do século xx, parece comprová-lo, como referimos, a par com expressões correntes nos negócios, ao longo de muitas décadas, como «Juro pelo Santíssimo Sacramento e pelo Padre Barroso», «Juro pelo sacramento Padre Barroso», ou, simplesmente, «Juro pelo Padre Barroso».

Mons. André Aiuti, Núncio Apostólico em Lisboa, em carta para o Secretário de Estado do Vaticano, em seis de Julho de 1897, descreveu-o como um homem «de carácter doce e manso». Até Afonso Costa, que acabamos de mencionar, nos considerandos do decreto que condenou D. António Barroso, reconheceu que «é dotado de incontestáveis virtudes pessoais, que o impõem como homem ao respeito dos seus contemporâneos».[360]

Era um homem de carácter nobre e decidido, como sobre ele escreveu na Brotéria (1931), o Padre Serafim Leite, associando-o a D. João de Castro: «D. António Barroso faz lembrar D. João de Castro no tocante às qualidades de carácter nobre, decidido e leal, cremos que o herói antigo tem no herói actual da epopeia portuguesa uma projecção adequada e moderna. São ambos duas glórias puras».

Também D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, na comemoração do I Centenário do nascimento de D. António Barroso, em 5 de Novembro de 1954, em Remelhe, referindo-se-lhe afirmou que «entrou na galeria dos Almeidas, Albuquerques, Castros, Xavier e Britos, continuando com eles a prática daqueles feitos, tão dignos de memória, que não caibam em verso ou larga história – (Lus.X,71)».[361]

Sobre o carácter de D. António, Júlio Dantas, Presidente da Academia das Ciências de Lisboa, testemunhou, quando do seu falecimento: «D. António Barroso: O melhor exemplo que pode hoje apontar-se a uma sociedade sem virtudes e sem carácter».

Procedeu como homem de carácter, em todos os seus actos, ao longo de uma vida que não foi longa: «Homem recto, de carácter doce e afável, soube sempre cativar a estima dos seus diocesanos, quer em Moçambique e em São Tomé de Meliapor, quer no Porto, onde os seus súbditos o amavam imensamente», assim se lhe referiu, no momento da morte, o representante da Santa Sé em Lisboa. Aliás, nos dias que se seguiram à sua morte, toda a imprensa, em uníssono, destacou a grandeza e a nobreza do seu carácter, o seu sentido ético dos deveres e dos direitos, o seu espírito de desprendimento e de abnegação, nomeadamente O Comércio do Porto, O Primeiro de Janeiro, A Voz Pública, A Ordem, O Barcelense, Ilustração Católica, O Tripeiro, Política, etc.

 

12 – Prudência e simplicidade

«Rapaz prudente e inteligente, que daria um excelente bispo para esta diocese»: são palavras de D. João Sebastião Netto, bispo da diocese de Angola e Congo, em carta para o ministro do Ultramar, em 1883.

São várias as referências à prudência evangélica com que se conduziu na vida, o que torna mais difícil de entender como, em 1897, foi enredado por alguns clérigos e amigos, no episódio de contornos políticos a que fizemos referência.

Era um homem prudente e simples, um homem do povo. Por trás da imponência do porte, escondia-se um espírito simples, mas carismático, que a todos cativava. Era de estatura elevada, de amplo peito e vastos ombros, de face larga e grandes olhos, mas o que nele impressionava era a sua simplicidade.

Dizem os que com ele privaram, que conjugava bem a seriedade e a profundidade de análise das mais diversas questões, com a alegria com que olhava, por exemplo, um campo de lavoura bem tratado. Em Moçambique, quando foi conhecer Manica, em 1892, ao passar por Gouveia, antiga capital, apercebeu-se de que havia sido um erro mudar dali a capital, e anotou no seu diário: «O que me parece, ou antes do que estou certo, é que a intriga e as conveniências particulares entraram neste negócio mais do que os interêsses da nação», e acrescentou, com desalento: «É sempre assim…» Entretanto, na manhã do dia seguinte, entreteve-se a apreciar hortas e plantações feitas por soldados ali aquartelados, registando no mesmo diário: «Fiquei maravilhado!» Escavando nas suas raízes rurais, estendeu os olhos pela dilatada várzea, bem regada, e exclamou: «Que belleza de producções!». Era o homem do campo a pular na sotaina do bispo… Como escrevemos, mais tarde, durante o exílio em Remelhe, empregava parte do seu tempo a ensinar os agricultores da aldeia a combater os rotineiros processos agrícolas, quer pelo conselho, quer pelo exemplo, ensaiando culturas novas e estimulando o espírito associativo. Era um homem do torrão. Atento à vida, solidário com os homens, era também conhecido pelo seu bom senso, nunca permitindo que o solidéu funcionasse como um apagador. Cultivou sempre esta ligação à terra. Ao discursar em Barcelos, na inauguração do Sindicato Agrícola, afirmou que a terra era para as suas energias uma fonte de renovação, como o fora para Ateneu que, cada vez que queria elevar-se mais no espaço, primeiro baixava até tocá-la bem com os pés.

O seu apreço pelo povo da província, levou-o também, quando foi colocado na diocese do Porto, a iniciar as suas visitas pastorais pelas freguesias e povos mais afastados, de mais difícil acesso, como os das serras do Marão e da Gralheira.

Ainda como bispo do Porto, as Escolas Agrícolas devem-lhe um grande impulso, com a Provisão de 22 de Outubro de 1905, como já escrevemos.

A sua ligação à agricultura, ter-lhe-á sido útil para a observação cuidadosa que sempre gostou de fazer da natureza, como apoio à curiosidade científica que transparece nos seus trabalhos. Com toda a naturalidade e curiosidade, prestava atenção à produtividade dos solos, à hidrografia, à orografia, à fauna, à flora.

A curiosidade científica era nele natural. Nos apontamentos que foi tomando no diário, no decorrer das grandes viagens que fez em África, sobretudo em Moçambique, refere-se ao calor, à sede, à fadiga, à febre, ao ânimo com que ia socorrendo os que caíam desfalecidos pelas agruras da jornada, com a mesma simplicidade com que analisa os terrenos, os montes, os rios, a constituição das rochas, a organização e funcionamento das sociedades tribais com que contacta, o funcionamento ou desgoverno da arcaica máquina administrativa que gere a colónia.

Esta preocupação acompanhou-o desde o início, no Congo. Quando partiu para fundar a Missão de São Salvador, tinha claramente consciência da imensa projecção religiosa e política da tarefa de que fora incumbido. Vê-se pelos seus relatórios, que ia preocupado não só com a sua missão de padre católico, mas ainda com o contributo que pretendia dar para a exploração científica do Congo. Os seus relatórios de 15 de Julho de 1881, de 20 de Janeiro de 1884 e de 20 de Maio de 1886, bem como e sobretudo, o de 7 de Março de 1889, revelam um missionário activo e atento, um missiólogo eminente e um cientista perspicaz. Sobre estes, perfila-se um homem simples, em comunhão com a natureza e com os outros.

Era também um homem perseverante e paciente. Perseverança na adversidade e paciência no sofrimento, eram seus lemas de vida. Nas longas viagens que fez em Moçambique, nos anos de 1892 e 1893, tomou notas com muito interesse no diário a que temos feito referência. Com base nesses apontamentos e em alguns comentários dos seus biógrafos, apercebemo-nos das tremendas dificuldades que teve que enfrentar em África.

É difícil nos dias de hoje «aquillatar com exactidão as difficuldades, contratempos e canceiras, a que o viajante alli se expõe. Chuvas torrenciaes, calores caniculares, nuvens de mosquitos e outros insectos flagellantes, fugas e latrocinios de carregadores, escassez e pessima qualidade de aguas potaveis, precauções a tomar contra provaveis ataques de feras, cacimbos e humidades, de cuja nocividade uma barraca de campanha não preserva, são factores com que o viajante em Africa tem de contar; e o Bispo de Himeria, com o seu tirocinio do Congo, sabia bem ao que ia expôr-se.»[362]

Passou fome, dormiu ao relento, bebeu água de charcos, sofreu assaltos e febres, arrastou-se por vezes, por falta de dinheiro para consultar um médico. Em 2 de Outubro de 1892, ao atravessar as terras de Manica sentiu que o vulgar quinino que tomava não lhe conseguia controlar a febre do paludismo. Quis chamar um médico inglês da vizinha Rodésia, mas teve de desistir por não dispor das 25 libras que o médico cobrava pela deslocação.

Sofreu de contínuas doenças, sobretudo de paludismo, e chegou a passar fome. A 9 de Outubro de 1892, quando seguia a caminho da Gorongosa, perdeu a ametista do anel episcopal que lhe fora oferecido pela Sociedade de Geografia de Lisboa, e, nesse mesmo dia, triste, escreveu no diário: «passei fome».

O clima e as condições de vida envolviam um grande risco. Em carta datada de 17 de Abril de 1894, dirigida ao Conselheiro Barros Gomes, escreveu: «Desde que estou na provincia, isto é, há dois annos, entre mortos e inutilisados perdi dezeseis presbyteros, isto, n’um numero de missionarios muito restricto.»[363]

Apesar dos riscos, avançava. Apesar das febres e da carência de alimentos, mantinha o bom humor. Algumas notas do seu diário, registadas no decorrer das jornadas pelo interior de Moçambique, dão conta da boa disposição com que conseguia falar dos seus azares. Era um homem animado, determinado e rijo, autêntico homem do Barroso, pronto para enfrentar a dureza do clima e o isolamento. Antes dele, nunca algum bispo chegara ao Zumbo e ao Miruro, ou andara pelas proximidades do Niassa, ou demorara cinco meses seguidos no meio do povo.

Sofreu com a morte de companheiros de viagem, como o juiz de Quelimane que viajava com ele, e como os Jesuítas Pe. Loubière e Pe. Parrodin, que não resistiram à doença quando se dirigiam, pela primeira vez, para a Missão de Milange, numa altura em que D. António por lá andava numa grande visita pastoral.

Sofreu quando a República destruiu muito do trabalho que realizara em África, como o Instituto D. Amélia e o Instituto Leão XIII, as meninas dos seus olhos: «Essas duas instituições, de tão fecundos resultados civilisadores, e alicerçadas em tantos sacrificios, varreu-as uma rajada de jacobinismo estolido, logo apoz a implantação do actual regimen».

Dormiu ao relento. Doente, chegou a ceder a machila a um dos carregadores que julgou mais doente que ele. Era um homem atento ao sofrimento alheio, sensível à dor dos mais pobres e carenciados. Dos muitos exemplos possíveis, regista-se uma decisão que tomou, quando criou o primeiro colégio feminino do Norte de Moçambique, na Cabaceira: «É meu desejo que haja no novo colégio um número de lugares o mais largo que se possa, destinado a orfãs de pai e mãe, ou só dum dêles; outro para raparigas pretas e um terceiro para pensionistas.»[364]

 

13 – Bondade e caridade

«O povo, no seu instinto de verdade, chamou-lhe, desde logo, ‘O Pai dos Pobres’. E era verdade. Em sua casa faltaria talvez na mesa até o necessário; o seu vestuário muitas vezes denunciava pobreza, embora a mitra do Porto fosse considerada rica; mas para os pobres havia sempre esmola e palavras amigas […] por tudo e por todos se sacrifica, só de si se esquece.»[365] «Dos pobres e dos humildes fez os seus amigos de todos os dias.»[366]

«Nasci pobre, rico não vivi, e pobre quero morrer», escreveu no seu testamento.[367] De facto, viveu pobre, como testemunharam muitos. A. C., repórter de O Comércio do Porto, já mencionado, escreveu, em trabalho que enviou de Meliapor, datado de 19 de Fevereiro de 1899: «De uma generosidade sem par, S. Ex.ª Rev.ma é pobre e sê-lo-á sempre: aumentando-lhe a rendas, só lhe dão mais o trabalho e o mérito de bem a distribuir. As rendas da mesma mitra são dos pobres. (É) bondoso por índole […].»[368]

Um exemplo notável do seu desprendimento dos bens terrenos, e que ficou registado na memória do povo, foi a decisão de partir aos bocadinhos, com um alicate, o cordão que a sua mãe, lavradeira minhota, lhe oferecera quando foi sagrado bispo. À falta de dinheiro, foi-o repartindo pelos pobres, como recordou o conhecido Padre Américo, num testemunho onde afirmou que «a sua grande loucura está no amor aos pobres».[369] Outro exemplo, entre muitos, foi a doação à catedral de Meliapor, do cálice de prata que Leão XIII lhe oferecera, e que tanto estimava.

«Dai aos pobres, que Deus vos pagará cento por um», incentivou, na Pastoral de saudação à diocese do Porto. O Padre Conceição Couceiro, director espiritual do Seminário do Porto, conta que «um dadivoso capitalista desta cidade fez-lhe o donativo avultado dum conto de réis; decorridos alguns dias, já o último real se tinha escoado pelas mãos dos indigentes e infortunados, a ponto de o benfeitor proferir esta frase incisiva: – O Sr. D. António precisa dum tutor… Também é demais!»[370] «Se êle fosse o tesoureiro da pobreza, ninguém teria frio, ninguém teria fome à sua porta», dizia o povo. «Á sua caridade sem limites repugnava responder a qualquer solicitação que se lhe fizesse, com essa palavra terrível que, no dizer do grande Vieira, não tem direito nem avesso – o Não. Cedia sempre. A todos procurava sorrir […] A bondade era a sua força (ou fraqueza se assim se quizer). A bondade era o fundo estructural d’aquella individualidade, que só no bemfazer se comprazia.»[371]

Escreveu o Dr. Correia Pinto em a Ordem: «Inspirado pela caridade, que lhe abrasou sempre o coração, o Sr. D. Antonio Barroso resolveu fundar uma obra de assistência aos clérigos pobres […] Bem haja o Bispo dos pobres!»[372] O seu biógrafo Sebastião Braz, explica que «nunca se arreceiando da pobreza própria, temia-a pelo seu clero; e, no intuito de conjurar situações angustiosas aos seus cooperadores, lançou os fundamentos á Obra de Assistencia aos Clerigos Pobres, em Junho de 1916, e em documento de 18 de Janeiro de 1917 regulamentou-a e deu-lhe estatutos».[373] Ele próprio pertencia à Venerável Irmandade dos Clérigos Pobres. Um outro seu admirador, o Dr. Castro Meirelles, escreveu também no jornal a Ordem, dois anos antes da morte de D. António, que a figura moral deste se destacava pela bondade: «Quando precisarmos d’um símile perfeito que bem caracterise esta delicada flor d’alma – a bondade – temos de recorrer ao insigne Bispo do Porto […] A imaginação popular até já rodeou a sua personalidade com os delicadíssimos poemas da lenda».

De facto, D. António Barroso era, como escreveu Bertino Daciano Guimarães, «estruturalmente bondoso». Também Alves Mendes refere que «é a bondade em pessoa. Accessivel a todos, affavel e sempre egual para com todos […], é indulgentíssimo, e sabe realisar uma coisa que parece um paradoxo – a máxima brandura intimamente e ajustadamente conjugada com a mais inflexível auctoridade […] Presando por egual theor a auctoridade e a disciplina, é facil no indulto e suave na correcção.»[374] O Comércio do Porto, escreveu, na edição de 8 de Março de 1899, que D. António «é de uma magnanimidade de santo para levantar os que caem».[375] «Dir-se-hia que a modéstia, a generosidade, o desinteresse e a caridade fixaram em D. Antonio Barroso a sua morada».

Esta imagem de desprendimento, de bondade natural, de caridade constante, acompanhou-o sempre. Na entrevista de Ana Joaquina Senra, aqui diversas vezes aduzida, aquela vizinha de infância elogiava a bondade e a simplicidade do seu velho amigo, que se foram tornando lendárias: «Era o pai dos pobres», «onde se soubesse que ele ia pregar, toda a gente aparecia logo. E toda a gente dizia: ele é um santo», «falava com toda a gente e falava como nós», «comia caldo por tigela de barro, como nós. Comia um jantarzinho de maçãs, se não houvesse mais nada. Era assim um santo.»[376]

No seu testamento, feito mais para legar ensinamentos do que bens, escreveu: «De todo o coração e deante de Deus perdoo a todos os que voluntariamente me offenderam». Era dotado de um coração magnânimo este heróico combatente de grandes causas.

Missionário em três continentes, o primeiro e o maior missiólogo português, figura insigne da história da Igreja missionária, personalidade carismática de Portugal contemporâneo, D. António Barroso foi e é, na expressão de António Brásio, «o homem do futuro, do seu tempo e da sua missão».[377]

 

 

IV PARTE

 

BISPO DO PORTO

(20-5-1899 – 1-8-1918)

D. Carlos A. Moreira Azevedo


BONDADE DO PASTOR ATENTO

Por morte do Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos Silva (21-1-1899), o Núncio Andrea Aiuti enviou ao Secretário de Estado do Vaticano informações sobre o que constava relativamente ao seu sucessor: o Rei e a Rainha D. Amélia[378] prefeririam o Bispo do Algarve, D. António Mendes Belo, e António Barroso viria para Faro; o Presidente do Conselho e o Ministro da Justiça inclinam-se para o bispo de Coimbra ou de Mitilene, com dança de várias cadeiras.[379] Passados três dias, a informação para a Santa Sé transmitia o crescente peso do bispo de Coimbra como candidato ao Porto, no que o Núncio discordava, por considerar a necessidade de um bispo mais fresco e dinâmico, não obstante o excelente trabalho realizado pelo Bispo de Coimbra, já com 69 anos. Prevê mesmo que parte da diocese do Porto não acolhesse bem a nomeação. Faria sentir ao Governo a sua opinião.[380] A escolha de D. António Barroso fica a dever-se muito à intervenção do Núncio, que a comunica ao Secretário de Estado por telegrama de 27 de Janeiro de 1899.[381] É com a alegria de quem acertou que o Núncio transmite o ambiente de acolhimento da nomeação: «[foi] acolhida com entusiástica satisfação pelo clero e pelo povo, bem como pela imprensa toda. Este Prelado terá uma entrada triunfal no Porto, quando para lá for. Tem justificada fama de ser homem apostólico, eclesiástico destemido e cheio de zelo e bispo que apoia e ajuda qualquer instituição. É inteligente, de boas maneiras e fala bem em público[382]

  1. António Barroso é nomeado em 21 de Fevereiro de 1899 e confirmado no consistório de 20 de Maio, sendo emanada a transferência por Bula de 23 de Maio de 1899. A notícia da nomeação ronda mesmo o exagero ao afirmar que «o novo bispo do Porto tem qualidades de talento e virtude, que podem ser igualadas mas não excedidas, porque ninguém ainda nobilitou nem engrandeceu mais o nome português lá fora do que o Senhor D. António Barroso; ninguém levou o evangelho mais longe, ninguém semeou mais a boa doutrina da cruz».[383]

O novo bispo tomou posse em 24 de Junho[384] e entrou, triunfal e solenemente, na diocese da invicta em 2 de Agosto. A brilhante recepção demonstra o conhecimento de vinte anos de evidente dedicação e capacidade para grandes empresas. Saiu de Lisboa às dez e meia da noite do dia 1 de Agosto. «Foram despedir-se o Conselheiro Germano de Sequeira, Cón. Castello Branco, Simões Mergiochi, João Caetano de Almeida, Dr. Luís José Dias, José d’Alpoim, Conselheiro José Luciano de Castro, o Ministro do Reino, Eduardo Villaça, o Ministro da Marinha, Afonso Espregueira, Juiz Veiga, Dr. Eduardo Burnay, muitos sócios da Mocidade Católica, muitos funcionários públicos e numeroso clero.»[385] Este elenco evidencia o carácter nacional desta personalidade, que foi acompanhada pelo Tenente-coronel José Fernandes de Sousa, o conhecido Nemo, redactor principal do Correio Nacional e o redactor do Repórter, Petra Vianna.[386] Em Coimbra houve, na estação, um acolhimento muito caloroso. Alguns professores da Universidade entraram mesmo no comboio para acompanhar o bispo até ao Porto: os lentes de Teologia: Francisco Martins e António Ribeiro de Vasconcelos, os de Filosofia: Sousa Gomes e Gonçalves Guimarães, Dr. Arzila da Faculdade de Matemáticas e Dr. Dias da Silva, da Faculdade de Direito. Ao longo do percurso, em várias estações, era cumprimentado e diferentes personalidades se associavam à comitiva. Na estação de Estarreja tomou a palavra o Vigário da vara, P. António de Azevedo Maia, ao qual respondeu o bispo. Seguiu num trem para o Hotel Matos para descansar, foi visitar o edifício da Câmara e regressou ao hotel onde foi servido o almoço pelas 10 horas da manhã. Abriu os brindes o Vigário da Vara da Feira. A filarmónica da Murtosa animava com música o ambiente de festa, acompanhado de foguetes. A cena repetiu-se em Avanca, Ovar, Esmoriz, Espinho, Granja, Gaia. O acolhimento foi entusiasta, como os jornais da época relatam pormenorizadamente.[387]

Chegado ao Porto foi aclamado por toda a população com suas autoridades. Recebido em Campanhã, encaminhou-se para a Igreja de Santo Ildefonso, em trem tirado a cavalos brancos, seguido por 130 carruagens e um esquadrão de cavalaria 7, que fazia a guarda de honra. Às quatro e meia da tarde, em Santo Ildefonso se organizou o cortejo que desceu a rua de Santo António e subiu a rua do Loureiro até à Sé. Logo à saída da Igreja de Santo Ildefonso o Presidente da Câmara, João Baptista de Lima Júnior, saudou o bispo em nome da cidade, cumprindo «gostosamente» «velhas praxes». Falou da liberdade, uniu esse valor aos valores companheiros da paz e do amor. O «missionário sincero e modesto» respondeu dizendo: «Eu saúdo […] a cidade do trabalho, da grande indústria e do grande comércio; saúdo-a no seu passado, no seu presente e no seu futuro; no passado, por haver combatido em prol dos direitos do povo; no presente, pela sua riqueza e actividade, pela sua vida intelectual e física; no futuro, porque vê no povo o mantenedor das suas tradições e porque ele ama a liberdade e a expansão da religião, que se manifesta em tantas instituições de caridade.»[388]

O cortejo só entrou na Sé às seis e quarenta. As manifestações de entusiasmo revelaram a admiração já granjeada. Disse quem viu que «acolhimento tão vibrante de entusiasmo e tão caloroso nunca se fez».[389]

Um ano mais tarde, António Barroso haveria de agradecer, em carta pastoral, este «cativante acolhimento». Já sabia que «o Porto é cidade que prima sempre no garbo e bizarria com que sabe acolher e tratar os que no cumprimento de deveres espinhosíssimos a ela se vêm acolher».[390]

Também a Câmara de Barcelos organiza uma homenagem. Deixemo-nos guiar pela pena saborosa de outro Servo de Deus, o P. Américo Monteiro de Aguiar:

 

O Senhor D. António, Missionário da África, foi o homem do seu tempo. Encheu a História. Coisas pequenas tornaram-no um gigante. De uma vez, também em Barcelos, a Câmara de então quis prestar-lhe as honras de haver sido transferido do Ultramar e feito Bispo do Porto, tendo-o detido numa sessão magna, antes de ir a Remelhe ver a Mãe.

Começam os oradores. Nisto, o festejado olha. Pareceu-lhe ver ao fundo alguém conhecido… Tornou a olhar. Não há dúvida. Era ela. Levanta-se. Abre caminho. Há o encontro. Toma-a consigo. Regressa ao estrado. Fá-la sentar na sua própria cadeira. Acabou a sessão. Estava tudo dito.[391]

 

1. Místico de olhos abertos: o conhecimento da realidade

Feito o acolhimento festivo, depois de um curto período de férias no Gerês para, no retiro, desenhar o seu projecto, o Bispo não tarda em agir como pastor zeloso. As provisões e as vinte e oito cartas pastorais são recheadas de doutrina, alimentam o dinamismo das instituições diocesanas e despertam a fé ou impelem a uma caridade mais evangélica. É um pastor vigilante e bondoso, que não arrasta problemas, antes os enfrenta, não exige o impossível, mas desafia a uma renovação permanente.

Ainda estava recente a sua vinda e o Embaixador de Portugal junto da Santa Sé, Dr. Miguel Martins Dantas, vem a Portugal sugerir ao Governo a nomeação de D. António Barroso para cardeal nacional.[392]

Muito longe destas diplomacias dos bastidores, António Barroso trabalhava incansável, como sempre. Já a 27 de Julho de 1899 tinha dirigido aos diocesanos uma determinante carta pastoral.[393] A pastoral de saudação foi datada de Lisboa, na residência de Santa Marta. Por ser verdadeiramente programática damos-lhe especial realce.

D. António apresenta-se como «pai espiritual», atento a todos os erros, vigilante de doutrinas e exemplo instigador de todas as virtudes. Recorda especialmente a memória do Cardeal D. Américo, seu antecessor. Aconselha uma fé acompanhada de boas obras e elogia a diocese pelas iniciativas no campo da caridade. Diz-se «disposto sempre a aliviar a miséria dos que sofrem e a levar a esperança cristã a tantos que se perdem nas trevas do erro e do vício, pressuroso em avivar caridosa e instantemente muitos dos que dormem serenos na orla do abismo».[394] Esta é uma atenção a que Leão XIII tinha dado resposta no primeiro documento da doutrina social da Igreja.

Outra característica sublinhada nesta saudação programática é a insistência na «firmeza e constância na fé», em tempo de agitação de ideias contrárias. Assim se exprime: «Ah! Quanto seria para desejar que os católicos tivessem tanta franqueza, tanto desassombro e sinceridade em professar publicamente a sua fé, quanta vanglória e audácia têm os inimigos em a atacar e escarnecer!»[395]

Elogia a cidade: «Nenhuma cidade do reino lhe pode disputar primazias: associações, conferências, institutos, tudo tem saído da vigorosa iniciativa de propaganda; misericórdias, asilos, orfanológios, cooperativas, tudo tem nascido, crescido e dado frutos óptimos.»[396]

Por isso, pede às confrarias, irmandades e associações: «Continuai a cruzada santa do bem, ensinando os que não sabem, enxugando lágrimas, aliviando misérias, levantando abatimentos, amparando infelizes, dando sempre em nome de Deus o pão do corpo e do espírito.

Dai aos pobres, que Deus vos pagará cento por um, ide ao tugúrio da miséria salvar a pobreza e ao antro do vício remir desgraçados […].»[397]

Ao terminar revela a largueza de um coração simples, verdadeiro pastor e pai, «sincero, leal e dedicado». «Fiéis da nossa diocese, eu vos saúdo e vos peço que me ajudeis a dar conta de servo fiel ao Nosso Salvador e Juiz Supremo. Podeis crer, filhos caríssimos, que o Paço do vosso Bispo há-de ser o refúgio dos vossos males. E permita Deus que para todos os males Nós possamos dispôr de remédio e lenitivos, como para todos procuraremos ter consolações de pai.»[398]

Citando estas palavras o historiador seu contemporâneo, Fortunato de Almeida, comenta do seguinte modo: «E assim foi. As portas do Paço estavam sempre abertas a todos que ali eram recebidos sempre com efusões de bondade. Dificilmente se poderá citar um bispo que fosse tão amado dos seus diocesanos como D. António Barroso foi amado no Porto[399]

Como não se pode repousar nas aclamações do acolhimento caloroso, uma opção clara está, no seu programa, desde o início: conhecer a realidade da diocese. A atenção permanente à realidade concreta é uma dimensão surpreendentemente eficaz neste homem de Deus. Herdou da sua origem rural uma capacidade para atender à vida e recebeu nos estudos o discernimento das estruturas. Tinha sido assim nas missões, como ficou patente nos seus preciosos relatórios, e será agora na nova tarefa. Antes de mais, preocupa-o o conhecimento da diocese. Ao conhecê-la vai atacar alguns problemas, tais como a instrução religiosa, vai intervir nas questões sociais, demonstrar sensibilidade ao dinamismo eclesial, e dar a lição corajosa da vida.

Idêntico zelo demonstrado em terras de missão está agora patente nas visitas pastorais[400], promovidas com determinação, e nas instruções escritas, com que frequentemente orienta os fiéis.

Um ano após a sua entrada, portanto a 2 de Agosto de 1900, anuncia que iniciará a visita pastoral, dando seguimento a um dever dos bispos, revalorizado e obrigatório a partir do Concílio de Trento, no século xvi. Era um trabalho medonho para a vasta diocese do Porto. Ao dar início a essa fatigante e para ele habitual e imprescindível tarefa, quis começar pelas paróquias mais distantes e menos acessíveis do Marão (Amarante) e da Gralheira (Cambra). Não poderá concluir tal desiderato no decorrer do seu episcopado, uma vez que foi interrompido pelos anos de exílio.

Tão gravado estava em António Barroso o cumprimento deste dever que sente necessidade de justificar as motivações porque ainda não o iniciou. Foram elas: tomar conhecimento directo da administração da diocese; ocorrências extraordinárias da cidade; serviços públicos para bem do Padroado; a necessidade de cuidar da saúde abatida pela missão anterior.[401]

Previne que não vai fazer a visita na «sublimidade de estilo ou de sabedoria». Com base paulina (1 Cor. 2,1-2; 5, 12; Ef. 2,14·19), demonstra preocupação privilegiada para com os que andam longe «por erro de inteligência ou por ensinos heterodoxos». Aponta causas deste afastamento da «Mãe carinhosa»: «prejuízos da educação; a irreflexão com que por vezes se tractam os negócios mais importantes e entre estes o culminante e que a todos sobreleva, o da eterna salvação; o mal entendido; os equívocos provenientes muita vez de uma paixão desmedida; talvez não poucos interesses inconfessáveis ou quedas lastimosas».[402]

É esta vontade de trazer todos ao caminho da reflexão que o leva a referir-se aos protestantes e com estes termos: «nossos irmãos separados da ortodoxia católica». Pede-lhes que recebam estas palavras como um chamamento ditado pela caridade.[403]

Está convencido do valor insubstituível das virtudes cristãs para educar e preparar «gerações másculas, cidadãos honestos e prestantes em todos os ramos da actividade humana». Para isso dirige-se a todos «indistintamente» «com o mais entranhado afecto» e pede que o ajudem para o florescimento do bem e para a correcção dos maus costumes.[404]

Na visita vai procurar indagar se os párocos são elementos «preservativos e depurantes da sociedade». Verificará se as crianças são instruídas na doutrina cristã, como é pregada a palavra divina, se são zelosos na celebração dos sacramentos e promovem com diligência obras de devoção, se cuidam do culto. O Sacramento da Confirmação será dado nas visitas e os párocos devem «doutrinar» os fiéis para estarem preparados.

Irá «com espírito de caridade e mansidão», seguindo os «ditames da prudência» ver «se tudo está bem disposto e corre prosperamente».[405]

À medida que toma conhecimento da realidade desventra as raízes do mal e aponta remédio urgente.

 

2. A instrução religiosa e a pregação, prioridade pastoral do orador exemplar

Uma das grandes preocupações, patente nos seus escritos, é a necessidade da instrução religiosa. Desde 1905 até 1909, os apelos nesse sentido sucedem-se a ritmo apertado.

O missionário habituou-se à descrição da situação, nua de adereços. Assim acontece na Pastoral de 1906: «Uma vasta e universal conspiração se tem formado contra Deus e contra a sua Igreja; todos os dias observamos com dor o avolumar dos que no livro, no jornal, na conferência, por palavras e por acções, combatem com fúria indómita tudo o que Deus ao homem se dignou revelar e à sua Igreja confiou em sagrado depósito para a salvação das almas e felicidade das sociedades».[406]

Manifesta a tristeza por verificar que «muitos dos que se enfileiram no exército da Igreja, em vez de a defenderem com o entranhado amor com que filhos devem defender sua extremosa mãe estes realizam boas intenções em assuntos fúteis e até inconvenientes, ou malbaratam a utilidade e energia em ridículas vaidades e emulações mesquinhas».[407]

E para que os leitores não pensassem que a falta de instrução era «imaginária e fantástica» quando referida a este canto do mundo, declara com frontalidade e clareza: «nesta terra portuguesa medra e faz estragos um encarniçado inimigo da Igreja de Deus, inimigo que é preciso vencer e aniquilar. É a ignorância religiosa».[408]

Desta realidade não lhe interessam tanto as causas, mas sobretudo o antídoto imediato. E logo traça a ordem e prescreve o remédio para o inimigo: «é indispensável, pois, à custa de todos os sacrifícios adelgaçar trevas, derruir preconceitos, dissipar suspeitas e sobretudo exemplificar pela prática das virtudes, pelo exercício da caridade e pela manifestação […] do espírito cristão que é generoso, sofredor humilde e compassivo».[409]

Várias são as direcções pastorais que aponta António Barroso para remediar tão grande falta de instrução: a catequese, a pregação, a qualidade dos pregadores.

A estes temas dedica as pastorais de 1905 (tanto a quaresmal como a do Dinheiro de São Pedro, 20 de Outubro de 1905). Curiosamente, no meio das duas, o Papa Pio X publicou, a 15 de Abril, uma encíclica sobre o tema. Evidencia-se a consciência eclesial e a visão antecipada das questões fundamentais.

Em ordem à pregação oferece aos padres o programa, através do elenco dos capítulos fundamentais: «o símbolo e o decálogo, os preceitos da Igreja e os sacramentos, as virtudes, os deveres particulares, os novíssimos e outras grandes verdades eternas».[410]

Ordena que estes assuntos não sejam substituídos por discursos «ocos de doutrina», só para «atrair renome que ambicionam». Pede aos pregadores sermões capazes de ultrapassar as palavras persuasivas e sejam antes modelos de piedade, unção, espírito e virtude.[411] «A sua eloquência, posto que brilhante, é necessariamente lânguida e fria, pois é privada do fogo da palavra de Deus.»[412]

A este propósito conta o director espiritual do Seminário do Porto que ouviu ao Servo de Deus este desabafo: «P.e F… o nosso povo é o mais ignorante da Europa, em matéria religiosa! Pode crê-lo… e sabe qual a causa principal de tão crassa ignorância? – É o púlpito, que de há 50 anos para cá, em vez de ministrar o páblo da instrução religiosa aos fiéis, está convertido em tribuna académica, donde se espargem flores de retórica sobre os ouvintes; é uma verdadeira calamidade.»[413]

Em ordem a combater a ignorância exorta os pastores ao dever da catequese: «a catequese é a base sobre que deve assentar todo o edifício religioso para ficar solidamente construído e não cair ao mais leve vento que se levantar».[414]

Dirige-se aos pais de família para que sejam corresponsáveis na educação cristã dos seus filhos, desde a mais tenra idade. Cita o exemplo da mãe dos Macabeus.

Mas, já então, não se fica pelas crianças. Assim escreve na Pastoral de Novembro de 1906: «como neste nosso tempo os adultos não necessitam menos instrução religiosa do que as crianças, todos os párocos e outros curas de almas, além da costumada homilia sobre o Evangelho, ensinem a doutrina cristã aos fiéis em linguagem fácil e ao alcance deles».[415]

Vai no mesmo sentido o apelo que faz a favor das escolas católicas. Na Pastoral de 21 de Novembro de 1907[416], cria uma comissão para receber donativos, chefiada pelo Cón. Dr. António Bernardo da Silva. Na generosa cidade do Porto aponta duas instituições congéneres: «Escolas de Jesus, Maria e José» e as «Escolas Católicas». «Nada nos inspira tanta compaixão como ver, no pélago da ignorância e do desconhecimento do dever, crianças que falecem para o progresso moral e para a honra da Igreja e da nossa Pátria à míngua do pão espiritual, que alimente as suas almas e forme o seu carácter.»[417]

O apelo haveria de ser correspondido, como se vê no agradecimento que faz na pastoral seguinte.[418] Uma vez que «o ensino é primacial entre as obrigações do sacerdócio católico»[419] dá indicações específicas sobre o modo de ministrar o ensino pastoral: a exposição deve ser clara e a comprovação convincente, para impressionar os ouvintes; o tratamento que convém é nobre e vivo, «popular e edificativo» de modo a gerar comunicação, mas sem chegar à «linguagem rasteira e menos ainda grosseira», antes usando de «delicadeza e polidez»[420]; a doutrina inflama-se no zelo pela salvação das almas, capaz de «destruir erros, corrigir vícios e guiar os pecadores»[421]; não deve ser um modo de ostentação para alcançar fama, mas desempenhar-se com cunho de desinteresse pessoal; a eloquência adequada é a comovida pelos sentimentos de profunda piedade, porque à «persuasão do espírito» deve juntar-se a «convicção do coração»[422]; deve-se usar linguagem simples, à maneira de Jesus, bebida nas fontes da Escritura, Santos Padres e Concílios[423]; os ensinos sejam revestidos de popularidade nobre, elevada, grave, majestosa, simples e polida. É fundamental ensinar «de modo a não perder a graça da humildade».[424]

A urgência de combater a ignorância e o erro faz de D. António Barroso um convicto defensor da qualidade da pregação. Aos pregadores recomenda «que não se devem pregar a si próprios, mas a Jesus Cristo crucificado».[425]

Ferreira Pinto, que comenta «acontecimentos que eu presenciei, lições que ouvi, histórias dos meus dias», adjectiva esta dimensão do Bispo missionário com o termo de «sugestivo» e refere que a «eloquência natural, espontânea, persuasiva, atraente e convincente» marcavam o género do seu discorrer, em momentos solenes ou normais da vida de um Pastor. Júlio Dantas aprecia as qualidades oratórias com estas significativas características: «Transfigurava-se. Tinha eloquência chã, persuasiva e veemente do missionário. A sua palavra, como dizia Hanotaux, era uma convicção em marcha. Prolongava estridentemente a ultima syllaba de cada phrase, fazendo-a vibrar como um clarim. Os seus efeitos oratorios, de uma singeleza dominadora, impressionavam.»[426]

O seu biógrafo classifica os dotes do missionário, declarando: «A perspicácia e agudeza do engenho, auxiliada por uma memoria feliz e fiel, permitiam-lhe ingresso fácil e franco em qualquer assunto, quer falando, quer escrevendo[427] Tinha a palavra fácil, mesmo não sendo um tribuno. Além de um conversador encantador entre amigos, em público transmitia mensagens oportunas com clareza e admirável concisão, arquitectava com ordem e sequência a intervenção sem recurso a apontamentos ou tópicos. A encerrar sessões ou saraus conquistava o auditório pela capacidade de síntese e felicidade sugestiva que retirava ao que ocorria. Um jornal do Porto retrata esta característica, no dia da sua morte: «tinha a eloquência natural que vem do coração aos lábios, que a retórica convencional não ensina e que brota com a espontaneidade de um sentimento profundo de alma emocionada».[428]

Exercia, com aplicação extraordinária, a lucidez da sua inteligência na comunicação do seu pensamento perante qualquer tipo de auditório. É geral o reconhecimento da sua eloquência.

A forma como anunciava o Evangelho e apelava à conversão era «quente e afectuosa».[429] O segredo do seu sucesso de orador brilhante estava na riqueza do coração solto através das palavras expressivas, da forma cativante e do gesto adequado. Quando discursava abria os braços revelando a amplitude do peito e a vastidão dos ombros, em sublinhado gesto destemido. Os olhos grandes, em larga face, brilhavam em pupilas saltitantes para emprestar ênfase ao discorrer das ideias, ao fluir autêntico de palavras acentuadas pela vibração religiosa que arrebatavam e prendiam. Era, como afirma Ferreira Pinto, «toda a pessoa – entusiasmo, calor – porque falava o coração cheio de amor missionário e patriótica».[430] Esta arte de manejo das palavras coligava-o António Barroso ao serviço da pregação. Barbosa Leão enaltece as suas qualidades de orador enérgico e brilhante, capaz de cativar auditórios variados. Conta que o ouviu em Lourdes, a discursar perante três mil portugueses, e declara: «Como elle soube inflammar os corações no sentimento religioso! Como soube enaltecer a sua patria no meio de estranhos!» Outros exemplos destes dotes podem ser referidos. Na Capela da Universidade de Coimbra, em 24 de Novembro de 1895, motivado pelas vantagens das tropas portuguesas na África Oriental, antes do solene Te Deum, oficiado pelo Decano da Faculdade de Teologia, Luís Maria da Silva Ramos, subiu ao púlpito o Prelado de Moçambique, de visita ao seu amigo Doutor Francisco Martins. Impressionou e empolgou o auditório. A palavra fácil, a tonalidade amena, a expressão correcta e singela fez vibrar os estudantes que se manifestaram no final da celebração com uma «ovação indiscritível». O jornalista de A Palavra confessa: «nunca vi coisa semelhante, nunca espero ver uma scena tão comovedora».[431] Usa da palavra em Lisboa (10-7-1897), aquando da morte do Bispo de Cochim, D. João Gomes Ferreira, falecido em Pangim (4-5-1897).[432] Surge como intérprete da alma nacional, perante o Rei e as forças vivas da Nação, nos Jerónimos, em Lisboa, quando profere (13-12-1907) uma oração gratulatória pela vitória das armas portuguesas no Cuamato (Sul de Angola)[433], como o melhor intérprete do povo português. Transmite o sentimento do amor à Pátria com as marcas do tempo. O seu discurso tinha a voz do missionário incansável, o peso da sua voz era contudo leve diante da autoridade moral do seu testemunho. Foi «discurso eloquentíssimo, vibrante de entusiasmo que impressionou até ao âmago todo o auditório». «A palavra fácil e amena, a expressão pura e correcta e sobretudo a fisionomia suave e atraente.»[434] Em Braga faz a oração fúnebre de D. Manuel Baptista da Cunha ( + 13-5-1913), Arcebispo de Braga.[435]

A forma como usava da palavra ficava gravado no espírito. Assim confessa o seu sucessor:

 

Quando aparecia e se erguia para falar, fosse onde fosse, e qualquer que fosse o assunto, triunfava sempre. Conservou até à morte a energia dos jovens, um espírito sempre brilhante, uma eloquência sempre difícil de imitar…

Ouvi-o a primeira vez quando presidia a uma sessão solene das Conferências de São Vicente de Paulo, numa das salas do seu Paço pouco depois da sua entrada na diocese. Como ele soube distinguir a ‘Caridade, que é ouro, da filantropia, que é metal sem valor apreciável’! Como soube inspirar em todos amor e respeito pelos pobres e enfermos! Como soube expor, com lucidez e autoridade, os motivos que obrigam ao exercício da caridade cristã.

Já lá vão muitos anos, e parece que ainda oiço a sua voz, repassada de sentimento, dizer com firmeza e intimativa: «Socorramos o pobre, porque Deus o manda, e não por um sentimentalismo doentio.»[436]

 

Era notável o espírito de síntese, capaz de recolher, com brevidade as variadas circunstâncias de uma sessão, de uma festa, de envolver todos os agentes e estimular os presentes. A palavra acessível e adaptada ao tipo de ouvintes, mostrava a maleabilidade da sua inteligência.[437]

O Bispo do Porto desejava imprimir na diocese o gosto pelo ensino. Não se cansa, por isso, de fazer propostas concretas. Tem consciência de que para ensinar é preciso saber. Daí ser o «estudo ocupação que muito deva aliciar o clero». Além disso, deve recorrer à oração. É a fonte do necessário ardor interior.

O ensino paroquial faz-se, segundo D. António Barroso, através da transmissão de verdades teoréticas e outros assuntos. Admite para as zonas rurais assuntos não só religiosos.[438]

O Concílio de Trento manda nos domingos instruir os fiéis com discursos edificantes. Mas há outras ocasiões, como por ocasião da celebração dos sacramentos.[439]

Não dá só conselhos aos pastores. Pede, também, aos paroquianos que sejam bons ouvintes. É a sua cooperação. Para isso desenvolve a parábola do semeador.[440]

Vê ainda necessidade de, na Pastoral quaresmal de 1916, depois de regressar do exílio, continuar a lembrar: «o mal profundo que infelicita a nossa terra amada e o nosso tempo é a ignorância religiosa».[441]

Não ficava pelos apelos dirigidos aos outros. Dava a lição da vida na matéria da instrução. A ocasião da Quaresma foi várias vezes aproveitada pelo bispo do Porto para explanar um tema. Em 1901 levantou um brado de verdade a favor da penitência.[442] A oportunidade da escolha deste tema advém de uma intensa propaganda então promovida pelo protestantismo. D. António Barroso exalta o valor do sacramento, com estes termos: «o meio mais fácil para obtermos o perdão dos pecados, e como resultado a paz de consciência, a tranquilidade da família, a harmonia da sociedade, e a morigeração nos costumes é a confissão».[443]

O Sacramento da Eucaristia é o tema da instrução de 1902. O Purgatório e os meios para sufragar as almas é assunto da Quaresma de 1903. Dedica a Quaresma de 1906 à explicação da origem e índole da Bula da Cruzada, refuta objecções e analisa os benefícios, apresentando o quadro de despesas do Seminário que ela tem coberto, além da ajuda às igrejas pobres, subsídios a alunos da Universidade, educação de missionários e sustentação de Seminários em zonas de menor sentimento religioso.[444]

Em ordem à apresentação do Decreto do Papa Pio X sobre a comunhão frequente e quotidiana, desenvolve o tema da penitência e da comunhão em 1907 (30-1-1907). Na Quaresma de 1908 é a vez de abordar o matrimónio católico, salientando os pontos capitais da família para o futuro da sociedade. Trata da origem, natureza e propriedades do matrimónio e aplica à diocese o Decreto da Congregação do Concílio Ne temere (2 Agosto 1907).[445] O tema da Quaresma de 1909 é a instrução paroquial e o de 1910 (10 de Fevereiro) é o papel social da Igreja.

Também estruturas renovadas servem a causa de uma boa catequese. Para dar seguimento a um voto do Congresso Mariano do Porto, que estabeleceu como prioritária a instrução religiosa e a ilustração do povo, o Bispo criou uma Comissão para tratar da organização da catequese na diocese, integrada pelos Cón. Joaquim Luís de Assunção, Presidente; Párocos da Sé, Ramalde e Bonfim, Dr. Aires Borges e Dr. António Ferreira Pinto, secretário.[446] Cada freguesia devia criar a Associação chamada Congregação da Doutrina Cristã, que incluiria leigos para garantir a catequese.

Em 30 de Novembro de 1906 cria a Congregação com estatutos e nomeia o Conselho Director para o triénio: Cón. Dr. Joaquim Luís de Assunção, presidente; Dr. João Manuel Correia, Dr. Joaquim José de Oliveira e Cunha, Dr. Aires Gonçalves de Oliveira Borges, Dr. Fernando Urcullu Ribeiro Vieira de Castro, P. João de Brito Gouveia e P. Manuel Pereira Lopes, secretário.[447]

Para este ensino recomenda a leitura das Explicações do Catecismo de Astete e ainda o Sumario da doutrina cristã (3.ª ed.) e Catecismo da doutrina cristã, pertencente à obra de São Francisco de Sales.[448]

 

3. Dinamização da vida eclesial

 

Atenção contínua mereceu ao Servo de Deus a vida interna da Igreja. Sublinharemos, antes de mais, a ligação ao Papa, desprotegido de bens, veremos depois a capacidade de D. António Barroso para vibrar com grandes acontecimentos da Igreja e, finalmente, o seu cuidado pastoral no dinamismo diocesano.

 

3.1. A ligação ao Papa

Uma das notas da solidez da fé de Dom António Barroso é o seu sentido da Igreja como instituição de origem divina e o seu dedicado amor ao Papa. O encontro com o Papa Leão XIII, quando avançava para a Índia, deixou marcas na sua memória. Logo a 11 de Setembro de 1899 escreve uma carta ao Papa, com notícias da sua entrada na diocese e protestos de comunhão e humilde submissão.[449] Doze cartas pastorais referem-se ao dinheiro de São Pedro. Praticamente todos os anos era escrita uma carta com esta finalidade.[450] Aproveita a ocasião para doutrinar sobre a missão do Papa e o valor do Primado.

Fundada, havia já vinte anos, pelo Cardeal D. Américo, esta obra consistia num tributo voluntário a favor do Papa. Além de ser uma subvenção, revelava o amor ao sucessor de Pedro e o reconhecimento das reais necessidades em que vivia o papado. Era por isso «obra de caridade e de fé católica».[451] Não esqueçamos que em 1870 o Papa tinha deixado de possuir os Estados Pontifícios e as dificuldades financeiras eram muitas.

A carta pastoral de 1899 é uma explicação da missão do Papa e uma apresentação da cúria romana. Finaliza dizendo: «o Sumo Pontífice está pobre, sendo por isso indispensável que os fiéis de todo o mundo lhe mandem socorros para salvar a sua independência espiritual e habilitá-lo a sustentar o vastíssimo organismo da Igreja».[452]

Em 1898 o dinheiro de São Pedro rendeu 1.805$905 réis.[453] Com alegria D. António pode verificar que em 1899 «não obstante a dolorosa crise que afligiu uma parte importante da Nossa diocese, a nobre e laboriosa cidade do Porto, não decresceu o óbulo generoso destinado a aliviar os enormes encargos que pesam sobre o Chefe Universal da Igreja Universal».[454]

Nesta pastoral enaltece o papel das missões, o esforço enorme, os sacrifícios passados, os penetrantes espinhos. Colaborar com ofertas materiais para o Santo Padre Leão XIII é contribuir para a formação de operários para a vasta missão, adaptados às condições dos povos a evangelizar.[455]

Assim define os missionários quem, por experiência, bem conhecia o assunto: «São homens do sacrifício, que esquecendo-se de sua própria fraqueza, levando no coração o amor de Deus e do próximo, se dão em voluntário holocausto à mais nobre das ideias, à mais santa das causas.»[456] É uma vida que «impõe sacrifícios pesados, contraria tradições e hábitos arraigados, senhoria o orgulho, refreia todas as tiranias, condena a vingança, prescreve o perdão das injúrias, exige o amor com os inimigos e, enfim, vê em cada homem a imagem e semelhança de Deus, o que mais custa a sofrer à vaidade humana».[457]

Na carta que o Papa Bento XV dirigiu ao Bispo do Porto por ocasião do Jubileu Episcopal, no dia 30 de Junho de 1916, refere a dedicação deste pastor e como prova alude à «oferta para o Dinheiro de São Pedro que na tua diocese procuraste recolher para minorar a angustiosa situação da Sé Apostólica».[458]

Estas palavras não são de mera circunstância mas verdadeiro reconhecimento por quem vivendo pobre estava em comunhão vigilante e concreta com as dificuldades do Papa.

 

3.2. Vibração com a Igreja universal

O acompanhamento do que se passa na vida da Igreja é permanente no sentir deste bispo. Referimos, como ilustração, momentos em que toma iniciativas de comunhão eclesial. É com entusiasmo que convida os diocesanos para o Ano Santo de 1900, consciente da sua importância para o crescimento espiritual do povo cristão.[459]

«A Roma o maior número possível de diocesanos. O Vigário de Jesus Cristo, Leão XIII, esse grande vulto que tem sido o assombro do mundo, lá está desarmado e prisioneiro do Vaticano; a cada católico assiste o dever de ir consolar esse pai comum e contemplar o seu valor, que é único; a Roma para mostrar que o Vaticano, sem exército, brilha e brilhará sempre e que à voz do prisioneiro os católicos se levantam como um só homem; a Roma onde, de joelhos aos pés do Santo Padre, cada um possa assegurar que, se Portugal não envia ricas embaixadas, como outrora o fez, envia ao menos peregrinos que não desonram os feitos dos seus antepassados e em cujos corações palpitam afectos de filhos agradecidos.»[460]

O apelo é seguido pelo próprio bispo, que irá a Roma.

Em 15 de Maio de 1901 publica outra pastoral para, na diocese, estender o Ano Santo de 1 de Junho a 30 de Novembro, já que o Papa permitiu esse alargamento a todo o orbe católico, sem necessidade de ir a Roma. Chama a atenção para esta graça extraordinária e regulamenta-a no concreto da diocese.

Na pastoral Dinheiro de São Pedro fala do dogma da Imaculada Conceição, na altura em que se festejam 50 anos da definição dogmática (8-12-1904).[461] Cria uma comissão para levar por diante actos de piedade e beneficência durante esse ano e para elaborar um programa.

 

3.3. Cuidado pastoral, múltiplo nas iniciativas e intenso nas acções

O Clero merece muitos desvelos do seu coração bondoso.

Durante o seu episcopado só são conhecidos dois casos de padres que criticam o bispo D. António Barroso. Um deles residia na Diocese por condescendência, na freguesia de São Tiago de Rio Mau. Por ser reincidente em mau comportamento, envolvendo Polícia e escândalo, o Bispo viu-se obrigado à justiça de lhe revogar as ordens para exercer na diocese o ministério. As queixas eram portanto infundadas. O outro escrevia nos jornais opostos aos interesses da Igreja, com afirmações contrárias ao bispo e aos outros padres. Tinha o pseudónimo de Mário. Tornou-se necessária a intervenção do Bispo. Dom António sempre quis perdoar-lhe, mas ele não lhe dava essa ocasião.[462]

A maior iniciativa reveladora do amor ao clero é a Obra de Assistência aos Clérigos Pobres da Diocese do Porto, organismo percursor da Fraternidade Sacerdotal. Atento às necessidades do seu clero e para evitar situações angustiantes lançou essa Obra, em Junho de 1916, e já em 18 de Janeiro de 1917 lhe concedia Estatutos. Assim quis comemorar o seu jubileu episcopal. Destinava-se a socorrer os mais carecidos de recursos próprios, quer porque impossibilitados, pela idade ou doenças ou outro acidente, de conseguir meios, quer por pastorearem paróquias muito pobres. A precaridade da situação material do clero, muito agravada depois do Decreto republicano de 20 de Abril de 1911, impele o Bispo a esta iniciativa. São veementes as exortações que lança e aturada a campanha que promove a favor desta causa.[463]

Repare-se no apelo: «Não exageram. Há, realmente, nesta nossa diocese, padres pobres, muito pobres. Como mãe extremosa a Igreja «não pode ver de olhos enxutos os seus padres sem pão e sem agasalho, reduzidos à condição de mendigos…»[464]

Conta D. Manuel, Bispo auxiliar do Patriarca das Índias, que estando António Barroso «apenas convalescente duma das suas enfermidades» presidiu a uma reunião da Obra da Assistência do Clero Pobre e apresentou uma carta de um familiar dum sacerdote doente, que «se atrevia a ameaçar o Prelado, no caso de não se aumentar a pensão que por esmola» recebia. «Vejam o que se há-de responder a isto, dizia ele. E foi preciso que o Dr. Correia Pinto o desagravasse do insulto… propondo à Comissão tomasse a seu cargo fazer sentir a esse leigo a inconveniência do seu procedimento». O padre apressou-se a pedir desculpa ao Bispo «o que bastou para se resolver aumentar-lhe o subsídio».[465]

E não foi apenas a perspectiva económica que moveu a pena do Prelado Missionário. São de grande actualidade as determinações de 3 de Dezembro de 1916 acerca das Conferências theologico-moraes e lithurgicas na Diocese do Porto.[466] O restabelecimento destas reuniões de formação do Clero assentam já em determinações de bispos antecessores, como D. Jerónimo José da Costa Rebelo e D. João de França Castro e Moura.

Em provisão de 18 de Maio de 1918 obriga os padres aos exercícios espirituais, dando execução ao cân. 126 do Código de Direito Canónico, há pouco publicado. Organiza três turnos de retiros para que todo o clero possa participar. E o bispo dá o exemplo, inscrevendo-se e participando.

Tratava o clero com especial zelo e delicadeza. Conta Mons. Miguel Sampaio que «Um dia D. António Barroso mandou chamar um sacerdote que andava a comportar-se mal. E, no decorrer da audiência, para levar o padre a arrepiar caminho, o Senhor D. António Barroso prostrou-se de joelhos diante dele a chorar!»[467]

Tentou implantar uma associação de missionários diocesanos, à semelhança de algumas experiências francesas, mas inovadora em dioceses portuguesas. Convidou, logo no início, os pregadores populares: P. Pinto de Moura e Barbosa Leão. Mas a retirada deste último para bispo de Angola e Congo em 1906 e as perturbações políticas interromperam o trabalho. Só em 1915 convocou alguns padres para dar continuidade à obra. O P. Manuel Marinho ficou com o encargo de organizar a Associação e dar-lhe novos estatutos. A primeira reunião teve lugar a 19 de Janeiro de 1916, com a presença de António Barroso, que aprovou os estatutos. Assim se reanimou por algum tempo este grupo missionário.[468]

Os Seminários, que tanto cuidado tiveram do seu antecessor, mereceram o olhar preocupado de D. António Barroso. Logo após a chegada à diocese criou, no curso preparatório, a funcionar nos Carvalhos, a cadeira de Ciências naturais, por provisão de 20 de Setembro de 1899.[469] A 14 de Outubro de 1900, fez um notável discurso na abertura solene das aulas, no qual demonstra o seu cuidado e as suas ideias. A dado passo afirma: «Para que a acção civilizadora da Igreja se faça sentir em toda a parte, para que ela se infiltre em todos os povos, em todas as latitudes e até em todas as classes sociais, é necessário que haja ministros dignos, obreiros destrosos, para que essa organização portentosa se mantenha e progrida: é indispensável preparar soldados bem disciplinados, capazes de continuar essa cruzada, essa conquista fascinadora, a conquista do bem nas suas variadíssimas manifestações, que todas se reduzem ao bem supremo, alvo das nossas aspirações, e cuja posse realizará o fim para que o Criador nos destinou[470]

Em ordem a melhorar as condições materiais dos dois Seminários existentes, faz obras, tanto no Seminário dos Carvalhos, que viria a ser encerrado em 1911, como manda erguer, no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, entre 1908 e 1910, a biblioteca, que se manteve, e onde justamente se encontra o seu retrato.

Durante o exílio não esqueceu o Seminário. Assim confessa o seu secretário, Cón. Dr. António Ferreira Pinto:

 

No seu desterro de 1911 a 1914, por escrito e verbalmente, algumas vezes nos manifestou as suas apreensões sobre a vida económica do Seminário, mas era vê-lo satisfeito e tranquilo quando lhe respondíamos: A diocese é nobre e os católicos generosos e por isso saberão cumprir o seu dever para com o Seminário.

Mas para que dêem resultado os esforços do Seminário e os soldados de Cristo sejam semelhantes a um exército em ordem de batalha é preciso ‘que o exército seja bem aguerrido, disciplinado e municiado. Se esses padres não forem aquele bom samaritano que sabe infundir o óleo e o vinho nas feridas dos pacientes, se eles não procurarem ser sal da terra e a luz do mundo, as vistas de Nosso Senhor Jesus Cristo ficam malogradas e o próprio povo poderá dizer: não são estes da geração daqueles por quem vem a salvação de Israel’, tais são as palavras escritas em 3 de Dezembro de 1916, a propósito do restabelecimento das conferências eclesiásticas. Os meios foram empregados pelo Sr. D. António, Bispo do Porto, para instrução e formação do seu clero; os resultados dependem deste somente.[471]

 

Dirigiu aos católicos um apelo veemente a 15 de Julho de 1915 para aumentar a população escolar: «sinto o meu coração compungido quando vejo a sua frequência decrescer, rapidamente de ano para ano».[472] Os seus apelos foram correspondidos e teve de pensar alargar ou comprar uma casa para albergar mais alunos. Aconteceria pouco depois da sua morte, com a aquisição da Torre da Marca e com a compra da Casa de Vilar.

Durante o seu episcopado ordenaram-se de 1899 a 1909: 256; de 1910 a 1918: 159, sendo 63 em Remelhe, de 1911-1913.[473] Como tinha os pés assentes na terra, pensou criar uma sociedade por quotas que adquirisse uma propriedade, para arrendar ao Seminário e tomasse outras iniciativas. Chamar-se-ia Proprietária Económica Portuense, L.da. A autorização do Secretário de Estado do Ministério do Comércio data de 13 de Agosto de 1918. A morte do bispo não permitiu que a ideia fosse por diante.[474]

Em época de combates ideológicos e de ataques à fé, não esqueceu a imprensa católica. Transformou o mais antigo jornal católico A Palavra. Criou o Boletim da Diocese do Porto por provisão de 10 de Agosto de 1914[475], como órgão oficial da diocese. Destinava-se a: transmitir as suas determinações ao clero; manter a comunhão com ele; imprimir unidade à acção dos católicos para a defesa da religião e da Igreja; arquivar documentos; resolver dúvidas sobre questões importantes para o ministério. Incentivou a imprensa católica de Lisboa e do Porto e auxiliou-as na medida das suas posses. Aprovou a Liga da Boa Imprensa aos Pobres.[476] Escolheu o Dia da Boa Imprensa, com regulamento próprio.

Procedeu a nova organização dos distritos eclesiásticos, rectificou limites de freguesias e criou a paróquia da Senhora da Hora.

No campo da música e da arte teve também de intervir. Não por ser especialmente dotado de aptidões, mas pela publicação de documentos que pusessem cobro a abusos nas celebrações e por ter enviado para o estrangeiro dois presbíteros em ordem a aperfeiçoar o Canto Gregoriano. Executavam-se nas celebrações cânticos e músicas de instrumentos pouco ou nada religiosos: tunas e estudantinas. Em prol da «correcção e seriedade» do culto proíbe músicas de letras ou estilo profano. Não são permitidos instrumentos ruidosos: tambores, bombos, pandeiretas, castanholas, violões.[477] As letras deviam ter significação e estilo rigorosamente religiosos.

Recomenda a obra A Arte Românica em Portugal, de Marques Abreu e aproveita para apelar à conservação dos restos românicos e exprime a consolação que viveu ao notar o respeito pelas pedras evocadoras de um passado glorioso. E compara: «experimentamos a mesma consolação que sentíamos outrora na África e na Índia, ao encontrar ainda de pé os monumentos da nossa passada grandeza».[478]

Na vida espiritual, anote-se, no campo devocional, a referência à recitação do rosário na pastoral do Dinheiro de São Pedro de 12 de Setembro de 1902.[479] É das devoções «mais excelentes e intimamente relacionada com a grandiosa obra da redenção».[480] Narra a história do rosário e enaltece as vantagens desta oração por introduzir Maria na relação com Cristo.

Aprova devoções muito características da época: a devoção ao Santíssimo Coração Agonizante de Jesus, a pedido da Comissão Central instalada no Seminário de Braga (20-07-1909); o regulamento da Piedosa Devoção dos Amiguinhos e Amiguinhas do Menino Jesus na Diocese do Porto (15-05-1917).

 

4. Sensibilidade aos problemas sociais e amor à Pátria

 

Por várias vezes o Bispo do Porto enfrentou questões de ordem social. Não podia excluir da sua missão pastoral as dificuldades vitais dos seus diocesanos. Era uma forma concreta de amor pátrio que tanto o galvanizava. Sabia traduzir a caridade pastoral a partir dos fundamentos teológicos. As atitudes são movidas por uma ética social muito mais profunda do que mera filantropia ou simples ideologia.

Logo no início chamou a atenção dos seus diocesanos para a criação da Assistência Nacional de Tuberculosos. Em Provisão de 6 de Fevereiro de 1900 reflecte sobre a propagação da doença, que prejudica sobretudo os mais pobres. Pede encarecidamente aos párocos que colaborem com a Comissão de Propaganda de Assistência Nacional, angariando sócios em cada freguesia. Esclarece sobre as finalidades: «centralizar os meios de combate, suspender a marcha do terrível mal, procurar a cura ou ao menos diminuir o sofrimento das vítimas».[481]

Impulsiona as Escolas agrícolas, com Provisão de 22-10-1905.

Perante «temeroso abalo de terra que cobria de luto e desolação os nossos irmãos do Ribatejo»[482], em 23 de Abril de 1909, dirige ao clero uma circular pedindo ajuda. A diocese deu «prova eloquente de fraternidade cristã», como diz no agradecimento feito.[483]

Mas ainda não refeitos os ânimos, novas calamidades assolam o país, particularmente o Porto. São as inundações de Dezembro de 1909. A alma paternal do bispo assim se exprime: «Este meu tão querido e amigo Douro… transborda… arrasta para os abismos do oceano tudo o que encontra na sua passagem devastadora.»[484]

Estava-se em Dezembro de 1909. A sensibilidade às várias dificuldades do povo que lhe foi confiado não limitou o olhar do bispo para ver mais longe.

Já na Pastoral da Quaresma de 1910 (10 de Fev.) D. António Barroso tinha tratado do papel social da Igreja. Defendia ligações íntimas entre religião e sociedade. Enumerava alguns contributos da religião cristã para a transformação social. Lembrava que foram «princípios fraternais que levedaram e amadureceram lentamente ao sol de séculos, provocaram a abolição do monstruoso escândalo da escravatura». Ao cristianismo se deve «a transformação da servidão, o poder das corporações operárias e tem preparado esse movimento, que apesar de desvarios, que devemos lamentar e condenar, impulsionam os homens para situações melhores, mais firmes».[485]

Salienta a missão de promover a ordem e a paz entre os homens, o cuidado de os unir em laços de fraternidade, de fazer de todos uma família, ser exemplo e fonte de leis civis.[486] «Antes da sociedade civil» defender a dignidade humana a Igreja tinha-o praticado na sua vida e organização.[487]

A mesma atenção às causas sociais prossegue após o exílio. Já antes do exílio tinha acarinhado as Oficinas de São José, o Asilo de Vilar, o Recolhimento das Meninas desamparadas, o Recolhimento do Ferro, as Irmãzinhas dos Pobres. O Círculo Católico de Operários, reduzido a um montão de escombros pela fúria anticlerical, renasce em 1916, devido ao jubileu episcopal do bispo que é canalizado para esta finalidade.

Todas as múltiplas instituições de serviço social existentes na diocese lembram os gestos concretos do seu Bispo. Hospitais, Asilos, Associações receberam atenções e protecção de Barroso. Em Dezembro de 1914 publica uma Provisão relativa à Liga da Boa Imprensa dos Pobres, incentivando o seu desenvolvimento. Dá claro impulso na fundação da Associação dos Médicos Católicos Portugueses e patrocina círculos católicos de estudo e Associações de Juventude Católica, a Obra da Santa Infância e a Associação de Protecção à Infância. Esta foi fundada em 3 de Agosto de 1903, por iniciativa de D. António Barroso para se dedicar à educação moral e intelectual de crianças. Ainda funciona.[488]

Intervém urgindo atitudes concretas e estabelecendo critérios permanentes.

Lança, pela Provisão de 11 de Maio de 1917, um peditório a favor da Lituânia. A subscrição, que rendeu uma soma considerável, demonstra que a sua visão atenta e preocupação social ultrapassam os limites do território nacional.[489] Na Circular de 14 de Fevereiro de 1918, pede ataque à doença de tipo «exantematico» que é uma ameaça para todos. Esclarece os modos de a combater.[490]

A mais extensa pastoral sobre temática especificamente social data de 25 de Abril de 1918. Cheio de solicitude pastoral enfrenta a questão das subsistências, como «reflexo da Grande Guerra e resultante da nossa velha imprevidência»: os preços aumentam dia-a-dia. Começa-se por sacrificar o vestuário, o agasalho, a educação dos filhos, o decoro da família. Propagam-se as doenças agravadas pela miséria. A exploração espreita a miséria e leva à perda da honra. Para enfrentar as consequências da guerra como a fome e as doenças preconiza cuidados a prestar à agricultura e à higiene. Dom António Barroso sente-se unido aos diocesanos, com desvelo paternal, em nome dos pobres e pelo amor à Pátria.

Faz um apelo aos agricultores para que aumentem nas suas terras a produção cerealífera. Aumentar a produção é «grande dever social».[491] São sábias as palavras: «A agricultura é a vida das outras indústrias e a resistência dos povos».[492] Admira a heroicidade da agricultura portuguesa e cita como exemplo a dar o caso das terras sobranceiras ao Douro. Para a crise que se vive aponta: cultura intensiva com adubos químicos, melhor aproveitamento das aptidões dos terrenos pelo arroteamento de algum bravio.[493] Depois dos apelos vem a denúncia. Denuncia a ganância de lucros excessivos na venda de produtos agrícolas. Considera-a «exploração monstruosa, sem entranhas e sem pudor».[494] Aborda a questão do salário[495] e pede aos patrões que obedeçam com fidelidade aos ditames de justiça e recomenda aos párocos que intervenham com a sua autoridade e influência para conseguir que os operários ganhem o indispensável às suas necessidades.[496]

Fala do sentido cristão do trabalho.[497] Para não haver enganos ou confusão, o bispo Barroso declara que a questão social não se resolve pela luta de classes, mas com o Evangelho na mão. Abençoa todas as iniciativas tendentes a beneficiar os pobres[498] e pede, em tempo de guerra, que rezem «pela vitória das armas portuguesas e pelas almas dos soldados que morreram a escrever com o seu sangue, heroicamente vertido, o épico elogio de lealdade, de bravura e honra portuguesa».[499] Hoje consideraríamos mais evangélico rezar pelo fim da guerra, mas a perspectiva patriótica obscurecia outra dimensão mais universalista. Contudo mostra lucidez ao analisar os mecanismos da pobreza e ao lançar desafios de alcance profético.

Os exílios que sofreu revelam o clima de combate em que viveu e a lição de coragem destemida, de firmeza inabalável e de serviço à causa da Igreja. Um homem assim tão maltratado pelos Governos republicanos, tinha um entranhado amor à Pátria que nos surpreende em muitas páginas dos seus escritos. Nos Jerónimos a 13 de Dezembro de 1907, proclama no alto púlpito do cruzeiro: «Uma nação não deve ser avaliada só pelo âmbito, mais ou menos largo, dos seus limites, pelo número dos seus habitantes e pelos valores monetários encerrados nas arcas do seu tesouro; mas deve sê-lo principalmente pelas energias do seu carácter, pela nobreza dos seus sentimentos, pelo valor do seu exército. Pelo seu concurso eficaz no desenvolvimento da civilização dos povos, a quem levou a sua fé ardente, as suas instituições venerandas e a sua língua[500]

A título de exemplo citemos também um extracto da carta-prefácio, escrita em 1916 para um livro de Luís de Almeida Braga: «A ideia de Pátria é inseparável da ideia religiosa; romper com esta e com a tradição, sua companheira constante, o mesmo seria que pretender revigorizar uma árvore, desenraizando-a do solo que a alimenta e nutre. É um crime de leso-patriotismo que terá como fatal epílogo o desaparecimento da nacionalidade.»[501]

Com sabedoria suficiente para distinguir entre o amor ao seu país e a dedicação a valores superiores, como os interesses espirituais da Igreja, cultivou e incentivou várias vezes o amor pela pátria. É o que o próprio bispo confessa quando em 1916 se pronuncia sobre problemas da vasta diocese de Angola e Congo.[502] O bispo Castro Meireles, em 1931, ressalta «aquele espírito de fé e de amor à Pátria que foi o timbre da sua vida, desde o berço ao túmulo».[503]

Ser patriota era uma qualidade exigida aos missionários e fazia parte da sua formação. Teotónio da Fonseca considera o servo de Deus «um bispo modelar, um ilustre cidadão e um ardente patriota».[504]

Por ocasião do centenário do nascimento de D. António, Bertino Daciano R. S. Guimarães (1901-1965), da Associação dos Arqueólogos Portugueses, proferiu, em 31-10-1954, uma conferência, em Afife, a convite do Casino e por iniciativa do organismo cultural Tertúlia e repetiu-a na Biblioteca Municipal do Porto (5-11-1954), a convite dos «Amigos do Porto». Seria transformada, em 1956, num opúsculo, intitulado D. António Barroso: Homem de acção. Português de lei. Pessoa de bem. Aí testemunha as: «excepcionais qualidades de missionário e de chefe, de lutador e de herói, espírito sempre aberto a toda a sorte de sacrifícios, carácter de rija têmpera, corajoso e firme».[505] Vê António Barroso «espalhando às mãos cheias o bem à sua volta, com prejuízo de si próprio, do seu próprio sustento, o patriota insigne, o gigante do missionarismo português».[506]

O historiador missiólogo, António Brásio, assim nos convida: «Admire-se em D. António Barroso um intransigente amor da Pátria, não movido de ‘prémio vil’, ou de interesses inconfessáveis, tão intransigente, tão puro e tão alto como o que votava à Igreja, de quem era Missionário e Bispo. Grandes missionários deu à Igreja esta leira portuguesa, do século xv em fora, mas nenhum que mais e melhor que D. António Barroso fosse o homem do futuro, do seu tempo e da sua missão.»[507]

Dom António estava impregnado e tinha assimilado uma cultura marcada pela portugalidade, consciente de um papel pátrio na construção da civilização cristã. As suas posições ressentem-se desta perspectiva e expressam esta visão do mundo.

 

 

5. Luta pela liberdade religiosa

 

A formação clássica de D. António está fundamentada em valores da tradição, sem recorrer aos novos valores da modernidade. As mudanças socio-políticas a que assistia deviam causar-lhe natural perplexidade. Mas com capacidade de observação dos fenómenos e de compreensão da realidade reconhece no novo regime republicano autoridade legítima e encara-o com determinação, recusando o que nele havia de injusto.

Não foi só no auge republicano de 1910 que teve início a luta do Servo de Deus a favor da liberdade religiosa e que começou a sua firmeza corajosa. Um caso ocorrido, logo no princípio do seu episcopado no Porto, mostra a animosidade crescente do grupo republicano.

 

5.1. O caso Calmon, primeiro momento de um combate

Aconteceu que a filha única do Cônsul do Brasil no Porto, Rosa Calmon, de 32 anos, queria entrar numa casa religiosa, apesar da oposição paterna. No dia 17 de Fevereiro de 1901 tentou a fuga, à saída da Igreja da Trindade, entrando num carro estacionado no largo. O cônsul Dr. José Calmon leva a filha para casa e movimenta manifestações anti-religiosas, com incidentes vários. Na semana seguinte, a 24 de Fevereiro, a cena repetiu-se e a desordem instalou-se pela cidade. Os manifestantes consideraram a família Pestana culpada e apedrejaram a sua casa na Rua do Almada. A tal ponto foi a campanha que o Governo publicaria o decreto de 18 de Abril de 1901 e o Episcopado reagiria com carta de 23 de Abril. Nesse texto os bispos expõem a doutrina católica. D. António Barroso foi escolhido pelos outros membros do episcopado, não obstante ser o mais novo, para entregar ao Chefe da Nação uma mensagem em favor das ordens religiosas. Os liberais mais aguerridos ficaram com o bispo do Porto na sua mira.

A primeira ocasião que se proporcionou ocorreria logo no regresso, quando passou por Coimbra para participar no Doutoramento de Oliveira Guimarães. Na sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, o Bispo do Porto figurava como padrinho. No acto académico, quando o Doutor Mendes dos Remédios saúda o Bispo do Porto, alguém manobra na sombra um sussurro hostil. Mas o burburinho maçónico foi logo sufocado pela maioria da assistência com uma entusiástica contra-manifestação de simpatia.

Conserva-se no Arquivo de D. António Barroso uma carta de um aluno do primeiro ano de Medicina, Amílcar Augusto Queiroz de Sousa[508], que manifesta solidariedade contra o comportamento de alguns colegas concertados por jacobinos para apuparem o Bispo do Porto, sem qualquer razão clara. Declara que se sente como filho do «mais caridoso e bom Prelado português». Testemunha também a dignidade dos lentes perante o incidente imprevisto e refere que o Servo de Deus deu provas da sua bondade rogando ao Vice-Reitor da Universidade clemência para os culpados.[509]

 

5.2. A leitura da Pastoral colectiva: batalha decisiva

Chegaria a ocasião para revelar o carácter destemido da sua fé e amor à liberdade da Igreja. A intenção de acabar com a Monarquia germinava na Maçonaria, a par da luta contra o clero e contra a Igreja. O início da revolução de 1910, logo a 4 de Outubro, foi acompanhado de ataques violentos a instituições católicas e a membros do clero. As invasões a casas religiosas e a moradias particulares de católicos conhecidos, os assaltos a colégios e residências prosseguiram para além do dia 5 de Outubro. O ambiente semeado recolhia frutos. O Governo apressou-se a lançar legislação abundante, destinada a erradicar o catolicismo em Portugal. No Ministério da Justiça estava Afonso Costa (1871-1937), lente de Direito, iniciado em Coimbra na Maçonaria, brilhante parlamentar e grande responsável pelo mal-estar conducente a uma luta anti-católica. Como Ministro da Justiça cabia-lhe a Direcção dos Negócios Eclesiásticos.

As medidas legais contra a Igreja Católica multiplicam-se na incipiente República. O Bispo escreve, em 12 de Outubro, a Afonso Costa apelando para o fim da legislação contra a Igreja, uma vez que não está a ser submetida à aprovação da Assembleia Constituinte.[510] Os termos são hábeis e medidos. De facto, o Ministro não atende à carta e as medidas sucedem-se: expulsam-se os jesuítas e encerram-se os conventos e mosteiros, renovando leis pombalinas e liberais (8-10-1910); é abolido o juramento de carácter religioso (18-10); é suspenso o Bispo de Beja (21-10); é suprimido o ensino da Doutrina cristã nas escolas primárias e normais (22-10); anulam-se as matriculas no 1.º ano da Faculdade de Teologia (23-10); são considerados dias de trabalho os dias santos, excepto o domingo (26-10); faculta-se aos governadores civis a possibilidade de dissolver as mesas administrativas das irmandades e confrarias e de as substituir (27-10); estabelece-se o divórcio (3-11); proíbem-se as forças do exército e da armada de intervir em solenidades de teor religioso (28-11); decreta-se sobre a família em perspectiva laicizadora (25-12); regula-se a posse pelo Estado dos bens das extintas corporações religiosas (31-12); extingue-se o culto religioso na capela da Universidade de Coimbra, transformada em Museu (32-1-1911); institui-se o Registo Civil obrigatório (18-2-1911).

Este furor legislativo não podia deixar os bispos insensíveis. A provação era amarga e exigia-se uma tomada de posição. Cada prelado optou por comportamentos singulares, de acordo com a própria experiência. Pode referir-se o caso do Arcebispo de Évora, D. Augusto Eduardo Nunes, antigo colega na docência coimbrã de Afonso Costa e Bernardino Machado, que em Outubro lhes escreve recomendando bom senso no tratamento das instituições tradicionais.[511] Outros eram defensores de uma luta aberta contra os despotismos e requeriam uma posição de defesa intrépida dos valores em causa. Percebiam que a máquina montada de perseguição da Igreja pedia unidade de reacção e atitude coesa e uniforme.

Neste contexto surge a Carta Pastoral Colectiva. Após reunião de todos os bispos, em São Vicente de Fora, em Novembro de 1910, é encarregado da redacção o prestigiado lente de Teologia da Universidade, Arcebispo de Évora, D. Augusto Eduardo Nunes. É revista por D. António Barroso e assinada por todos em 24 de Dezembro. Impressa na tipografia Veritas de Viseu, no máximo sigilo, é distribuída por todos os párocos portugueses. Destina-se a ser lida e explicada aos fiéis católicos, no dia 26 de Fevereiro de 1911. Expunha serenamente a doutrina sobre o problema religioso em Portugal. O Governo, apenas teve notícia do documento, proibiu a sua leitura. Apanhado de surpresa, o Conselho de Ministros de 1 de Março reagiu com apelos ao velho beneplácito e com recurso a prepotências e intimidações, primeiramente accionadas através dos governadores civis. Apesar das ameaças e obstáculos, muitos párocos a leram. No dia três de Março, Afonso Costa envia telegramas a todos os bispos signatários negando beneplácito em atitude de despotismo, aqui mal esclarecido, porque não se aplicava às pastorais dos bispos, mas aos documentos da Santa Sé.

D. António Barroso responde no dia 4, sábado, às três horas da tarde, em telegrama oficial. Comunica que recebeu o telegrama do Ministro, que vai recomendar aos párocos da cidade a suspensão da leitura da pastoral, que considera necessária uma reunião dos bispos para acertarem posição uniforme, que, na sua opinião, «as pastorais dos bispos não estão sujeitas ao beneplácito», e que a pastoral respeita os poderes instituídos e não quer ofender o Governo. Como se verifica, a resposta à intimidação é corajosa, mas sumamente respeitosa. Revela a dignidade ponderada de quem usa da rectidão de consciência, sem ostentar razões, mas expondo critérios de justiça e verdade. Não só defendia os seus padres da ameaça da lei penal, mas também mantinha o seu direito de se dirigir aos fiéis. Depois de ter ameaçado com a suspensão os párocos que não lessem a pastoral por desobediência ao bispo, considerou agora poder anular essa ameaça. Os padres da diocese entenderam esta mudança porque bem conheciam que o seu bispo não temia os poderes civis, mas desejava respeitá-los sem enfrentamentos, se evitáveis.

A coragem tranquila do bispo do Porto põe Afonso Costa furioso. Responde pelas cinco horas com novo telegrama exigindo que a recomendação da suspensão da leitura da pastoral não se limite aos párocos da cidade mas se alargue a todos os párocos do bispado. Este telegrama foi recebido às oito horas da noite, como anotou o bispo à mão. O Ministro esperava talvez resposta imediata do bispo. Como assim não aconteceu, Afonso Costa envia novo telegrama já no dia 5, domingo, a seguir à meia noite. Nesse texto intima o bispo do Porto a «dizer-me claramente, em telegrama oficial urgente se fez ou faz a recomendação para não se ler a pastoral em igreja alguma do seu bispado».

É às cinco da manhã do dia 5 que D. António Barroso responde ao ministro: «Como disse em telegrama de hontem mandei suspender leitura da Pastoral parochos da Cidade. Não podia fazer prevenções aos restantes. Darei essa ordem aos que puder.»[512] Esta forma serena e realista indignou o ministro. Vai encontrar pretexto para o prender e destituir.

Os outros bispos portugueses cederam perante a prepotência do Ministro da Justiça e pararam a leitura da pastoral. António Barroso acatou os poderes instituídos, mas na linha de fidelidade às determinações pastorais anteriores.

Afonso Costa envia ordem ao Bispo para que se apresente em Lisboa. Estava-se na terça-feira, dia 7 de Março de 1911. Ao sair do Paço para tomar o comboio repara que a sua casa está cercada por um cordão policial, à ordem do Governador Civil do Porto, Paulo Falcão, para o impedir de sair, embora com o pretexto de o defender de algum desacato da população. Mas, por fim, conseguiu ultrapassar o cerco e rumar até Lisboa. Aí os carbonários, braço popular da maçonaria, bem industriados esperavam-no na estação do Rossio. Para uma recepção de ultrajes. Afonso Costa mandou o seu chefe de repartição, Germano Martins, esperar o bispo à estação de Campolide. O Bispo do Porto é conduzido de automóvel pelo centro da cidade e pela Rua do Ouro. Os grupos da estação do Rossio precipitaram-se sobre o carro à pedrada e cacetada. Rodeado por esta escolta aguerrida desceu até ao Terreiro do Paço e daí a casa do Ministro. D. António manteve atitude plenamente pacífica diante da agitação da turba jacobina, incentivada para o desacato. Rocha Martins descreve os factos, como testemunha ocular: «através das vidraças, eu vi, por duas vezes, o rosto do Bispo, a sua barba branca venerável, os seus olhos serenos; nem um músculo lhe estremecia na face; e, quando certa mão apressada quis correr as cortinas das vidraças, como para o furtar à vista dessa coorte paga, desse bando que o jacobinismo tinha às suas ordens, docemente, D. António Barroso afastou esta débil protecção e olhou a turba».[513]

Quando chegaram, o Ministro não se encontrava em casa. Chegaria, pouco depois, acompanhado por Manuel de Arriaga e António Macieira. Iniciou-se o interrogatório pelo Procurador-Geral da República e por dois ajudantes, no dia 7 de Março de 1911, até alta noite. O bispo é acusado dos seguintes crimes: «Ter urgido aos párocos a leitura da pastoral colectiva; ter assinado e feito distribuir, sem o beneplácito do Estado, a pastoral colectiva; ter desobedecido às ordens telegráficas do Ministro da justiça, e ter pretendido insinuar a subordinação às determinações do poder civil, para mais à vontade as fazer infringir fora da cidade do Porto».[514] Não obstante as explicações calmas e justas de D. António Barroso, apesar da paciência com que deu a conhecer as suas razões, da sensatez atenta com que ouviu acusações habilidosas, a sentença do desterro já espreitava na gaveta porque tem a data do dia do interrogatório, 7 de Março de 1911, e vem assinada por todos os membros do Governo provisório. Daí que se possa legitimamente pensar que o interrogatório foi um pró-forma indicativo da força do poder civil, se porventura mais alguém pretendesse pôr em questão a nova autoridade republicana.

Este decreto determina a destituição de D. António Barroso das suas funções episcopais e de governador da diocese do Porto, a declaração de vacância da diocese, a proibição de o prelado voltar a qualquer parte do território da diocese, a concessão de uma pensão vitalícia anual, no valor de 1200$00 réis, pelos serviços no ultramar e pelas suas virtudes pessoais.[515] Nunca quis receber esta pensão, apesar de lutar com falta de recursos. Dada a popularidade do Bispo do Porto e os serviços prestados ao país e as virtudes pessoais, sempre reconhecidas pelo Governo, Afonso Costa foi ao Parlamento para dar explicações da decisão tomada.[516]

Mons. Benedito Aloisi Masella, encarregado de Negócios da Nunciatura, em carta para o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Merry del Val, a 8 de Março de 1911, referia «homem recto, de carácter doce e afável, soube sempre captivar a estima dos seus diocesanos, quer em Moçambique e em São Tomé de Meliapor, […] quer no Porto onde os seus súbditos o amavam imenso.» E continua para transmitir o ambiente vivido em Portugal: «a própria imprensa liberal tece elogios às suas qualidades pessoais; e o jornal ‘Dia’, no seu número desta manhã escreveu: ‘O Bispo que se insurgiu contra as ordens do Ministro da Justiça, e que, tendo assinado a Pastoral, não se prestou a retirar-lhe a execução, não é uma figura secundária do episcopado português, nem um indivíduo reaccionário que tenha as antipatias públicas. Pelo contrário, o Padre António Barroso, cujo nome fica indelevelmente unido à história das missões ultramarinas, […] goza do merecido prestígio, até entre os liberais. E o Porto honra-se com o seu Bispo, que é muito estimado pelas suas peculiares virtudes.»[517] Este retrato dos sentimentos contemporâneos sublinha a estranheza pela continuidade firme das opções de uma personalidade estimada, que agora aplicava a nobreza do seu carácter ao serviço da defesa da Igreja, não por espírito de reacção, mas por exigência interior.

 

5.3. Os passos do exílio

Após o interrogatório, o Bispo foi levado para o Quartel-general, onde passou a noite, defendido dos desacatos da multidão. No dia seguinte, sob a guarda de um alferes, foi levado para Cernache do Bonjardim.[518] Aí viveria o primeiro mês do penoso exílio.

Os cinco párocos detidos foram libertos porque D. António Barroso assumiu pessoal e inteiramente a responsabilidade pela leitura da pastoral. Logo no dia 14 de Março lhe foram agradecer e deixaram de recordação uma fotografia colectiva.[519]

A 31 de Março de 1911 todos os bispos portugueses são solidários com o seu colega no exílio, em carta-memorial enviada ao Ministro da Justiça. Assim escrevem:

 

Referindo-nos a este nosso irmão e colega no episcopado, que ele tanto tem exaltado e engrandecido pelas suas preclaras virtudes, pela sua ilustração, pelos primores do seu espírito e pelos seus inescurecíveis serviços prestados à religião e à pátria, quer como missionário nas regiões adustas da África, quer como prelado em algumas dioceses do ultramar, e na do Porto, não podemos deixar de manifestar a mais viva, a mais profunda e a mais justificada mágoa, quando pensamos nas tribulações e amarguras que esse varão insigne e zelosíssimo Bispo está sofrendo, com o afastamento da diocese que o estima, que o ama, e lhe devota o entranhado afecto que ânimos agradecidos e corações bem formados não sabem recusar ao seu querido chefe espiritual, ao seu caridoso e bondosíssimo Prelado.

A diocese do Porto lamenta semelhante afastamento, embora este não signifique que se tenha desapertado o vínculo espiritual que à sua igreja liga o respeitável e respeitado Prelado.[520]

 

Em Cernache do Bonjardim, recebeu, no dia 5 de Abril de 1911, a visita de 14 párocos do Porto que aí foram agradecer pessoalmente a atitude corajosa do Prelado que os libertou da prisão, mediante a sua declaração em assumir toda a responsabilidade no caso da leitura da Carta Colectiva. Deixaram­-lhe nas mãos um artístico pergaminho, assinado por todos, com uma declaração que é simultaneamente um acto de reconhecimento e de coragem:

 

Párocos da cidade do Porto, numa quadra difícil, em que a obrigação de confessar Jesus Cristo é singularmente imperiosa, nós vimos apresentar a V. Ex. Rev. ma, com fervor e sem reservas, os protestos do nosso respeito e da nossa admiração.

É uma herança despretensiosa e singela, acentuadamente filial, onde vibra e fala, com perfeita sinceridade, a impressão que nos causou o preclaro exemplo de integridade física e de firmeza apostólica, dado por V. Ex. a todos os católicos e a todos os portuenses. A todos! Os próprios adversários dos princípios que um Bispo católico representa confessam que a atitude de V. Ex. Rev. ma, em face do poder civil, foi, a todos os respeitos, um modelo de humidade e de nobreza moral. Como não entram em consideração com as energias íntimas em que a virtude da fé se desentranha, mais profundamente se curvam diante dessa atitude, que para eles equivale a uma afirmação suprema de carácter.

Homenagem de todo insuspeita, que nos consola e desvanece, por obedecer fielmente à inspiração da justiça, reconhecendo em V. Ex. Rev.ma toda a grandeza de alma de um português de outras eras.

É que V. Ex. Rev.ma soube cumprir o seu dever com uma firmeza antiga, verdadeiramente apostólica, para logo depois – numa hora inolvidável, que nos faz lembrar os primeiros anos da religião de Jesus – assumir todas as responsabilidades com destemor e franqueza.

Louvado intimamente pela voz da consciência, guiado pela mão de Deus, de bem com a sua terra – está a dizer-lho hoje o coração – V. Ex. não fraquejou um só momento, nem por entre as vaias da turba, nem perante a inquisição governativa, nem tampouco ao ser inteirado da sentença que o esperava ansiosamente, com pressa de vir a lume…

Fazer isto, de alma serena e cabeça levantada, sem temores humilhantes nem transigências suspeitas, é ser realmente um prelado, segundo o coração de Deus e as necessidades da Igreja, um Bispo egrégio e venerável, como outro igual os homens do poder não tinham visto, e, para o bem do País e para o bem de todos nós, precisavam muito de ver.

No espírito de renúncia, na abnegação acentuadamente evangélica que V. Ex. Rev. ma seguiu mais uma vez o caminho da justiça – esta via dolorosa, que não raro se identifica com o caminho do Calvário – revive para nós, num grande traço de luz, todo o passado ilustre do Padre Barroso do continente africano. Vê-se bem que, no amor à sua terra e no amor à Santa Igreja, no patriotismo e na Fé, o Bispo do Porto tem ainda hoje, como terá sempre, a mesma estatura moral do grande Missionário do Congo…

Douto, eloquente e luminoso compêndio de pura doutrina católica, a Pastoral Colectiva do Episcopado Português, apesar de apreendida, aqui e além, com todas as formalidades da lei, é já hoje um documento que pertence à História deste País e à História da Igreja. Teve aquela oportunidade que tem sempre a palavra de Deus, mesmo quando é importuna a certas conveniências e a determinados interesses.

A sua leitura, ansiosamente esperada pelos fiéis, era para o clero um dever de consciência, como a sua publicação pela imprensa foi para os Prelados uma obrigação imposta pelo seu alto e espinhoso ministério.

Até que ponto e em que medida colaborou na pastoral o brilhante e criterioso espírito de V. Ex. Rev. ma?. Não o sabemos dizer. Mas temos a certeza – e para o nosso caso é isto o que importa – de que o nosso Bispo, o santo Bispo do Porto, a sentiu e perfilhou como ninguém, em todo o seu alcance doutrinário, em toda a sua necessidade momentosa, em toda a sua solicitude paternal!

Pensar e escrever uma pastoral assim, tão cheia de luz e reveladora de zelo, é muito, vale muito; mas dar-lhe, com abandono e renúncia, o coração, sofrer por ela, vale imensamente mais, como lição amorável, como ensinamento prático, como exemplo profundamente evangélico!

E foi isto que V. Ex. Rev.ma fez. Para a tornar mais sugestiva, mais edificante e mais bela, no íntimo das almas, e nas folhas da História, piedosamente, como um Bispo dos primeiros séculos, V. Ex. Rev.ma pôs-lhe o selo do martírio.

Comovidos e subjugados ainda por esta prova suprema de integridade cívica e de grandeza moral, os párocos da cidade do Porto vêm apresentar ao seu eminente prelado os mais sinceros protestos de obediência, de respeito e de viva admiração, e vêm também dizer-lhe que pedem a Deus com fervor, com persistência e até com saudade, o pronto regresso de V Ex. Rev.ma a esta nobre e ilustre diocese.[521]

 

A longa transcrição justifica-se pela evidente prova de solidariedade unânime dos párocos da cidade do Porto, testemunho claro da lealdade e da estima pelas virtude do Bispo, sujeito a um exílio injusto.

Também o juízo dos historiadores, como do escritor portuense Dr. Artur Magalhães Basto fica perplexo diante dos factos e assim tenta perceber este exílio:

 

D. António Barroso não tinha o menor desejo de embaraçar a marcha da República. Ele mesmo declarou então confiar na República para a regeneração económica, social e administrativa deste País que tanto amava; mas, acima de tudo, estavam para ele os direitos da razão, da justiça e da liberdade; ele entendia, em sua consciência, que a pastoral não podia ser apreendida, nem a sua leitura proibida; considerou, portanto, despótica e meramente arbitrária a ordem do Governo! […] Era aquele o tempo em que andavam ao rubro as paixões e os ódios políticos e religiosos e a rua foi sempre assim. Mas tantos e tão altos tinham sido os serviços prestados à Pátria pelo venerando missionário, tantas e tão indiscutíveis eram as suas virtudes que até os seus mais intransigentes adversários, se eram justos, lhas reconheciam.

O Governo, como não podia deixar de o fazer, castigou-o, embora truculentamente, destituindo-o das funções de Bispo e Governador da Diocese do Porto e de Administrador dos bens da sua mitra; mas no relatório desse mesmo dec., de 7 de Março de 1911, que o destituiu, lê-se a nobre, espontânea e insuspeita declaração, firmada por Teófilo Braga, Afonso Costa, António José d’Almeida, etc, por todo o Governo Provisório – de ‘que D. António José de Sousa Barroso – palavras textuais – prestou outrora relevantes serviços à Pátria portuguesa como missionário nas nossas possessões ultramarinas, é dotado de incontestáveis virtudes pessoais que o impõem como homem ao respeito dos seus contemporâneos’ […].[522]

 

Mas esse respeito foi incapaz de descobrir o mau uso da justiça. Em discurso proferido por Afonso Costa, em 27 de Julho de 1911, no Parlamento, pretende-se dar uma versão própria dos acontecimentos. Eis a interpretação falseada do caso da Pastoral Colectiva:

 

Com o protesto dos bispos, nós, Sr. Presidente, poderíamos tê-los envolvido, até, num processo de rebelião, contra o qual não há fiança. Todavia, estudando o problema, como foi estudado e apreciado em França, quando, durante anos seguidos, teve de tratar da questão religiosa, resolvemos, sem violências, impor aos bispos a completa obediência ao poder civil.

Pois o único que, por infelicidade, não acatou as determinações do Governo, foi o do Porto. Não podia, por isso, deixar de ser destituído.

Foi arrastado pelos outros, mas esses recuaram. Rejeitaram a sua obra e entenderam que por esse caminho não deviam ir; rejeitaram a obra que pretendiam fazer de desobediência à paz e tranquilidade, que o povo português tanto quer […].[523]

 

Afonso Costa denota a sua percepção de que o castigo dado a um Bispo considerado herói pelo povo, foi uma infelicidade. A sua coragem e determinação só trazia custos políticos para o Governo.

Decorrido o primeiro mês de exílio em Cernache teve de optar por novo local, em virtude de acontecimentos anormais, ou seja uma sublevação no Colégio das Missões. D. António tinha saído de manhã para visitar um missionário em Vergão, Proença-a-Nova, no dia 19 de Abril. Ao tomar conhecimento da referida sublevação um médico amigo de D. António vai com o carro de cavalos ao seu encontro e dá-lhe abrigo. Fica alguns dias[524] em casa desse médico de Cernache, Dr. Gualdim António de Queiroz e Mello. Daí, logo no dia seguinte, escreve ao Núncio, informando-o de uma queda que tinha dado e explicando a revolta havida no Colégio. O Superior, Cón. Anaquim, é elogiado pela forma zelosa como está a enfrentar a situação, mas «os antecedentes de menos observância das actuais regras de formação eclesiástica» explicam os infelizes acontecimentos.[525]

A 27 de Maio está ainda na Covilhã, donde escreve: «já há dias comuniquei ao senhor Patriarca que, se o Governo aplicar qualquer pena aos Prelados que assinaram o manifesto, protesto que me não fosse antes aplicada a mim, e reclamarei publicamente para que também a mim seja aplicada, pois que com eles sou solidário, e da melhor vontade tinha assinado o protesto, se tivesse assistido à reunião […]».[526] Alude aqui ao Protesto colectivo do Episcopado, de 6 de Maio de 1911, contra o decreto de 20 de Abril que separa a Igreja do Estado. O bispo do Porto gostaria de ter assinado o protesto se assistisse à reunião e quer ser solidário com todas as consequências que venha a ter a decisão dos outros colegas.[527]

A 6 de Junho escreveu da Covilhã ao Encarregado de Negócios da Nunciatura, comunicando a ida para Barcelos.

Vai, então, para a terra natal de Remelhe, onde chega a 10 de Junho.[528] Aí tinha feito obras entre 1904 e 1906, com o apoio do Paço Episcopal.[529] Deslocado, condenado a um desterro sem limite de tempo, o Bispo do Porto viveu em Remelhe, na simplicidade como anacoreta, aproveitando o tempo, orientando a diocese à distância e recebendo muitas visitas que admiravam as suas virtudes. Fazia-lhe companhia o secretário P. Sebastião de Oliveira Braz. Este regresso à pacatez do campo não tinha aquele encanto habitual de quem vinha descansar das lides missionárias de outrora, mas o sabor amargo do pão do exílio forçado e injusto. Levantava-se cedo, lia e trabalhava. Aproveitava para dar pequenos passeios, sustentado por um cajado, e trocando amena conversa com os seus conterrâneos. Celebrava missa em sua casa, em capela improvisada, e por vezes na Capela da Casa de Santiago, de Moldes, edifício reconstruído em 1839.[530] Das ordenações na catedral do exílio resultaram os seguintes presbíteros: 23 (1911), 20 (1912), 20 (1913).[531]

Eis como um dos alunos ordenados, que viria a ser notável orador da Diocese de Aveiro, Donaciano de Breu Freire, conta esses momentos:

 

Hospedávamo-nos no Hotel Vinagre, um hotel de Barcelos cujo chamadoiro já punha em minha boca a amargura do cálix que o fel da calúnia encheria depois de ressaibos do Pretório…

Dali abalávamos, manhãzinha, para Remelhe. Era a uma ermida de encosta, pequenina e baixa que descia connosco o envelhecido Bispo apoiado numa cana da Índia, cana verde duma soberania vergada pelas violências do Poder, mas reflorida em rústico báculo de Pastor perseguido cuja jurisdição plena alcançava afinal os limites espirituais da sua diocese.

E nós éramos ordenados numa Cerimónia clandestina, obscura e comovente, evocadora dos tempos apostólicos em Damasco, em Antioquia, nas catacumbas…[532]

 

Como não era dado a lamentações aproveitava o tempo de exílio para o relacionamento com pessoas amigas que lhe abriam as suas casas. Era frequente comensal do Major José Simões da Silva Trigueiros, então proprietário da casa da Torre, e militar reformado de grande cultura. Aceitou várias vezes ir passar o dia à casa de praia na Apúlia, de Eduardo António da Fonseca, maestro portuense, que comporia o Hino a D. António Barroso que homenageou o bispo quando regressou à diocese em 1914. Também em Viana do Castelo tinha um amigo na Casa do Cais. Aí o Dr. Alberto de Magalhães Cerqueira de Queiroz o recebia por alguns dias bem como ao secretário.[533]

Um exemplo do tratamento dos problemas vários da diocese é a carta para o Conde Droste zu Vicchering, pai da Beata Maria do Divino Coração, datada de 20 de Fevereiro de 1913. Aceita e agradece a cedência da casa no Porto para as Irmãs do Bom Pastor.[534]

Entre a população da sua terra exercia um papel social curioso: combatia a rotina das suas culturas agrícolas e fomentava o espírito associativo. Toma parte activa na fundação de um sindicato agrícola, tendo anexa uma caixa de crédito para os associados.[535] Esta simpatia era crescente no desterrado e intemerato bispo. O prestígio da figura não tinha sido abalado e os jacobinos extremistas desejavam humilhá-lo.

 

5.4. Chamado ao tribunal (12-6-1913)

Um pequeno pretexto bastou para nova diatribe. Recebe na sua quietude, com surpresa, a intimação de um meirinho para comparecer no Tribunal de São João Novo, no dia 12 de Junho de 1913.[536] Qual era a acusação? Ter-se deslocado a Custóias, nos subúrbios de Matosinhos, diocese do Porto, infringindo o decreto de 7 de Março de 1911, para ser padrinho de baptismo, em representação do papa Pio X, de um filho do Dr. Sebastião dos Santos Pereira de Vasconcelos e Maria Joaquina Leão Pestana e Vasconcelos.[537] A celebração ocorreu no dia 24 de Março de 1913, na capela particular da Casa São Tiago e por isso com o recato exigido.

Costuma ser citada a atitude do Bispo do Porto ao enfrentar a barra do tribunal. Seguimos a descrição de D. António Barbosa Leão: «chamado aos tribunais, não se perturbou: lançou sobre o peito o crucifixo, companheiro inseparável dos seus trabalhos apostólicos, e disse com toda a confiança: Vamos lá, Senhor. Convosco irei alegre para o cárcere ou para a morte».[538] Em carta ao Encarregado de Negócios da Nunciatura, enviada na véspera do julgamento diz: absolvido ou condenado, ficará sempre o exemplo de que não deve haver medo dos tribunais quando se defende uma causa justa. Estou contente.»[539]

A presidência coube ao Juiz Dr. Joaquim Pereira da Silva Amorim e desempenhou o lugar de Delegado do Ministério Público o ilustre Dr. António Maria Pinheiro Torres, que se limitou a prestar homenagem calorosa ao bispo e pediu apenas justiça, sem formular justificações para a acusação. Foram ouvidas rapidamente as três testemunhas, padres que apenas confirmaram que o Bispo foi a Custóias e ali esteve o tempo necessário para o baptizado. Foi advogado de defesa o Dr. Francisco Joaquim Fernandes, amigo pessoal do bispo. Com argumentação fundamentada classificou o decreto como produto de um «incongruente, arbitrário, anti-jurídico, anti-científico critério do legislador».[540] Serve registar a pergunta mais lancinante, na retórica forense deste processo, pronunciada pelo advogado: «Porque é que este homem, com uma larga folha de dedicações pela sua pátria, e com lições de civismo tão flagrantes, que ninguém – nem mesmo aqueles que hoje se julgam optimos cidadãos – excedeu, porque é que este homem que tanto tem honrado o seu país, prestando-lhe serviços relevantíssimos que nunca souberam, puderam ou quiseram prestar-lhe aqueles que se arrogam a inglória missão de seus perseguidores, porque é que este homem, que é o protótipo da humildade, o escravo do dever, a encarnação da bondade e da paz – violentado um dia a galgar vertiginosamente os degraus do Paço episcopal, e expulso a toda a pressa da sua diocese, como se a sua convivência fosse nefasta, o seu contágio perigoso – é, pelo mesmo poder que o exilou, forçado a entrar hoje nela – não com as honras inerentes ao seu alto sacerdócio – mas chamado pela voz inexpressiva de um meirinho, para se defrontar com as justiças do seu país, e defender-se de quaisquer acusações que lhe movem?»[541]

O advogado explicava, na sua arguência cerrada, a razão, o móbil desta tentativa de incriminação: interromper a nostalgia da diocese pelo seu pastor, quebrar esse regime de separação. O meio foi «trazer aqui o santo e virtuoso Prelado a quem todos tanto querem e tanto estremecem. E, assim, este dia virá a transformar-se num dos dias mais felizes da sua vida».[542]

Após a empolgante defesa, em breves minutos, a sentença é lida e declara o Bispo absolvido pelo tribunal.[543] Quando chegou aos claustros a multidão irrompeu em aplausos vibrantes. Ao entrar na carruagem, das janelas circundantes caíram pétalas de flores, em despedida e sinal de rápido até breve à sua Sé.

Eis como o jornal A Nação dá cobertura do julgamento, com termos de muito interesse: «Há deprimências que dignificam, como há caracteres cuja nobreza mais se alteia, à medida que a perseguição e o ódio procuram ferozmente aniquilá-los. O venerando Prelado do Porto pertence a esse reduzido número de eleitos. […] Não puderam condenálo porque nem sequer um pretexto fútil se lhes deparou para justificar semelhante vergonha; mas se o tribunal que o julgou conseguiu ilibar-se, já o mesmo não aconteceu com os fanáticos que pretenderam, num impulso de intolerante sectarismo, ofuscar todo o glorioso passado e toda a majestática respeitabilidade do patriota, que debalde quiseram amesquinhar[544]

Quem não apreciou o epílogo do caso foi Afonso Costa. Ordenou um inquérito, que veio a concluir não haver irregularidades, procedendo ao arquivamento do processo. Contudo o Ministro da Justiça mandou censurar o Juiz por não ter apresentado recurso.

Interessante e revelador do espírito com que era acompanhado na diocese o decorrer do julgamento é a homenagem que várias agremiações católicas fazem em Remelhe, no dia 22 de Junho. A sala da residência do Bispo foi pequena para receber os visitantes. Usaram da palavra o professor Joaquim de Vasconcelos, da Juventude Católica do Porto; Dr. Almiro de Vasconcelos, da Juventude Catholica Penafidelense, que entregou ao Bispo exilado uma pasta com um pergaminho. Eis alguns dos termos deste manifesto, com 65 assinaturas:

 

A perseguição desencadeada brutalmente contra a Igreja portuguesa tras, ao menos para nós, os catholicos deste paiz, um grande e raro merecimento: veio mostrar-nos que não erão de todo extinctos da alma da nossa nação as mais puras virtudes cívicas e as mais nobres virtudes christãs. Foi o que aconteceu com V. Ex.ª Rev.ma

Perseguido, menosprezado pelos poderes publicos, expulso até da sua vasta e querida diocese, V. Ex.ª Rev.ma provou exuberantemente no seu paiz que tinha, não uma alma d’apóstolo, mas a fé inabalável e intemerata dos martyres.

Tem cumprido o seu dever de portugues e de prelado catholico d’um modo verdadeiramente exemplar, através de todas as agruras e de todos os sacrifícios.[545]

 

Seguidamente leu uma alocução o Delegado do «Grupo de estudos sociais» e Director de A Ordem; discursou o representante do Centro da Democracia Cristã do Porto, D. José de Lencastre; Narciso Pinto Loureiro falou em nome da «Defesa e Propaganda Católica», do Porto; as Conferências vicentinas; os «Amigos de Santo António»; a Associação Católica do Porto, representada pelo Dr. António Ferreira Pinto, o Comendador Joaquim da Silva Mello pelo Circulo Católico de Operários; Mário Pinho pelo jornal A Paz de Gaia, Alberto Silva Pinto pela Democracia Cristã de Gaia; Dr. Luís de Noronha pela Juventude Católica do Marco de Canaveses. A todos D. António exprimiu gratidão e testemunhou que estava disposto a ir aos tribunais, quantas vezes fosse chamado, para defender a verdade.

Alentado pela renovação da estima da diocese e confirmado pela absolvição, António Barroso decidiu lançar-se numa viagem pela França, Bélgica, Holanda e Vale do Reno para estudar e conhecer instituições e obras sociais católicas. Assim dava seguimento a uma preocupação pastoral, ampliando, pela experiência de outros, as intuições do seu espírito.

Obrigado a estar longe do seu rebanho, não vivia alheio às grandes questões que justificavam o seu sacrifício pessoal. Para dar apoio ao lançamento da revista Lusitânia, que tinha como director o Doutor Francisco de Souza Gomes Velloso, escreveu, com data de 8 de Dezembro de 1913, que é de toda a oportunidade reavivar o heroísmo «para varrer e sacudir a tirania de um sectarismo mortífero e antinacional, que nos assoberba e ameaça tudo esmagar». Ao detectar a situação indica o caminho: «no pendor em que as cousas vão é, pois, de instante e inadiável necessidade entravar a obra de dissolução que se está cavando – a descristianização do nosso país – e congregar todos os esforços para uma renovação religiosa, ou de regresso àquela fé ardente que nos fez grandes, e que hoje é a única que ainda pode salvar-nos. Só conjugando as forças católicas nacionais, e envidando um supremo esforço se poderá conjurar o perigo de vermos ruir a sociedade portuguesa, abalada nos seus fundamentos, por uma propaganda sem ideal, sem poesia, que tem tanto de anticristã como de antipatriótica.»[546]

 

5.5. Regresso à Diocese (3-4-1914 – 7-8-1917)

Decorridos três anos de exílio, surgiu no Parlamento a proposta de levantar a proibição de D. António Barroso viver na sua diocese. Como deputado, o Dr. António Augusto Castro Meireles recrimina a violência da condenação ao exílio de um herói da Pátria, apelando para o carácter ilimitado da pena, proibida pela Constituição em vigor. Seria outro padre parlamentar, Rodrigo Fontinha, a apresentar a proposta em 14 de Março de 1914. Assim, devido a diversas intervenções, pode voltar ao Porto, ao cair da tarde do dia 3 de Abril de 1914. No dia seguinte realizou-se um Te Deum de acção de graças, na Catedral, engalanada pelo armador Alberto Pereira.[547] Muitos choravam de alegria ao ouvir de novo a voz do Pastor a quem amavam.[548] O bispo agradeceu a recepção tão afectuosa e defendeu a urgência de radicar em todos a harmonia e a paz. Manifestou reconhecimento pelas visitas a Remelhe, pela dedicação de todos no serviço obediente, durante a sua ausência.

Evitou, contudo, qualquer manifestação com esta entrada quase furtiva. Mas mal o povo conheceu este regresso ansiado fez romaria à volta do palacete de Sacais, preparado para residência episcopal.[549] Os jornais do Porto, como A Ordem, que classificava a recepção como «espectáculo deslumbrante e verdadeiramente esmagador», e O Primeiro de Janeiro, noticiaram estes gestos festivos de todos os grupos sociais e organismos católicos, sublinhando o clima de festa e euforia.[550] O Comércio do Porto, ao longo de vários dias, manteve a crónica das filas de gente que queria cumprimentar o seu bispo.

Na recepção oferecida na nova residência usou da palavra o Vigário, Cónego António Joaquim Pereira. O Cónego Teófilo Salomão, em nome do Cabido, dos empregados da Cãmara eclesiástica e do Seminário, pôs nas mãos do bispo um rico cordão de ouro, com a respectiva cruz peitoral. Os párocos da cidade do Porto brindaram o bispo com um báculo de prata, cópia do mais precioso que existia no tesouro da Sé. Uma Comissão de senhoras ofereceu um faldistório de prata, com panos e almofadas de seda e damasco, com bordados a fio metálico dourado.[551] Perante tantas provas de dedicação e expressões extremamente afectuosas D. António sentiu a necessidade de escrever ao Núncio, em 15 de Maio de 1914, para relatar a impressão que lhe causaram tantas provas de fidelidade dos diocesanos. Mas não interpreta a seu favor toda esta simpatia. E anota: «foi outro, porém, segundo penso, o calor que animou e deu vulto ao entusiasmo com que fui recebido […] o calor da sua fé religiosa, que explode em assomos de vitalidade perante o despotismo que se pretende exercer na consciência católica».[552]

Entre as muitas saudações pelo regresso pode assinalar-se a da revista Lusitania, dirigida pelo Dr. Francisco de Sousa Gomes Vellozo, do Porto. A 1 de Junho de 1914 assim se expressava:

 

Ei-lo que volta para alegria da caridade e bom ânimo dos soldados! Traz do exílio mais brancos os cabellos, e sente-se que não foi debalde que o látego violento da perseguição odiosissima silvou no ar sobre a sua cabeça altiva de Bispo portuguez!

Há todavia na sua face o mesmo sorriso afavel e bom que atrahe os corações e na luz dos seus olhos vibra ainda a scentelha fina do brilhantissimo espirito que o tom firme da voz também revela…

 

O venerando bispo, de 60 anos, estava muito envelhecido pela amargura do desterro. Mesmo assim não esmoreceu na sua actividade pastoral.

Por entre as múltiplas tarefas pastorais imediatas ainda encontra tempo para escrever uma carta-prefácio, datada de Setembro de 1914, à obra de Mons. José Augusto Ferreira, Manual de História das Religiões.[553]

Nos primeiros meses de 1916 esteve gravemente doente e só para finais de Janeiro melhora. No início de Fevereiro está em Remelhe, em convalescença. Escreve já de seu punho, ao Encarregado de Negócios da Santa Sé, Mons. Aloisi Masella uma carta, a 5 de Março de 1916, respondendo com manifesta clareza:

 

Sou de opinião que se deve protestar com energia contra as violentas intromissões de um Governo que, não tendo religião alguma, se arroga o direito de se intrometer nos domínios espirituais da Igreja católica para a oprimir.

Pela circular, que só conheço pelas referências dos jornais, se conclue que o Governo, não só faz violências às consciências dos católicos, mas também afronta a autoridade do Sumo Pontífice.

É, pois, conveniente que o Senhor Patriarca proteste em nome de todos nós, os Bispos Portugueses, ao menos para que lá fora não pareça que consentimos, com o nosso silêncio, todas as violências e extorsões levadas a cabo contra a Igreja católica e o seu Chefe Supremo.[554]

 

Em carta para Luís de Almeida Braga (13-4-1916) elogia a coragem da sua conferência pronunciada na Associação Católica do Porto, com alegria de ver um novo defender com assombro o que «muitos guardam recatadamente no seu foro íntimo, mas sem coragem de os exteriorizar». Por isso olha com esperança para o futuro apesar do quadro negro com que depara: «nem tudo são tristezas nesta babélica anarquia intelectual e moral que agita e desorienta os espíritos nas sociedades hodiernas e designadamente na portuguesa.»[555]

O jubileu episcopal, ocorrido a 5 de Julho de 1916, foi motivação para diversas homenagens.[556] D. António soube endereçar as vantagens da generosidade a favor dos padres pobres e de causas sociais, como ficou dito. Recebeu do Papa Bento XV uma carta autografada, onde refere a prova de estima recebida através do «Dinheiro de São Pedro».

O bispo missionário continua a aconselhar a Santa Sé em matéria de assuntos africanos. Responde a uma consulta feita pelo Encarregado dos Negócios em Lisboa, relativamente ao governo eclesiástico de Angola. Considera que «aquilo que mais convém aos interesses das almas e da civilização cristã é dividir a actual diocese em dois vicariatos apostólicos, um ao norte, com sede na cidade de Luanda, e outro ao sul com sede na Huila». Aponta a Congregação dos Espiritanos como a mais experimentada para assumir essa tarefa. Prevê críticas e antecipadamente clarifica: «Se alguém quiser ver nesta minha maneira de encarar o assunto menos amor ao meu país, a esses responderei que acima dos interesses morais ou materiais da minha Pátria, coloco os espirituais da Igreja, de quem sou filho e ministro, e estou convencido de que é esta a solução que mais se coaduna com esses interesses.»[557] É muito interessante esta afirmação porque evidencia a razão profunda das opções pastorais do Bispo: os interesses do bem e não os do Estado português no imediato.

A 4 de Setembro de 1916 volta a dar à nunciatura conselho sobre questões relativas aos problemas das missões no Ultramar, mas a letra não é do seu punho, porque entrou de novo em período de agravamento de saúde. A 11 de Dezembro é o fiel amigo de D. António Barroso, o Cónego António Joaquim Pereira que informa o Encarregado de Negócios da Santa Sé das preocupações que ultimamente tem merecido a saúde do Prelado.[558] O mal-estar prolongou-se por Janeiro e o Bispo sente que as forças se vão esgotando e decide mandar chamar o tabelião. De facto, a 19 de Fevereiro de 1917, António Barroso redige o seu testamento. Aí testemunha com evidência a sua pobreza evangélica: «Nasci pobre, rico não vivi e pobre quero morrer, em obediência e acatamento às sábias leis da Santa Igreja católica. Por isso, e salva a liturgia, quero que o meu funeral seja o mais pobre possível.»[559]

 

5.5. Novo exílio (7-8-1917 – 20-12-1917)

Sob pretexto de que o Bispo do Porto tinha concedido a três mulheres piedosas a autorização de viverem em comum, praticando os conselhos evangélicos, em Vila Boa de Quires (Marco de Canaveses), o Ministro da Justiça, Alexandre Braga, alega atentado contra a dissolução das ordens religiosas e aponta-lhe o caminho do exílio. António Barroso autorizou canonicamente as senhoras a instalarem-se, mas nada podia fazer no tocante às leis civis. Estas três senhoras eram religiosas da casa mãe de Guimarães, «casa das Capuchinhas», que tinha fechado por força das leis da Separação. Consideraram momento oportuno ir viver na referida freguesia. Deviam, segundo as condições legais, pedir autorização ao Governo, desde que vivessem secularmente e se ocupassem numa actividade consentida, como saúde. Competia às religiosas requerer a regularização da situação. Quanto à acusação de haver uma nova «profissão» não era verdade porque a criada das senhoras, Maria, apenas se fez terceira franciscana e não religiosa. A princípio, D. António pensou que a irregularidade consistisse no número de cinco senhoras terem sido vistas lá na casa, enquanto o número autorizado era de três. Mas a questão estava em não terem autorização do Governo, mas apenas uma licença canónica, concedida pelo bispo, que ignorava o facto da outra concessão. Não lhe competia fiscalizar o foro civil. Apesar de prestados os esclarecimentos, nada valeu porque comandava a má fé por parte das autoridades. O Governo baseou-se num parecer de uma Comissão executiva, datado de Lisboa, 28 de Julho de 1917. Os membros identificados desta Comissão são maçónicos.[560] Quando o caso começa a aparecer nos jornais, fruto da denúncia anticlerical, o Presidente da República, Bernardino Machado ofereceu os seus ofícios para que se evitasse novo exílio.[561] Telefonou para o Paço de Sacais[562], mas o bispo estava em Remelhe a cumprir um voto, feito por ocasião de doença grave. Foram preveni-lo e regressou rapidamente ao Paço para falar telefonicamente com o Presidente. Fruto dessa conversa, em que o Presidente manifestava vontade de evitar novo castigo, se entende a carta que lhe enviou D. António Barroso, a 4 de Agosto de 1917.[563] Confessa nesse escrito a autorização concedida a «três senhoras pertencentes a uma associação religiosa, canonicamente erecta e destinada a tratar do culto e doutrinação de creanças na egreja parochial», a consequente autorização da celebração da missa no seu oratório particular, «como tem feito a todas as pessoas que assim o desejam». Esta medida não contradiz o seu respeito e obediência às leis, «quando estas não firam os direitos de Deus e da consciência cristã». Declara sem rodeios: «Nunca praticou, e espera não praticar, acto algum de hostilidade contra os regimes e leis do seu país; só lhes desobedeceu e desobedecerá, quando essas leis invadirem a esfera espiritual da Igreja católica. Nesse caso a obediência seria uma cobardia, que espera em Deus não cometerá.»[564] Mas esta tentativa presidencial não surtiu efeito, pois venceu a rígida interpretação da lei feita pelo Ministro da Justiça, Alexandre Braga. O Decreto de 31 de Julho, só publicado no Diário do Governo a 3 do mês seguinte, condenava D. António Barroso, ao abrigo do Art.º 146 da Lei da Separação, a dois anos de exílio que não podia ser cumprido nos distritos limítrofes do Porto, Braga e limítrofes. Daí a escolha de Coimbra. Tinha cinco dias, a partir da publicação, para se ausentar.

Assim se apanha nas malhas da lei quem não pretendeu infligir normas da jurisdição civil. Chamado pelo Governador Civil, António Barroso é intimado a dar explicações, mas o decreto de condenação já estava assinado. Novamente exilado, a 7 de Agosto de 1917, saiu às 15,30 do Paço discretamente, para evitar manifestações de protesto contra esta injustiça, e encaminhou-se, no automóvel de um amigo, para Coimbra, lugar para este desterro. Acompanhava-o o Cónego Gaspar de Freitas. Viveu mais de quatro meses no Hotel Avenida, mesmo no início da estrada da Beira. Aí gozava do convívio do Dr. Francisco Martins, entretanto integrado na Faculdade de Letras. Não deixou, porém, de firmemente e com nobreza cristã, levantar sereno protesto. Assim escreve:

 

 

Em toda a minha vida nunca fugi ao cumprimento dos deveres de cidadão português, de padre ou de Bispo.

Recebendo o castigo que me foi imposto, protestarei contra a ilegalidade do mesmo, e darei graças a Deus por mais uma vez me julgar digno de alguma coisa sofrer, por ter cumprido, tanto quanto possível, com os meus deveres.

De resto, qualquer perseguição à Igreja, ou aos seus ministros, redunda sempre em benefício da mesma e em desprestígio das instituições que a fazem.[565]

 

Esta carta revela a profundidade das motivações pastorais do Bispo e a sua coragem frontal em expor a diferença do seu pensar, livre das consequências que adviessem da luta pela verdade que o fundamenta.

Apesar de muitas personalidades da ciência, da finança, do comércio e indústria intercederem junto do Governo para evitar este desconforto a um bispo tão alquebrado de forças, pela muita dedicação às tarefas de que foi incumbido ao serviço da Igreja, nada se conseguiu do Ministro da Justiça. Nem a palavra do Presidente da República valeu nada. No Norte ia crescendo uma reacção hostil ao Governo. O jornal A Ordem, de 18-10-1917, transcreve as visões críticas dos bispos de Braga e Évora. O Protesto era claro ao afirmar: «os católicos são vexados, perseguidos, punidos e caluniados! E nós, os dirigentes da Igreja em Portugal, é que somos acusados de intolerância!» As informações do Encarregado de Negócios para o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Gasparri, esclarecem: «qualquer comentário a tão injusta punição parece-me supérfluo…». O amor dos diocesanos cresce, como demonstra uma súplica ao Presidente da República, que «num só dia, recolheu mais de 12.000 assinaturas e foram mais de 10.000 visitar o seu venerando pastor».[566]

Em carta de 22 de Julho de 1917, escrita de Coimbra para o pai do P. António Delgado, director do Stella Maris de Leixões, transparece a atitude com que D. António Barroso vivia este segundo exílio: «Praza a Deus que durante estes dois anos possa recobrar forças para poder estar preparado para outro [decreto de condenação], pois vejo que me tomaram à sua conta e eu, graças a Deus, nunca soube o que era medo diante do cumprimento do dever…»

Só a chegada de Sidónio Pais ao poder, a 5 de Dezembro de 1917, vai anular o decreto opressivo. Por isso, a 20 de Dezembro do mesmo ano, o bispo regressa à sua diocese.[567]

 

5.7. A agonia do herói (20-12-1917 – 31-8-1918)

Todos estes abalos debilitaram o porte atlético e minaram a resistência física de D. António Barroso. Daí que, passados poucos meses, atacado pela doença, ainda que benigna, estava demasiado enfraquecido por tantos vexames e humilhações, acolhidos com serenidade, mas violentando a sua energia. Assim testemunha o seu sucessor: «envelhecido antes do tempo, de cabelos brancos e andar vagaroso, passava pelo meio do povo e todos se descobriam respeitosos, lhe pediam a benção e diziam: ‘é um santo’…»[568]

A 21 de Março de 1918 concede – a que será a última – entrevista ao jornal A Voz Pública. Testemunha uma gratidão enorme e firme esperança na República nova de Sidónio Pais. Assim se exprime: «Com a República velha não queríamos nada, não podíamos querer-lhe nada, porque ela, nada querendo connosco, tirou-nos quanto quis. Ofendeu-nos, perseguiu-nos, espezinhou-nos desde o primeiro dia até ao último … No começo, ao nascer, a mim prendeu-me. No fim, ao estrebuchar, na agonia, ao morrer, tinha-me exilado. Com a ‘república velha’, – que Deus haja por onde não volte a dar perca e a fazer tropelias – tínhamos contas velhas. Com a República nova, não.»[569]

Nos últimos tempos perdia o vigor e envelhecia repentinamente. Deixemos a palavra a quem o viu na gare de São Bento, por ocasião da viagem de Mons. Ragonesi ao Minho. «D António envelhecera de repente, alquebrara-se, perdera o vigor que sacudia sempre aquele corpo forte, habituado a lutar como forma d’uma alma que só soubera vencer, e só o olhar cintilava num clarão vivo como sempre, acendido d’entusiasmos e de esperanças, único e desgarrado resto desse que fora forte e bizarro minhoto, afirmando energia e valor, semeando bondade e carinho – um corpo de latagão que as vestes episcopais atenuavam, dando uma grave, serena compostura[570]

Na tarde do dia 2 de Agosto de 1918, aniversário da entrada na diocese, sentiu-se incomodado. Passados dois ou três dias verificou-se que se tratava de uma febre paratifóide, com todo o enorme mal estar consequente das infecções intestinais.[571] Além do afamado clínico Dr. Torres da Costa, o Bispo foi assistido pelos Doutores Tito Fontes e Carlos Fortes. A junta médica que acolheu também os doutores Roberto Frias e Muago de Almeida concluíram pelo diagnóstico reservado.[572] Após quatro semanas de enorme sofrimento, suportado com cristã resignação e exemplar paciência[573], a mesma coragem da vida toda, deixou o coração de bater na madrugada do dia 31 de Agosto de 1918, um sábado. Conta o Bispo de Leiria (1920-1957), D. José Alves Correia da Silva, então cónego do Porto, que fora avisado em férias para vir visitar o bispo, em perigo de morte. Era o dia 28 de Agosto: «agonizava no seu leito modesto, cercado da dedicação dos seus familiares, o santo Bispo. Competia-me, como cónego mais antigo dentre os presentes, a honra insigne e o encargo de lhe administrar os últimos sacramentos. Comovido, lágrimas a custo represas, dirigi-lhe algumas palavras. Não sei se as percebeu. … Acabada e cerimónia, não podendo já falar, fixou-me com olhos tão meigos, tão carinhosos que nunca mais os pude esquecer. Tenho comigo esta visão que reflectia todo o coração bondoso e dedicado do grande bispo que daí a pouco, serenamente, entregava a sua alma a Deus[574] No dia 29, o Cabido envia circular a dar conhecimento da gravidade da doença e a pedir orações públicas. A imprensa faz eco desta dor e fica a guardar a dolorosa notícia. Viria logo, em circular emitida no dia seguinte pelo Deão.

Os diocesanos do Porto durante quatro dias (tarde de 31 até à tarde de 2 de Setembro) cercaram de homenagens o cadáver do notável missionário.[575] A concorrência de fiéis de todas as classes sociais para prestar a última homenagem ao bispo foi interminável. A demonstração do amor dos diocesanos e da estima nacional revelou-se. As lágrimas de saudade e de respeito encheram muitos olhos, como narram os jornalistas. Raramente a cidade presenciou tão espontânea e sentida manifestação de carinho. Às duas horas da tarde terminou o desfile junto ao caixão. Do Paço de Sacais o cortejo fúnebre passou por meio de muitos portuenses, que logo enchiam a Rua Ferreira Cardoso, em frente ao Paço, até à Sé onde chegou pelas cinco horas do dia 3 de Setembro. Pelas 10 horas do dia seguinte começaram as exéquias solenes com a Sé novamente repleta. Estavam presentes os bispos do Algarve, de Viseu, de Coimbra, de Portalegre, de Braga e todos os outros se fizeram representar.[576]

No dia 4, o corpo foi trasladado para Barcelos por comboio, sob abundante chuva. O cadáver manteve-se em Barcelos, exposto ao público até ao dia 5, quando foi transportado para Remelhe, sendo sepultado na sua terra natal em modesto sarcófago.

Aqui repousaria até à construção da capela-jazigo no cemitério, feita por subscrição pública, lançada pelo O Comércio do Porto e dinamizada pelo Prof. Bento Carqueja. O risco é do arquitecto Marques da Silva. Os vitrais desta capela, da autoria do Mestre Ricardo Leone[577] e datados de 1929-1930, representam momentos da vida do Servo de Deus: 1) jovem agricultor, auxiliar dos pais, no gesto de lançar semente à terra, tendo a legenda: laboravit in Domino (Rom.16, 12); 2) missionário em África, rodeado de negros, com legenda: Euntes docete omnes gentes (Mat.28, 20); 3) bispo a distribuir esmolas a gente de várias etnias e idades, com a legenda: Pertransit benefaciendo (Act.10, 38); 4) presidente de celebração, revestido de pontifical, com a legenda: tanquam Aaron (Heb 5, 4).

A trasladação dos restos mortais realizou-se a 5 de Novembro de 1927. Nessa ocasião o Cónego Dr. Francisco Correia Pinto proferiu uma preciosa obra de oratória.[578]

Bispos, padres e uma imensa multidão, calculada em 50 mil pessoas cobriu o chão de flores. E da igreja até ao jazigo, ao som do Miserere, o ataúde foi levado aos ombros entre o reconhecimento comovido e a memória impressionada pelo notável apóstolo.

 

 

 

PARTE V

TESTEMUNHOS UNÂNIMES DA SANTIDADE

 

                                      

 

 

D. Carlos A. Moreira Azevedo

 

 

 

1. A concordância das notícias, na hora da morte

 

A notícia do falecimento de D. António Barroso ilustra imediatamente a simpatia geral que conseguia reunir. Os jornais de variadas tendências foram unânimes no elogio do ilustre finado: A Voz Pública, O Primeiro de Janeiro, A Ordem, O Comércio do Porto, O Jornal da Tarde, O Dia, O Liberal, A Opinião, O Jornal de Notícias e todos os diários de Lisboa.

Assim resume o perfil de D. António Barroso O Primeiro de Janeiro (31-8-1918), no dia da sua morte: «de aspecto rude, mas na realidade amorável, generoso e esmoler, a caridade exerceu-a tão largamente, como o seu coração lho pedia. O preceito do Evangelho recebeu do ilustre Prelado a máxima consagração.» Outro diário do mesmo dia concretizava: «O paço episcopal do Porto passou a ser o doce refúgio de quantos desventurados se acolhiam sob a protecção de D. António Barroso.» (O Comércio do Porto, 31-8-1918).

O Comércio do Porto (10 de Setembro de 1918), ao abrigo de suspeita de qualquer lisonja, em artigo de fundo, escrito dez dias após a morte do Bispo do Porto, atesta o respeito pelo seu perfil moral:

 

A figura barbada do missionário, que lidou anos e anos, empenhando a vida ao serviço da Patria e da Religião; a do Ministro da Igreja, cuidando sem cessar de a defender contra as arremetidas da iconoclastia, e servindo-se nessa defesa não de armas que ferem e fazem sangue, mas de palavras de convencimento e amor que fazem adeptos – essa figura singular é a que, por uma indomável aproximação da política, nos avassala, ao traçarmos hoje esta crónica semanal.

É a figura – todos o adivinham já – empolgante e dominadora, generosa e santa, veneranda e bíblica de D. Antonio Barroso, bispo do Porto.

A sua morte serviu aos políticos, simultaneamente, duas lições, qual delas mais eloquente e mais severa: Demonstrou-lhes que o homem perseguido pela inquebrantável fé nas doutrinas do seu ministério augusto não perdera nada daquela bondade ingenita que foi o seu grande predicado e daquela abnegação heroica que foi o seu grande apanágio de pastor de almas. […] Demonstrou-lhes também, aos politicos, a morte do grande prelado que um povo essencialmente bom, como o povo português é insusceptível de ser desviado do caminho da bondade, por mais que o pretendam desvairar e arredar desse caminho.

 

O jornal A Voz Pública, de 31 de Agosto de 1918, definia o Bispo em cima do acontecimento da sua morte, nestes termos: «o rude pioneiro dos sertões africanos, a alma de patriota e coração de santo, que […] era para todos nós portuenses, para todos nós portuguezes, uma das mais lídimas e gloriosas figuras da nossa terra»… E prosseguia: «Grande na sua fé ardorosa e candida, espalhando a palavra do Evangelho» «Ninguém mais crente, mais bondoso, mais santo, dirão as hordas humildes dos que ele catequisou»… «D. António Barroso era para os crentes um santo – para nós, para todos os portuguezes, no culto sagrado dos nossos corações. O seu nome perdurará, luminoso e vivo como o nome cristalino e glorioso d’um grande portuguez»…

O Primeiro de Janeiro (31 de Agosto de 1918) enaltece a figura de D. António Barroso, com emoção: «Nele a devoção religiosa era uma derivação do seu carácter, assentando no fundo de uma alma de clara bondade, onde acordavam os sentimentos da mais exaltada moral

O académico Dr. Júlio Dantas presta assim homenagem ao Bispo: «Tive a honra de conhecer pessoalmente o nobre Prelado que, perante a comovida veneração do povo que pastoreava, acaba de extinguir-se, com a consciência de um justo e a tranquilidade de um santo, na sua pobre alcova do seu Paço de Sacais (…) Venho hoje pagar à sua memória a minha obscura dívida de gratidão, descobrindo-me respeitosamente perante o cadáver de um homem que, mais ainda do que pelos esplendores do báculo, foi grande pela bondade, pela modéstia e pela virtude…» E continua: «Porque considero a figura do Bispo do Porto, pelo seu alto relevo moral, o melhor exemplo que pode hoje apontar-se a uma sociedade sem virtudes e sem carácter, beijo de longe, comovido, a sua mão inerte e faço votos para que as suas palavras de amor e de perdão, pronunciadas por essa nobre e serena consciência, possam ainda um dia, como fogo redentor, destruir a semente maldita do ódio no coração de todos os portugueses.»[579]

O Presidente da Comissão administrativa da Câmara do Porto, Dr. José Nunes da Ponte, na reunião do Município de 5 de Setembro de 1918, deixa em acta uma declaração de veneração e respeito a quem «fora uma afirmação ininterrupta da nobreza das suas virtudes. Missionário por largos anos nas nossas colónias e missionário dos mais prestigiosos que regista a história brilhante das nossas missões ultramarinas, o ilustre e infatigável evangelizador, que associava à sua linguagem fácil, eloquente e instruída a sinceridade inquebrantável da sua fé viva e ardente, essa força prodigiosa que dá o poder de persuasão e que se impõe ao respeito de todos os homens, ele, o insigne missionário, ao passo que estendia largamente a esfera da sua acção religiosa, difundia por tantos povos incultos os princípios da civilização cristã alargava a influência da nossa bandeira, consolidando o nosso domínio colonial com mais segurança e firmeza […]».[580]

O Album dos vencidos salienta, no elogio ao bispo do Porto a resistência que «o ardente clima dos trópicos apenas conseguiu abalar, e mais e melhor, na rigidez de ânimo, característica de um grande lutador cônscio da grandeza do seu sacerdócio».[581]

O periódico A Ilustração Católica publicava um soneto de A. Rodrigues Leal.

 

14-9-1918:

Morreu – possuindo numa alma a Caridade acesa

Para todo o gemido e para todo o pranto!

Morreu – sabendo amar a terra portuguesa

E cumprindo a missão de Apóstolo e de Santo!

 

– Homens que andais no Mundo à cata de beleza

De amor e perfeição: – feridos pelo espanto,

Curvai-vos ante o morto e ante a sua grandeza

E beijai com respeito as fímbrias do seu manto!

 

Esquecei um instante as fratricidas lutas

E, molhando em saudade as pálpebras enxutas,

Ao clamor da Justiça e do bem – ajoelhai!

 

– Escrevei na memória o seu nome e lembrança

E Guardai para a vida a sua bela herança

De piedade, orações e sorrisos de Pai![582]

 

 

2. Virtudes heróicas

 

D. António Barbosa Leão, sucessor de Barroso, escreve dele em 1920: «Era tão extraordinariamente grande a sua personalidade, eram tão notáveis as suas qualidades, foram tão variados e tão fecundos os seus trabalhos, que não se atina com o que se ha de proferir[583] O testemunho da santidade sem destaque para uma atitude particular surge no escritor e cronista portuense Dr. Magalhães Basto: «O vigário excelso de Cristo, modelo de missionários, exemplo de portugueses, D. António Barroso, verdadeira alma de Apóstolo, era figura que se impunha – e impõe a admiração de todas as almas justas – pela abnegação, pelo heroísmo, pela virtude, pela santidade de que foi feita a sua vida exemplar!»[584]

Após traçar o seu perfil conclui o conhecido historiador Mons. Miguel de Oliveira: «quem o conheceu pessoalmente conserva de D. António Barroso a impressão inolvidável de uma figura que já em vida pertencia à História de Portugal e tudo iluminava em redor com a refulgência das suas virtudes humanas e sobrenaturais»[585].

São muitos os testemunhos, como o do Superior Geral da Sociedade das Missões da Boa Nova, P. Manuel Castro Afonso, a afirmar o desejo de que D. António seja proposto como modelo missionário. Eis as suas palavras: «Entre os membros desta Instituição, devido à orientação espiritual que nos foi dada por pessoas que conheceram o Bispo D. António Barroso, ele ficou sempre para nós como modelo de missionário… que a Igreja devia beatificar e canonizar. Estamos ligados a essa ideia desde sempre.»[586]

Na hora de encerrar o processo de beatificação (5-11-1994), o Bispo do Porto, D. Júlio Tavares Rebimbas, caracteriza deste modo a figura de D. António Barroso: «fulgurante auréola de prestígio, inquebrantável zelo apostólico, incansável dinamismo missionário, intrépida fortaleza evangélica […] não sucumbiu este paladino da fortaleza cristã, da pobreza evangélica, da caridade sobrenatural, da modéstia sem preconceitos, de bondade sem afectação, de perdão sem transigências suspeitas. Não sucumbiu nessa hora uma vida porque se levantou uma memória!»[587]

Mas, na necessidade de ilustrar o que desde a sua morte até hoje é testemunhado, tentamos reunir à volta das virtudes que mais se evidenciaram as referências obtidas, ordenando-as cronologicamente.

 

2.1. Abnegação e Bondade

A abnegação e desinteresse económico em que viveu são atestados no decorrer do seu ministério. Em Moçambique deixou nos apontamentos particulares, referidos por Sebastião Braz, a confissão «Os meus antecessores pediram augmento de congrua, e não foram attendidos; pela minha parte não pedirei, pela repugnância que sinto em pedir para mim».[588]

Fazendo sua a causa dos pobres e de todos os necessitados que intercediam pela sua ajuda muito pediu para eles. Não se cansava de atender os desprotegidos e ser para eles o amparo, com afável bondade, com acolhimento das suas amarguras e lamentações.

Não admira que, no jubileu episcopal em 1916, o jornal A Ordem, pela pena do Cón. Dr. Francisco Correia Pinto, o apelidasse de «Bispo dos pobres». O texto ilustra vários momentos da vida do bispo nos quais brilhou a força ardente da caridade. Desde Moçambique, onde o Bispo «ficou apenas com o seu nobre e generoso coração, sem casa e sem rendas, quase tão pobre como os pobres que socorria. Os seus filhos ofereceram-lhe uma pousada. Mal a conheceram, os indígenas para lá foram, para lá vão ainda, pedir pão, agasalho, conforto, as boas a santas palavras que só ele sabe dizer, – pedir até por vezes o impossível!» Mais adiante continua: «Vêem-se até, frequentemente, na mão dos pobres recomendações, palavras do virtuoso Prelado. São esmolas… Confesso que nunca as leio sem me comover profundamente. É a alma do Prelado, amorável e carinhosa, que passa pelas ruas da cidade a facilitar o caminho dos seus filhos mais desgraçados…»[589]

Na última entrevista de D. António Barroso ao jornal A Voz Pública (21-3-1918) pode ler-se: «Para se extirpar esse cancro terrível da miséria já me pus inteiramente à disposição do senhor Governador Civil, de quem sou um velho amigo. E ele sabe bem que tenho feito quanto posso. Tenho pedido o auxílio de Senhoras, tenho pedido esmolas. E tenho obtido muitas roupas, muitas dádivas. Mas não descanso. Para os pobres, para os que têm fome, para os rotos que não têm que vestir, e que o tifo vai procurar, nos seus antros de miséria, tudo é pouco. Tudo é nada. E hei de conseguir mais… A generosidade dos que podem é muito grande, é infinita. Sobretudo a caridade da mulher portuguesa[590]

Na primeira reunião camarária do Porto depois da morte do Bispo, o Presidente, Dr. Nunes da Ponte, assim se referiu: «a sua convivência, sempre fácil e amável, tornando-o mais intimamente conhecido, revelou-lhes qualidades de coração que o Porto jamais poderá esquecer. Ele era a personificação da bondade. No seu coração só havia lugar para o bem. Era essa mesma a feição predominante do seu espírito superiormente elevado e culto. Se os homens compreendessem a fraternidade como a praticava o prestigioso Prelado, quantas misérias sociais se não poderiam extinguir, ou, pelo menos, atenuar consideravelmente?!»[591]

A gente humilde depressa viu no bispo um amigo. Recebia a todos com «encanto, nobreza e simplicidade», no dizer do sucessor, D. António Barbosa Leão.[592] Não admira que recebesse o título de «Pai dos pobres». Impressiona o testemunho do seu sucessor, escrito em 1921, «Em sua casa faltaria talvez na mesa até o necessário; o seu vestuário muitas vezes denunciava pobreza, embora a mitra do Porto fosse considerada rica; mas para os pobres havia sempre: esmola e palavras amigas. A sua presença, a sua palavra, o prestígio do seu nome, tornaram-se indispensáveis em todas as obras e instituições de caridade e de beneficência[593]

A palavra oportuna, a presença marcante ajudaram muitas instituições dedicadas ao bem dos outros. A partilha dos bens era praticada com verdade. Na pastoral de saudação declarava: «Podeis crer, filhos caríssimos, que o Paço do vosso bispo há-de ser o refúgio dos vossos males».

A sua vivência da pobreza não era mera naturalidade de suas raízes, nem vincada obrigação da experiência africana, assumia antes contornos de virtude, cultivada com o amparo permanente de uma profunda consciência evangélica do essencial testemunho da caridade. O Dr. Júlio Dantas visitou D. António, no Verão de 1910. Descreve assim o encontro: «Assomamos a uma janela para ver lá em baixo, no Douro, faiscante de sol, a linha fenícia dos barcos rabelos, subindo o rio. Quando depois de atravessar as salas nobres da residência episcopal, – quadros de opulenta fábrica seiscentista, com os seus tectos doirados em caixotões, as suas velhas pinturas, os seus silhares altos de azulejo, – chegamos à pobríssima alcova onde dormia o bispo do Pôrto, à sua humilde cama de ferro coberta de chita, á sua tôsca mesa onde havia apenas uma cruz e a Imitação de Cristo. Os olhos sem querer, turvaram-se-me de lágrimas, a figura angélica de Frei Bartolomeu dos Mártires resplandeceu diante de mim, e, talvez pela primeira vez na minha vida, eu apreendi em tôda a sua pura e tocante beleza a sublimidade do pensamento cristão.»[594]

Se o seu olhar era «doce e meigo» para atrair os corações e o seu trato decorria «afável e simples»[595], admirável é a abertura de coração aos infelizes, pobres, desgraçados e a energia despendida para os auxiliar, remediar, consolar e socorrer. É consensual entre os que dão testemunho vivo da sua relação pastoral enaltecer, como primeiro elemento, a sua bondade excepcional.

Na homenagem jubilar de 1916, assim o retracta o colega do episcopado de Évora, D. Augusto Eduardo Nunes: «Até a fisionomia física lhe dá um ‘quid’ de venerabilidade e encanto peculiar, espelhando nitidamente aquela bondade paternal, singela, despretensiosa, numa palavra cristã, que ninguém desconhece e a todos cativa.»[596]

A afirmação da bondade é confirmada pela voz do Dr. Castro Meireles, que seria também Bispo do Porto (1929-1942). Escreve no número comemorativo de A Ordem, de 1916: «Alma de santo, e desta maneira a virtude nas suas múltiplas formas, iriza-lhe todo o ser moral, assentando arraiais no seu coração e refulgindo na sua fronte de vidente, profeta ou patriarca… É que a bondade, quando viceja […] é uma seiva espiritual que percorre todo o ser sem deixar recanto, onde se não aloje com a sua comitiva de fulgores e encantos. Por isso mesmo é que o bom não se sente fatigado no caminho aspero da virtude.»

Outro bispo exprime a sua convicção, no jubileu de 1916: D. Manuel Mendes da Conceição Santos (1876-1955), então bispo de Portalegre, também ele Servo de Deus, com processo introduzido. Valoriza a atitude essencial, com estas expressões:

 

Na personalidade inconfundível de D. António Barroso um traço se salienta, que é como que a sua característica, a sua nota dominante; é a sua bondade. Com efeito, D. António Barroso é um daqueles homens privilegiados que, insensivelmente, quase sem o saberem, exercem em volta de si uma atracção poderoso e se impõem sem violência, a quantos deles se aproximam.

Há, na sua fisionomia moral, no seu todo, um não sei quê, uma espécie de fluído magnético que enleia as outras almas à sua alma e estabelece, mesmo antes de se travarem as primeiras palavras, uma corrente de simpatia irresistível. É este o condão da bondade: domina sem oprimir, impõe-se sem contrariar. Não tem ressentimentos, não conhece acrimónias, não premedita desforras por maiores que sejam os agravos sofridos.[597]

 

E continua o seu depoimento aplicando à vida concreta do Servo de Deus esta firmeza na bondade de coração, esta afabilidade cativante para com todos, a «abnegação completa do próprio ser e do próprio interesse».

O P. João Roberto Pereira Maciel (1870-1956), publicista da Diocese de Braga, por ocasião do jubileu de 1916 testemunha: «A grande qualidade, a qualidade característica de D. António Barroso, que explica perfeitamente a sua vida apostólica, quer como simples missionário, quer como bispo modelar, é sem dúvida a bondade. À semelhança do Divino Mestre, a sua caridade, o seu zelo não têm encontrado barreiras; vive para todos, deseja e procura fazer bem a todos. Para os que o não conhecem e por vezes têm obrigado a passar horas bem amargas, D. António Barroso, para os próprios inimigos, tem sempre palavras de bondade, sentimentos generosos dum coração grande que vive da caridade e para o exercício da caridade. O seu grande ideal e lema é o de Jesus, como foi o dos Apóstolos: fazer-se tudo para todos, a fim de salvar a todos.»[598]

Na mesma ocasião, em 1916, assim testemunha o Dr. A. Borges: «Eu creio que quando um dia se fizer a história do seu episcopado, hão-de destacar-se de entre todas, como pontos de referência dando carácter ao seu governo, as duas virtudes que melhor o definem: a Caridade e a Bondade.»[599]

Para exaltar a bondade de António Barroso o articulista Castro Meireles refere a simplicidade, sem qualquer artifício e teatralidade, e remata assim: «Chegou aquele sublime cume da perfeição em que a virtude se tornou quase inconsciente à força de se repetir em actos conscientes. É o seu ser moral, iluminado de bondade, semelhante aquela árvore do salmista que está plantada junto às águas correntes.»[600]

A intensidade da sua abnegação é claramente notada pelo Comércio do Porto, ao dar a notícia do falecimento: «Ministro de uma religião toda de amor, ele foi o mais amoroso dos prelados, cidadão de uma pátria de heróis, ele foi um verdadeiro herói no civismo e na abnegação com que a serviu.» «A bondade era o fundo estrutural daquela individualidade, que só no bemfazer se comprazia.»[601]

O P. Dr. António José Gomes (1874-1922), licenciado em Teologia na Universidade Gregoriana em 1903, estava em Macau quando soube a notícia da morte do Servo de Deus e escreveu para Manuel de Sousa Barroso, manifestando o desgosto pela morte do «melhor amigo» e «segundo Pai». Promete quando regressar ir a Remelhe «beijar aquela terra em que jazem as relíquias de um santo!» E justifica: «é o conhecimento que tive das suas virtudes, sobretudo da bondade extrema do seu coração, que me levam a considerá-lo como um santo!»[602]

Impressionante depoimento é o do seu Secretário no Porto, Cónego Dr. António Ferreira Pinto, logo a 1 de Setembro de 1918:

 

Na verdade não havia necessitado na alma ou no corpo que se lembrasse de recorrer ao Sr. Bispo do Porto que não viesse da sua presença mais confortado nas suas amarguras e com algum socorro material.

Para todos e para qualquer situação da vida Ele tinha palavras tão carinhosas e persuasivas que dificilmente se lhes podia resistir. Que o diga não só a pobreza desta vasta diocese, mas ainda a de fora que todos os dias, pessoalmente ou com memoriais, a Ele recorria. Que o digam também os que vivendo de expedientes às vezes recebiam a esmola que talvez muita falta fizesse ao verdadeiro pobre. Falem por mim magistrados de todas as categorias, advogados, médicos, directores de fábricas e companhias, homens de elevada posição social, funcionários públicos, comerciantes, proprietários… falem e contem, se é possível, os pedidos e memoriais recomendados pelo falecido Bispo do Porto![603]

 

O Governador da Diocese, Cón. Dr. Teófilo Salomão Coelho Vieira de Seabra, Deão e vigário capitular, na Provisão que escreve a 4 de Setembro de 1918, para exortar os padres e fiéis da diocese a ajudá-lo a cumprir a sua missão, faz uma referência ao bispo que ultrapassa a mera formalidade porque o compara a «Francisco de Sales da Igreja portuense». Assim justifica: «O seu coração era um poço de bondade, espécie de domador de feras, até os amos se submetiam ao seu doce império.»[604]

A Câmara Municipal do Porto regista nas suas actas de 5 de Setembro de 1918 um testemunho que exalta a bondade do Servo de Deus:

 

Missionário por largos anos nas nossas colónias e missionário dos mais prestigiosos que regista a história brilhante das nossas missões ultramarinas, o ilustre e infatigável evangelizador, que associava à sua linguagem fácil, eloquente e instruída, a sinceridade inquebrantável da sua fé viva e ardente.

Colocado na cadeira episcopal do Porto, o saudoso Prelado em nada desmereceu do glorioso renome que desde há muito o acompanhara. Ele era a personificação da bondade. No seu coração só havia lugar para o bem. Era essa mesma afeição predominante do seu espírito superiormente elevado e culto. Se os homens compreendessem a Fraternidade como a praticava o prestigioso Prelado, quantas misérias sociais se não poderiam extinguir ou pelo menos atenuar consideravelmente![605]

 

Completa descrição da bondade é cantada pela voz do Cónego Correia Pinto, na oração fúnebre de 1927: «bondade enternecida, profunda, enorme, irreprimível, desbordante; bondade que dilatas o coração e transfiguras a vida, bondade que te acrisolas, exaltas e divinizas na brandura, na paciência e na caridade de Cristo; bondade santa e perene; bondade que, mesmo na dor, mesmo na Cruz, és para todos indulgência, perdão, solicitude, bondade! Como tu embalas o povo, como tu edificas os bons, como tu vences os maus, como tu confundes os ímpios, como tu fazes apologética cristã, a mais oportuna, a mais acessível, a mais persuasiva e a mais comevedora!»[606]

Esta bondade resistia a todas as ingratidões e amarguras porque tinha grau heróico de virtude. Continua o orador a elencar a dimensão da sua qualidade fulcral: «bondade que permanentemente se lhe espalhava no olhar, na voz, no gesto e na presença venerável, como se ele fosse Bispo dum velho rito oriental e, ao mesmo tempo, atraente, acolhedora e doce, como dum pai que só vive para prender a si o coração dos seus filhos… Bom para todos e sempre! Bom no governo do bispado, bom no trato social, bom na intimidade afectuosa, bom na exortação, na advertência, no conselho, bom até para aqueles que algum dia foram injustos e rudes para com ele… Bom Para todos, mas sobretudo para os pobres[607]

Assim se exprime o então bispo do Porto (1929-1942), D. António Augusto Castro Meireles, em 1931 acerca do Servo de Deus: «têmpera de aço […] na defesa dos sagrados direitos da Igreja, a sua serena bondade, que é o traço mais saliente de toda a sua vida».[608] E desenvolve: «A bondade ingénita do seu coração, posta à prova no contacto íntimo de todas as misérias sociais […] deu-lhe essa serenidade inalterável que tanto o distinguiu e que é sempre apanágio das almas invulgares». Continua a declarar: «Era generosa em extremo a sua bondade, o que muito contribuiu para os triunfos assinalados da sua obra missionária. Da doação total de si mesmo à causa de Deus e da Pátria fez o timbre da sua vida […]. Parece que era apenas este o seu ideal de vida, e nele se comprazia sem desvanecimento, sempre dentro da lógica cristã e sacerdotal de bem servir. (…) O seu espírito de renúncia e de desinteresse absoluto pelos bens do mundo foi uma das facetas mais cativantes de toda a sua vida… Por isso pôde dizer, quase à hora da morte: ‘Nasci pobre e pobre quero morrer.’»[609]

O cónego e professor de Teologia do Seminário, António Bernardo da Silva (1871-1932), na homenagem de 1931, escreve: «Muito justo, mas sempre bondoso, e tão bondoso que, no exercício da justiça, acarinhava e sofria com os que sofriam, D. António Barroso imitou como poucos a bondade do Divino Mestre. ‘Nunca vi alma tão eleita que tanto amasse os pobres e os desgraçados, despindo-se para os vestir e alimentando-os com o dinheiro que já não tinha mas pedia emprestado ao seu secretário particular’, escreve um missionário seu companheiro e cooperador em Moçambique […] Era um santo o Snr Bispo.»[610]

A quem necessitava de auxílio material abria a bolsa prontamente. Era quase diário o cortejo à procura de uma esmola. Quando esgotava as rendas da Mitra portuense atribuídas aos pobres, batia a outras portas mais abastadas e chegava a «contrair empréstimos com os seus familiares».[611] Chegou ao desprendimento de ter mesmo de partir e ir distribuindo aos bocados o cordão para a cruz peitoral, oferecido por sua mãe.[612] Só no dia da partida para o exílio, ao procurarem o cordão, D. António disse que não se afadigassem porque não apareceria. Conta o P. Marcelino da Conceição, reitor da Igreja da Trindade, que aí D. António desvendou o mistério, afirmando: «foi-se aos poucos…»[613]

Outros casos são conhecidos. Um capitalista generoso ofereceu-lhe um conto de réis, avultada quantia para a época. Passados alguns dias, conta o Director espiritual do Seminário, P. Conceição Cabral, já o último real se tinha escoado pelas mãos dos indigentes e infortunados. Sabendo disso, o benfeitor exclamou: «O sr. D. António precisa de um tutor…Também é demais!»[614]

Quando o irmão insiste com ele para que compre uma courela que entestava com a casa familiar, D. António não cede ao amor do sangue e quando vai à terra justifica a decisão, de modo que convence: «a insignificância dos quatrocentos mil réis fazia muita falta aos pobres que eu socorro».[615]

Os aflitos desejavam ser recebidos pelo próprio bispo, directamente. Apenas se retiravam quando outros afazeres impediam D. António Barroso do generoso atendimento. Também por carta muitos apresentavam situações, pediam intercessão para um emprego, desabafavam aflições. Não se desinteressava de ninguém. Incomodava quem detinha poder para responder às diversas solicitações, como intercessor misericordioso e defensor afável da causa dos fracos. Como testemunha o seu secretário: «pediu colocações, recomendou necessitados, aconselhou, consolou, repreendeu, concertou casais e mal-avindos, ouviu ricos e pobres, sábios e ignorantes».[616]

O republicano Raul Brandão deixa escrito nas suas Memórias o seguinte testemunho: «O Bispo é uma grande figura de bondade. Dá tudo o que tem. Ganhava 12 contos por ano; agora, quando lhe vasculharam o Paço, só lhe encontraram cotão.»[617]

O escritor e arqueólogo Júlio Brandão (1869-1947), Director do Museu Municipal do Porto, em artigo publicado em 1938, dá um testemunho acerca do grande missionário português, afirmando que «poucos homens realizaram uma obra de tal nobreza moral». Ora «é nestes momentos trágicos da história humana que temos de evocar, entre o ruído ensurdecedor das oficinas que fabricam a morte, as figuras excelsas da bondade e da vida!». E conclui: «é precisamente o que nos faz falta, nesta nossa época, pois pelo exemplo, toda a acção moral desperta em nós forças preciosas – e toda a criatura melhora alguma coisa em si, quando sabe honestamente admirar o bem.»[618]

Uma senhora vizinha e praticamente da mesma idade do Servo de Deus, Ana Joaquina Senra, numa entrevista de 1951, falava de D. António com admiração:

 

Mas olhe que toda a gente o adorava… Era o pai dos pobres. Dava até não ter cinco reisinhos para mais nada. Quando ia a casa do irmão Manuel, onde ele morava, quando surgia algum pobre a pedir, dizia ele à cunhada, à Angelina: «Dá o meu caldo àquele pobre que precisa mais do que eu. Para mim fazes outro depois. Eu espero.»

Um dia, uma senhora de Braga convidou-o para ir lá fazer uma conferência. Ele não quis paga nenhuma e ela mandou um ramo de flores para a Senhora da Boa Ventura, ali da Capelinha (de São Tiago de Moldes, lá, em Remelhe) de que ele gostava muito. Onde se soubesse que ele ia pregar, toda a gente aparecia logo. E toda a gente dizia, ao ouvir aquela voz: «Ele é santo. Ele é santo!» […]

O D. António era uma figura muito querida. Falava com toda a gente e falava como nós. Não tinha vaidade nem vergonha de estar com os pobres. Comia caldo por tigela de barro como nós. Comia um jantarzinho de maçãs assadas, se não houvesse mais nada. Era assim um santo, sabe?[619]

 

Em 1954, ao celebrar o centenário do seu nascimento, em Remelhe, o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes afirmou: «Congrega-nos aqui a memória de um homem que, pela extrema bondade, chamou sobre a sua vida e as suas obras as melhores graças do Senhor: dum homem que, pela Fé intrépida, proclamou alto e galhardamente, no aplauso e na contradição, os direitos de Deus. Convocou-nos para junto de um túmulo, que é um troféu de glória, a figura de um grande da Igreja e de Portugal. Chamou-nos aqui essa figura viva, essa memória abençoada…»[620] Mais adiante volta a ilustrar a bondade:

 

Quid bonus est hauriet gratiam a Domino: a bondade atrai as graças do Senhor. E é talvez mais ainda como bispo esmoler, bispo da bondade e caridade, que a sua memória perdura e é abençoada na diocese do Porto.

Traços de legenda aurea esmaltam a sua imagem na lembrança do povo. Em 1904, ao celebrar o centenário da Imaculada Conceição, ele queria que, ao lado dos actos de piedade e religião, se praticassem obras de beneficência em honra da SS.ma Virgem, refúgio dos pecadores e consoladora dos aflitos; e com esse fim se constituiu ou projectou a ‘Associação da Imaculada Conceição’, destinada a vestir e proteger crianças pobres.[621]

 

No mesmo ano, o fundador da Obra do Gaiato, P. Américo, também com Causa de beatificação introduzida, sintoniza com o espírito de pobreza de D. António Barroso, aquando da homenagem em 1954:

 

A sua grande loucura está no amor aos Pobres. Desmandos. Imprudências. Coisas malfeitas – tudo. Um cordão que a Mãe lhe dera gastava-se aos bocadinhos, quando não havia dinheiro. Os seus familiares sabiam muito, sim, mas não tudo. Os grandes escondem-se!

E é justamente agora que temos o verdadeiro acontecimento. Por tudo, mas principalmente por causa desta santa devoção, é que a diocese do Porto, Bispo à frente, resolveu consagrar à sua memória o núcleo das vinte e oito casas de Miragaia, para que de futuro se chamem e sejam efectivamente ‘Bairro D. António Barroso’.

Honra à diocese. Foi nela que ele recebeu os golpes do seu fecundo martírio. A comemoração de Barcelos foi agradável. A do Porto, útil. Juntemos as duas e teremos feito uma grande memória a um grande português.[622]

 

Em depoimento publicado em 1998, o Professor da Faculdade de Teologia no Porto, Doutor Jorge Teixeira da Cunha, esclarece: «Entre os elementos que mais lhe perpetuam a memória figuram a sua liberalidade e as suas obras de caridade. Não se pense que se tratou de um pastor filantropo. Muito mais profundamente, tratou-se de um pastor que viveu intensissimamente a caridade como virtude teologal e que a deixou dar frutos numa práxis que perdura.»[623]

Dom Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto (1997-), no centenário comemorativo da entrada solene de D. António Barroso na diocese, afirma junto ao monumento do Largo Primeiro de Dezembro, inaugurado a 2 de Agosto de 1999: «Se há estrato social com quem D. António Barroso se identificava, que tem razão para o recordar, que tem motivo para o amar, que tem o direito de estar aqui presente na gratidão e na saudade, que tem autoridade moral para lhe chamar o seu Bispo – o Bispo dos pobres, o Bispo da bondade, o Bispo da santidade, esse estrato social é o Povo.»[624]

 

2.2. Fé intrépida e coragem intemerata do pastor

São evidentes os factos narrados para demonstrar a coragem destemida do missionário, que nas viagens contínuas não se guiava pela aventura, mas pela ânsia de ir ao encontro das pessoas que urgia conhecer para evangelizar. Os riscos não contavam, o desgaste não amedrontava, ia até ao limite das forças porque o alimentava uma fé inquebrantável. É o próprio D. António a unir a fé com a coragem na sua carta pastoral programática, com que iniciou o ministério no Porto, como que a adivinhar o vigor dos espinhos que o atingiriam tão descaradamente. Considerava o Bispo que a «firmeza e constância na fé é tanto mais necessária quanto é certo que hoje mais que nunca, são violentos os ataques, levantando-se a guerra como cruzada de ciência». E logo acrescenta «mas não basta a fé, é necessário ter a coragem de a confessar sempre e em toda a parte, sem tergiversações, e muito menos sem desalentos».[625] O exemplo da sua vida daria corpo real a estas palavras.

No dizer do Cón. Manuel José de Sousa, Professor de Sagrada Escritura no Seminário do Porto, na homenagem de 1931: «Para que nada faltasse à sua vida de apóstolo infatigável e em tudo se parecesse com O Mestre Divino, teve como digno remate da sua obra a coroa gloriosa do martírio. Foi perseguido, insultado, despojado dos seus bens, chamado aos tribunais e por fim condenado a seguir o caminho do desterro e a viver longe do seu rebanho querido.»[626] É essa coragem de mártir que vamos ilustrar com os testemunhos que se seguem.

Assim o classifica o P. Cândido da Silva Teixeira, missionário e historiador do Colégio de Cernache do Bonjardim, ao transcrever afirmações do Jornal Aliança, de 2 de Agosto de 1899: «Talvez não haja nenhum bispo do mundo que, numa tão curta vida, tenha uma folha de serviços igual. Na sua apostólica carreira encontram-se a coragem intemerata dos nossos guerreiros, o temperamento aventureiro dos nossos navegantes e a seráfica doçura dos nossos missionários.»[627]

Na homenagem, aquando do jubileu episcopal, em 1916, assim testemunha o Cardeal Patriarca de Lisboa (1907-1929), D. António Mendes Belo: «Lembra-nos a solene investidura do que fora sacerdote piedoso, ilustrado e zelosíssimo, no sublime mas espinhoso cargo pastoral, em cujo preenchimento tem ele dado os mais inequívocos testemunhos das singulares virtudes que o ornam e dignificam, dos fulgores do seu talento e inquebrantável firmeza com que no Ultramar e na Metrópole tem defendido os invioláveis direitos da Igreja e os interesses sacratíssimos da Religião Católica.»[628]

Também o Arcebispo de Évora (1890-1920), redactor principal da Pastoral Colectiva, D. Augusto Eduardo Nunes, assim resume as qualidades do Servo de Deus: «Pelo seu claro e culto espírito, pela sua palavra eloquente e calorosa, pelo seu coração de ouro, pelos seus memoráveis serviços à Igreja e à Pátria, na África, na Índia, no continente lusitano, pelo seu carácter firme e nobilíssimo, relevado e sobredourado em dias de amarga provação, tem assumido inquestionavelmente um dos primaciais lugares na alta milícia católica de Portugal.»[629]

A reflexão que o seu secretário, Cónego Dr. António Ferreira Pinto, que viria a ser Reitor do Seminário, faz no Boletim da Diocese a seguir à morte do Servo de Deus é esclarecedora:

 

No meio das grandes adversidades, quando as circunstâncias eram mais graves e os momentos mais solenes e sobretudo na defesa dos direitos da Igreja, o Sr. D. António Barroso não se atemorizava, embora medisse bem as responsabilidades a seu cargo. Serenamente, friamente, caminhava no cumprimento do dever. Deu provas disto quando, por motivo da questão religiosa, teve de ir entregar ao Sr. D. Carlos a carta do Episcopado, com data de 23 de Abril de 1901, sobre as comunidades religiosas. Por essa ocasião esteve em foco a diocese do Porto, mas o falecido soube vencer as dificuldades. Valeu-lhe uma manifestação de desagrado na sala dos Capelos, em Coimbra, quando servia de padrinho num doutoramento. Isto, porém, somente serviu para aumento da sua já grande popularidade.

Da serenidade manifestada em Março de 1911, por motivo da Pastoral colectiva de 24 de Dezembro de 1910, porque ela está ainda bem viva na memória de todos, nada diremos. Mas é justo que não esqueçamos o regresso à diocese, em Abril de 1914, por entre as aclamações e aplausos de toda a diocese que se manifestou brilhantemente no Te Deum e recepção no Paço de Sacais.

Entretanto o julgador imparcial não pode negar ao falecido momentos de desânimo e visível incómodo, às vezes por motivos bem insignificantes. São por vezes assim os grandes espíritos, escapam-lhes minudências e coisas pequenas, porque as grandes são a sua preocupação constante.[630]

 

O mesmo carácter intemerato é valorizado pelo missionário no Congo, Bispo do Algarve (1907-1919), D. António Barbosa Leão, que depois será seu sucessor no Porto (1918-1929):

 

Quem examinar a obra de D. António Barroso nos Seminários diocesanos, na vida religiosa das paróquias da sua diocese, nas Instituições de caridade e beneficência; quem atender à corrente de simpatia que por toda a parte desperta a sua passagem; quem a estudar sobretudo nas horas de luta e de perseguição, não pode deixar de curvar-se respeitoso diante deste homem de Deus que, intemerato, soube sempre cumprir o seu dever.

Quando percorri em visita pastoral as vastíssimas regiões do Congo, bastou constar que eu conhecia e era amigo do P. Barroso, para ser recebido em toda a parte com delirantes manifestações de alegria.[631]

 

D. António Augusto Castro Meireles, Bispo do Porto, ressalta, na homenagem de 1931, a sua «serenidade inalterável» e adianta[632]: «Ainda mesmo quando estava em jogo um grave interesse da Igreja, eram marcados por uma serenidade imperturbável os seus actos de maior nobreza moral e da mais desassombrada energia. Aprumava-o apenas um pouco mais a mística do seu apostolado, arqueava-se-lhe um pouco mais o peito, à maneira dos grandes heróis doutros tempos, e tínhamos em frente o mártir afoito para as maiores provas.»

Também um estudante de teologia do Porto testemunha em 1931: «Entre as virtudes eminentes que coroam o nome do Senhor D. António Barroso, avulta a sua energia de ânimo singular, o seu temperamento forte, resoluto. […] A vida do senhor D. António foi a de um atleta, defendendo denodadamente a fé cristã…»[633]

D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto (1952-1982), assim se exprimiu em homenagem realizada em 1954: «Credidi, propter quod locutus sum: abroquelado pela sua fé intrépida, não temeu a contradição nem a luta (…). Através das ruas de Lisboa, mantendo as cortinas do carro bem descerradas, e encarando serenamente a plebe ululante, «esse sacerdote vindo do verdadeiro povo que a escória, na sua pessoa, ‘enxovalhava’ (como se exprimiu um jornalista do tempo), a seguir destituído por decreto, das suas funções de Bispo e governador da diocese do Porto, e peregrinando, sob a guarda dum alferes, de terra em terra, com a proibição de voltar a qualquer ponto do território da sua diocese, ele entrou de pleno direito na galeria dos Crisóstomos, Tomás Becket e dos Fischer, antes dos Mindzenty e Stepinac. História de ontem, de hoje e de sempre! Credidi, propter quod locutus sum.»[634]

O gráfico Armando Gomes Ferreira, no centenário de 1954, na revista O Tripeiro, enumera as obras do Bispo, concluindo «e tudo isto vencendo chuvas torrenciais, calores abrasadores, em luta com a fome e com a sede, num perene ambiente de ciladas e latrocínios, constituem, no activo da sua existência, não só uma maravilhosa e imorredoura obra, como se revestem de um carácter grandiosamente heróico, inultrapassável de civismo e caridade.»[635]

Também o deputado, jornalista e escritor Dr. Alberto Pinheiro Torres (1874-1962) se associou à homenagem de 1954, no jornal O Comércio do Porto. Define assim o bispo: «inteligência viva, arcaboiço pronto para o trabalho, sempre capaz de todos os sacrifícios; com a paixão da grandeza missionária, enorme poder de atracção pessoal, bondade suma, fervor patriótico, desinteresse material, ânsia máxima de evangelização – tais eram as qualidades do Missionário Barroso».[636]

Eco da sessão comemorativa havida na Associação Católica do Porto, faz o Diário do Norte (7-2-1955), transcrevendo as palavras do Dr. Avelino Soares sobre D. António: «o Homem singular, a sugestão viva, o paradigma perfeito de quantos aspiram a realizar a sua nobre condição de homens. No exercício da virtude, ele atingiu, sem dúvida, a meta do sublime».

O P. Américo revela-se, na sua prosa única, admirador da frontalidade e da coragem missionária de D. António Barroso, incluindo até a referência ao seu hábito de fumar:

 

Não sei que algum Bispo da História de Moçambique tenha ido ao Zumbo antes dele. Era uma jornada de quinze dias, por carreiros de preto. Ele foi. (…)

Fumava charuto. Uma vez que vim a Portugal, fui a Remelhe levar ao Desterrado a prenda amiga de um missionário: um cachimbo queimado. Fumava. Parecia do mundo e não, era um Homem de Deus!

Só ele mereceu ocupar e preocupar os homens do Terreiro do Paço, naquele tempo. Duro. Tenaz. Rebelde. Uma só cara. Não torceu nem quebrou. Só Ele![637]

 

Objecto de admiração tem sido esta resistência simples às ameaças dos poderosos. O historiador criterioso que foi o espiritano P. António Duarte Brásio assim testemunha, em 1968: «Perseguido no seu calvário portuense, não pelo seu rebanho, que sempre acolheu com respeito e veneração as palavras e as directrizes mestras do seu pastor, mas pela sanha e o ódio à causa que ele representava e encarnava como Bispo da Igreja católica. Ao ódio rancoroso não se lhe dá na escolha das suas vítimas, contanto que enxovalhe ou tente conspurcar as vestes impolutas dos melhores servidores da Igreja. Já aqui o dissemos, pena foi que, em 1911, o episcopado deixasse só em campo, no cumprimento de uma resolução aliás colectivamente tomada, o intrépido Bispo missionário.»[638]

O escritor admirado e jornalista da cultura P. Francisco Moreira das Neves, em 1977, ao publicar uma carta inédita do Servo de Deus, assim o define. «Tudo via o incansável pioneiro, com olhos voltados não apenas para as realidades dramáticas do momento histórico que enfrentava, mas para o futuro. Olhos claros de observador de génio e de profeta iluminado, para quem a verdade estava acima de tudo, e importava dizê-lo sem medo. […] D. António Barroso andou em tudo para a frente. E de cabeça erguida. O seu exemplo é uma luz na montanha!»[639]

O Abade emérito do mosteiro beneditino de Singeverga depõe sobre a figura do Servo de Deus, sublinhando a virtude da fé: «[…] Foram as três virtudes teologais, que abertamente declaramos ele possuía em grau heróico. Foi o seu amor a Cristo e à Sua Igreja, representada numa Hierarquia com a qual D. António Barroso fez questão de estar, e se mostrar, sempre solidário, ainda que isso lhe custasse um martírio incruento! Foi a sua Confiança em Deus. Mas, radicalmente, foi a sua fé inabalável: ‘Fides intrepida’. A Fé que lhe guiou os primeiros passos na vida, que fez despontar nele a vocação missionária, que o animou nas primeiras lides apostólicas em terras do Mani-Congo (Angola) e Moçambique. A Fé que inspirou todos os seus trabalhos ao serviço do Evangelho e da Igreja de Cristo, tanto no longínquo Padroado Português do Oriente como na difícil área pastoral da diocese do Porto, naquele conturbado tempo da política instável de um regime em mutação. A Fé que se mostrou verdadeiramente intrépida, sobretudo em momentos penosos de afrontamento humilhante, em que ele cumpriu como poucos o indicativo agostiniano: ‘Frontosus esto quando audis oprobrium de Christo!’»[640]

Mons. Miguel Sampaio, já Reitor do Seminário do Porto, cónego e brilhante orador, depõe no processo quando era capelão do Instituto do Bom Pastor, em Ermesinde. Tinha tido professores que eram colaboradores de D. António Barroso.[641] Eis o seu testemunho:

 

Consonante com a voz corrente, o depoente acha que se aceitava a inclusão do nome de D. António Barroso no catálogo dos mártires da Igreja, tal a heroicidade com que suportou os vexames, injúrias e perseguições que os inimigos da Igreja lhe infligiram! Desterrado por duas vezes pela coragem de defender os direitos da Igreja; julgado como réu de delito comum por ter tido a coragem de ir representar S. Pio X como padrinho de uma criança, quando injusta e até ilegalmente estava proibido de ir ao território da sua diocese!

É voz corrente que D. António Barroso teria dito haver duas coisas que o não assustavam: morrer de parto ou morrer de medo.[642]

 

Esta afirmação é geralmente referida como pronunciada no julgamento de 1913.

É significativo que a abertura das Comemorações dos «5 séculos de Evangelização e Encontro de Culturas», na Arquidiocese de Braga, acontecesse junto do túmulo de D. António Barroso, a 19 de Novembro de 1989.

Também a peregrinação da Igreja angolana, com os seus Bispos, no dia 18 de Maio de 1991, homenageou em Remelhe o grande missionário, tendo a sua memória sido evocada pelo pároco, P. Fernandes Cardoso, e pelo Bispo de Mbanza Congo, Afonso Nteka.

O padre diocesano do Porto, Prof. Doutor Cândido Augusto Dias dos Santos, ilustre historiador e professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no seu testemunho para o processo afirma: «do itinerário deste missionário e bispo, ressaltam, com evidência, as seguintes virtudes; zelo apostólico, coragem evangélica, amor à Igreja e ao Romano Pontífice, desprendimento pessoal e inexorável amor aos pobres. E tudo iluminado por uma grande bondade. É este compêndio de virtudes cristãs que exorna a alma de D. António Barroso, e em grau não comum, mas heróico. Na realidade era um homem de Deus. Nele habitava a alma de um santo. E disso sempre teve consciência o Povo de Deus que, após a sua morte, a ele continuou a recorrer nas suas aflições[643]

O Juiz-Conselheiro Dr. João de Deus Pinheiro Farinha, antigo Ministro da Justiça, assim testemunha em 11 de Fevereiro de 1993: «A personalidade de D. António Barroso, como Bispo e Missionário, tem-me empolgado desde os meus tempos de estudante de História no Liceu de Évora e da J.E.C. em Évora.»[644]

O Prof. Doutor Francisco de Paula Leite Pinto, antigo Ministro da Educação, Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, da Academia Portuguesa da História, em carta de 6 de Maio de 1993 afirma: «A vida desse nobilíssimo Missionário e Bispo, em terras de África e da Ásia, primeiro; e como grande Bispo do Porto, corajoso e santo, depois, já lhe deu, sem qualquer dúvida, o direito de ocupar lugar destacado na História da Expansão da Cultura católica por este mundo fora!»[645]

No discurso de encerramento do processo de beatificação, em 1993, assim se exprimia o Bispo D. Júlio Tavares Rebimbas:

 

Levantou-se uma memória abençoada nesta Diocese, assumida por um clero que se deixou seduzir pelo exemplo de integridade cívica e de firmeza apostólica do seu Prelado nas horas difíceis da Lei da separação e continuou o mesmo trilho de coragem evangélica e de entranhado amor à Igreja.

Levantou-se uma memória abençoada nesta Diocese do Porto, abraçada por um laicado fiel que, percebendo no seu Bispo a alma dos apóstolos e a fé inabalável e intemerata dos mártires, seguiu os mesmos sulcos de coragem, do fervor e da esperança, em gestos de solidariedade e de fidelidade ao evangelho.

É esta memória […] que me fez julgar oportuna a introdução desta Causa de canonização […] sendo útil ao fomento das vocações sacerdotais e missionárias a apresentação do exemplo ímpar, na época contemporânea, de D. António Barroso como evangelizador e pastor […] como exemplo de vida no seguimento heróico de Jesus Cristo.[646]

 

Apesar de situado no seu tempo, sem a perspectiva da inculturação da missão e sem a dimensão do diálogo inter-religioso, que posteriormente alargariam o trabalho ad gentes, o Doutor Jorge Teixeira da Cunha, professor de Teologia moral da Faculdade de Teologia no Porto, no seu depoimento publicado em 1998, afirma: «Se tivermos em conta a dedicação à causa do Evangelho, o testemunho pessoal, a concentração de todas as energias na dilatação da fé, não podemos deixar de olhar com admiração para este Francisco Xavier do século xix. Reacender o fogo há muito apagado na missão do Congo, percorrer pela primeira vez o imenso Moçambique, refazer o prestígio da hierarquia católica na costa do Malabar são trabalhos que mal podemos imaginar realizados num período breve de vinte anos.» E conclui: «na personalidade de D. António confluíram dotes de carácter que a graça elevou a uma perfeição digna de ser proposta a modelo de pastores, de fiéis e de todos os seres humanos de boa vontade. Ombridade, lhaneza, diligência, fizeram dele um pastor modelo de pastores. Homem íntegro, homem de fé, militante incansável, segundo os imperativos da consciência preocupada com a verdade e a rectidão, eis o perfil de um modelo de santidade para todos os tempos!!!»[647]

Na última grande homenagem, comemorativa da entrada do bispo na diocese do Porto, 2 de Agosto de 1999, na homilia, o bispo actual, Dom Armindo Lopes Coelho, afirma: «As obras ou actividades, iniciativas e atitudes revelam a fecundidade e o carácter saudoso da sua vida. O testemunho de serenidade e fortaleza, de paz e verticalidade, tornou memorável o seu ministério episcopal nesta diocese do Porto e no país inteiro[648] E terminava declarando:

 

Há cem anos entrava nesta Sé Catedral o Bispo que o povo conheceu como um santo bispo missionário, um homem bom, pacífico e trabalhador, simples e atento à realidade social, pastor acessível e amado.

Viveu num tempo de forte agitação política, de crise aguda e de transformação social. Bispo da Igreja, andou embarcado nas tempestades da época. Confiante imperturbável. Com a serenidade dos fortes, foi atirado para o coração da borrasca. Mas o seu coração estava temperado na experiência de climas adversos e de tarefas difíceis levadas a cabo. Devia ser um coração frio de paz, mas inflamado de zelo apostólico. A sua inteligência era lúcida, o discernimento fácil, a decisão óbvia, a coragem muita. Não precisava de palavras para se animar ou para convencer.[649]

 

Desde o momento da morte até hoje são permanentes as referências à santidade de vida do Servo de Deus, como ficou aqui documentado. Sem visões alternativas verifica-se a consideração unânime das virtudes.

 

 

 

[1] Os proprietários haviam-se mudado, por volta de 1812, para a casa de Santo António de Vessadas, em Barcelinhos, que também era sua, deixando a Casa de Santiago e as respectivas terras entregues a caseiros que ocupavam as dependências.

[2] TRIGUEIROS, António J. L., s.j. – Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918). vol. I, Barcelos, 2007, p. 15.

[3] Ibidem.

[4] VAZ, A. Luís – D. António Barroso, Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1971, p.11.

[5] Natural de Fiães, concelho de Melgaço, foi pároco de Remelhe, de 1849 a 1874. Depois dele, e ao longo da vida de D. António Barroso, foram sucessivamente párocos: Pe. José António Gomes Agra (1874-1879), Pe. Francisco José da Costa (1879-1898), Pe. Cândido Manuel Boaventura Rodrigues (1898), Pe. Augusto de Miranda (1898-1910) e Pe. João Gomes Veiga (1910-1921). Cf. MACEDO, José Adílio B. – D. António Barroso e a Primeira República, Barcelos, 2005, p. 9.

[6] Joaquina Maria, tia e madrinha de António José, estava casada com Manuel José Simões, da casa dos Simões, na Torre de Moldes.

[7] GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 30.

[8] Era uma pequena habitação mandada fazer por Francisca Gomes, filha bastarda do capitão José Pereira da Fonseca, da casa de Torre de Moldes, segundo José Adílio B. Macedo.

[9] Em 1878, Barcelos tinha 800 fogos e 3200 almas. Cf. PORTUGAL Antigo e Moderno, Diccionario Geographico, Estatistico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico, (oitavo volume). Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1878. Ainda segundo este dicionário, em 1757 Remelhe tinha 85 fogos, e, em 1878, tinha 120. Sabe-se, porém, que alguns dstes dados não estarão correctos. Uma relação credível, elaborada por José Narciso da Costa Amorim, regista 127 fogos, em Remelhe, no ano de 1854. Ver nota n.º 10.

[10] Por ordem crescente de número de casas, e, portanto, também de habitantes, eram os seguintes: Paranho, Vale e Carvalheiro (1 casa, cada), Gaiteira, Morais, Copeira, Cachada, Bouças e Feliciana (2 casas), Sobreiro e Felgueiras (3 casas), Lama (4 casas), Outeirinho, Santiago e Bouça (5 casas), Quintã e Igreja (6 casas), Torre de Moldes e Torre (7 casas), Remelhe (8 casas), Portela (10 casas), Casal Novo (12 casas), Bacelo (14 casas) e Vilar (17 casas). Um total de 127 casas, segundo José Adílio B. Macedo.

[11] José Narciso da Costa Amorim é autor de um trabalho de investigação histórica sobre as famílias de Remelhe: Santa Marinha de Remelhe – Crónica de Gerações, 1860. São 140 páginas manuscritas, e, de algumas delas, José Adílio B. Macedo deu divulgação na sua obra D. António Barroso nasceu há 150 anos. Remelhe: Igreja Paroquial, 2004.

[12] MACEDO, José Adílio B. – Igreja Paroquial de Remelhe, Benção Solene. Remelhe: ed. do Autor, 2002, pp. 11-18.

[13] Este rio dos Amiais muda de nome ao entrar na freguesia de Pereira, onde é chamado rio Lima, e é com este nome que atravessa Pereira, Alvelos, Carvalhal e Barcelinhos, entrando no Cávado, no lugar de Mereces.

[14] «In villa quos vocitant Rameli… subtus mons Faria territorio Brachara discurrente rivulo de Molinos a Cadavo». COSTA, Avelino de Jesus – O Bispo D. Pedro e a Organização da Diocese de Braga, 2.ª edição, Braga, 2000, p. 19. Apud MACEDO, José Adílio B., Igreja Paroquial de Remelhe, Benção Solene, p. 12.

[15] MACEDO, José Adílio B., Igreja Paroquial de Remelhe, Benção Solene, p. 17.

[16] IDEM – D. António Barroso nasceu há 150 anos. Remelhe: Igreja Paroquial, 2004, p. 39.

[17] Anos depois, quando tinha 17 anos, os pais viriam a adquirir uma tomadia no monte de Remelhe, por escritura de 24 de Dezembro de 1871.

[18] Regionalismo da oralidade local, equivalente a padiola.

[19] Regionalismo da oralidade local, equivalente a dorna.

[20] Cf. FONSECA, Teotónio – O Concelho de Barcelos Aquém e Além-Cavado, Vol. I, Barcelos, CMB e SCMB, 1987. Reprodução facsimilada da edição de 1948.

[21] Dado por D. Diniz, em 8 de Maio de 1298, a D. João Afonso Telo de Menezes, seu mordomo-mór. O título de conde de Barcelos continuou nos duques de Bragança, até D. Sebastião, que o elevou a ducado.

[22] Já fora enorme a reacção contra a lei de Setembro de 1835, que obrigava à construção de cemitérios.

[23] Em 18 de Maio de 1846.

[24] Os patuleias ou «patas ao léu», como eram alcunhados pelos citadinos, assinaram a convenção do Gramido, em 29 de Junho de1847.

[25] A ajudar ao desânimo nacional, faleceu a rainha D. Maria II, com 34 anos de idade. Ela era, aliás, responsável por muita da agitação que ocorreu entre 1836 e 1851. Faleceu na sequência do décimo primeiro parto (15-11-1853). O marido, D. Fernando, assumiu a regência.

[26] Cf. MACEDO, José Adílio B – D. António Barroso nasceu há 150 anos. Remelhe: Igreja Paroquial, 2004, pp. 55-56. O cisma só foi ultrapassado com o restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé. Em 3 de Abril de 1843, o Papa Gregório XVI confirmou no lugar o novo Arcebispo, que se manteria no governo primacial até 1855. Foi ele que reabriu o Seminário conciliar de Braga, em 1849, depois de ter assistido aos anos quentes da revolução popular da Maria da Fonte e da Patuleia, em 1846 e 1847. Em 1850, foi elevado à dignidade de Cardeal. Em 1854, ano do nascimento de António José Barroso, encontrava-se já gravemente afectado pela doença que o levaria à morte.

[27] Alguma acalmia na política interna viria logo depois, com D. Pedro V (1855-1861) e com D. Luís (1861-1889). Este formou com D. Maria Pia, filha de Vítor Manuel II, um casal que se tornou popular entre os anticlericais de esquerda.

[28] MACEDO, José Adílio B. – D. António Barroso nasceu há 150 anos. Remelhe: Igreja Paroquial, 2004, p. 33.

[29] Era filha de José António de Araújo e de Maria Ferreira.

[30] TRIGUEIROS, António J. L., s.j., informa que a Casa de Santiago pertencia à família Vale Vessadas desde 1805, ano em que D. Clementina Rosa da Silva, única herdeira da mesma, casou, na capela de São Tiago, com o dr. José Maria do Vale Vessadas, Bacharel em leis pela Universidade de Coimbra, Juiz de Fora em Almodovar, Juiz e Guarda Mór da Alfândega em Vila do Conde, Juiz dos Órfãos em Barcelos e Vereador municipal. O casal residiu cerca de sete anos em Remelhe, na Casa de que eram senhores e transferiram-se, por volta de 1812, para a Casa de Santo António de Vessadas, em Barcelinhos. Uma Casa bem mais imponente e onde os Vessadas eram morgados. Cf. Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918), vol. I, Barcelos, 2007, p. 14.

[31] Ibidem.

[32] Em virtude de pai e filho levarem ambos o mesmo nome, passa-se a dar ao pai o apelido de sénior, e, ao filho, o de júnior.

[33] A esta informação, TRIGUEIROS, António J. L., s.j., acrescenta que, ao longo do século xviii, diversos membros da família Gomes Barroso, de Vilar de Figos e de Paradela, tinham-se estabelecido no Brasil, e aí haviam desempenhado cargos de relevo no tecido económico, político e social da colónia. Destaque para António Gomes Barroso e João Gomes Barroso, irmãos do trisavô materno de D. António Barroso. Cf. Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918)p. 12.

[34] Eram os seguintes os filhos de Manuel Gomes Barroso e Felícia Teresa da Fonseca: António Gomes Barroso, nascido a 2 de Maio de 1764, na freguesia de São Fins de Tamel, que se ordenou padre, como se refere; os demais, nascidos em Góios, no lugar de Passos, respectivamente: Maria Luisa da Fonseca, em 30 de Outubro de 1767; Teresa Gomes Barroso, em 14 de Junho de 1771; José Narciso Gomes Barroso, em 1 de Dezembro de 1774; Margarida Gomes Barroso, em 22 de Janeiro de 1779; Joana Luisa da Fonseca, em 24 de Dezembro de 1780; Joaquim Gomes Barroso, em 23 de Agosto de 1784; Joaquina Gomes Barroso, em 6 de Março de 1788.

[35] Era filha de Manuel Gomes Bica, natural de Vilar de Figos, e de Maria Teresa de Araújo, nascida em Remelhe, ambos moradores no lugar de Torre de Moldes.

[36] Foi mestre-escola e talvez também cirurgião como o pai e o avô. Único filho varão, ficou na casa dos pais, e, não tendo descendência, quando lhe faleceu o pai, viúvo, em 9 de Maio de 1866, vendeu a Casa do Barroso a uma sobrinha. A venda da casa e das terras ocorreu em 1867, e foi feita à sua sobrinha Delfina Rosa (da casa dos Simões) e marido, José António Alves. Venda feita com reserva de usufruto. José Gomes Barroso viria a falecer, viúvo, aos 59 anos, em 30 de Agosto de 1873.

[37] Cf. TRIGUEIROS, António J. L., s.j. – Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918). vol. I, Barcelos, 2007, p. 15.

[38] Referindo-se à quinta do Paranho, fundada em 1800 pelo Pe. Jerónimo da Silva, também oriundo da casa de Santiago, o Pe. José Adílio Macedo, escreve que «a quinta do Paranho esteve sempre entregue aos cuidados de caseiros. Conhecem-se os nomes de vários que por lá passaram. Também lá estiveram o José António e a Eufrásia Rosa». D. António Barroso nasceu há 150 anos. Remelhe: Igreja Paroquial, 2004, pp. 17-18.

[39] Cf. TRIGUEIROS, António J. L., – Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918). vol. I, Barcelos, 2007, p. 16.

[40] Ibidem.

[41] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 15.

[42] GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S. – D. António Barroso. Homem de Acção. Português de Lei. Pessoa de Bem (1854.1918). Minho, Fundação da Tertúlia de Afife, 1956, p. 9. Neste livro que dedicou a D. António no centenário do seu nascimento, escreve, numa breve referência à sua infância: «Foram seus pais António de Sousa e Eufrásia Barroso, lavradores-caseiros modestos, como modesto fora um dos seus avós, carpinteiro de profissão».

[43] D. António Barroso confidenciaria a uma amiga de infância, Ana Joaquina Senra: «Se alguém disser que eu tive pela minha mãe mais amor do que pelo meu pai, isso não é verdade». Não era, com certeza, mas quando, por aquela altura, escolheu elementos para o seu escudo episcopal, optou pelas armas dos Gomes e pelas armas dos Barroso, ambos apelidos da mãe, que acabara de falecer. O pai faleceria pouco depois. Escreveu, a este propósito, António J. L. Trigueiros, s.j.: «Talvez o conhecimento de D. António Barroso desta sua parentela ilustre de apelido Gomes Barroso, o tivesse levado a ‘preterir’ o apelido Sousa, do pai, para usar no seu escudo episcopal as armas Gomes Barroso, tal como se pode ver no jazigo que mandou edificar no cemitério de Remelhe para sepultura de seus pais e onde veio ele mesmo a estar sepultado por mais de dez anos, até ser construída a capela jazigo. Ou talvez fosse a simbologia eucarística presente nas armas dos Gomes, com o pelicano que rasga o peito para alimentar os seus filhos a razão da adopção destas armas». Cf. Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918), p. 13.

[44] D. António Barroso escreveria, em 1889: «Para mim não é uma lisonjeira utopia a formação de uma Nova Lusitânia na África […] temos ainda o pulso vigoroso para levantarmos um novo Brasil». BRÁSIO, António., D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, Lisboa, 1961, p. 142.

[45] PINTO, António Ferreira – D. António Barroso, Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar. Porto: Tipografia Pôrto Médico, L.da, 1931, p. 8.

Mais tarde, numa pastoral de 25 de Abril de 1918, escreveria: «A Igreja teve sempre uma acentuada predilecção pela agricultura, indústria simples, fortificante e inspirativa».

[46] GUIMARÃES, Bertino Daciano – D. António Barroso. Homem de Acção. Português de Lei. Pessoa de Bem (1854.1918). Minho, Fundação da Tertúlia de Afife, 1956, p. 9.

[47] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 15. A documentação não confirma a primeira afirmação do texto citado.

[48] PINTO, António Ferreira – D. António Barroso, Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar. Porto: Tipografia Pôrto Médico, L.da, 1931, p. 7.

[49] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso, Lisboa, 1938, pp. 7-9.

[50] Diário do Norte. Entrevista feita a Ana Joaquina Senra, pelo jornalista António Álvares da Silva, a 23 de Julho de 1951. Ana Joaquina Senra era colega de infância de D. António, um pouco mais nova, e nasceu na Casa da Fonte, muito próxima da casa dos pais deste. Viria a casar na Casa de Santiago, com António José Simões Santiago, e ali faleceu, quase centenária.

[51] MACEDO, José Adílio B. – D. António Barroso e a Primeira República, Barcelos, 2005, pp. 10-11.

[52] A avó do professor Martins era irmã do cirurgião Barroso, como se pode ver pelo seu processo de habilitação a ordens. É que o professor Domingos da Fonseca Martins tinha frequentado o seminário, como relata Alvares da Silva, jornalista do Diário do Norte, natural de Pedra Furada, e filho do Dr. Joaquim Alvares da Silva, condiscípulo de D. António na escola de Góios. «Do que se sabe, porém, é que o Martins, numa atitude digna que D. António sempre louvou, preferiu ser bom marido a ser mau padre – casou-se com a mulher dos seus sonhos. Para viver dedicou-se às lides de ensinar meninos e meninas, rapazes e raparigas dos sítios vizinhos […] E um dos que lhe passou pela mão foi exactamente aquele endiabrado ferrabrás que havia de ser D. António Barroso». E continua, referindo-se ainda ao professor, no artigo que publicou em 1951: «Nos seus últimos tempos dizia, todo ancho de vaidade: – ‘Aqui, só não aprende quem é burro: eu já fiz um Bispo e um doutor’ (alusão aos seus antigos alunos D. António Barroso e dr. Joaquim Álvares da Silva, da freguesia de Pedra Furada, condiscípulo e grande amigo do Bispo).[…] Este Martins tinha o bom ou mau costume de citar frases em latim e, por vezes, estabelecia celeuma com clérigos seus antigos companheiros. D. António e o amigo Dr. Silva seguiram-lhe a peugada. Num dia da festa de Santa Cruz, na freguesia de Góios, encontraram-se os três – Martins, D. António e o Dr. Silva. Cercado o grupo por padres e lavradores, começou o despique e, pouco depois, o Martins calou-se, enquanto que D. António e o dr. Silva se afastavam. Mais atrevido um lavrador objectou ao dr. Silva – o sr. Martins agora calou-se… – Que queres? – retorquiu o Mestre escola – Eles sabem tanto latim como o Papa !…». Apud TRIGUEIROS, António J. L., s.j., Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918), pp. 18-19.

[53] A escola primária de Remelhe surgiria também, uns anos mais tarde, por iniciativa de um emigrante no Brasil. O frontispício regista: «Escola fundada por Domingos Gomes Ferreira da Costa. 1894».

[54] GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, pp. 30-31.

[55] De facto, em carta de Bernardo Limpo dirigida ao filho, Coronel Francisco António de Brito Limpo, datada de 11 de Novembro de 1868, e transcrita por TRIGUEIROS, António J. L., s.j., Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918), aquele queixa-se que, tendo o Joaquim Barroso falecido (em 8 de Maio de 1866) «veio aqui Joze Narcizo de Figueiredo único cirurgião que agora depois da morte do Barroso, há por estas partes, não fallando em Barcellos, aonde também poucos há, e mal podem acudir a tudo quando vão e às vezes tarde e a deshoras».

[56] Bertino Daciano Guimarães escreve que D. António Barroso, apesar dos altos cargos a que foi guindado, soube conservar a gratidão para com aqueles de quem houvesse recebido quaisquer benefícios. Um episódio que comprova a ligação de D. António à família de Bernardo Limpo da Fonseca, deu-se a 3 de Novembro de 1895, quando este, já bispo de Himéria e prelado de Moçambique, se deslocou a Pedra Furada para ministrar o baptismo ao filho primogénito da muito jovem D. Ana Adelaide de Brito Limpo (filha mais nova do Coronel Brito Limpo e de D. Adelaide) e do seu marido Dr. José de Castro Figueiredo Faria (administrador do concelho de Barcelos, deputado da nação, Presidente da Câmara Municipal, chefe local do Partido Regenerador e Contador do Juízo de Direito da comarca de Barcelos).

[57] Publicada pelo destinatário, numa obra que escreveu sobre a família dos Alcaides de Faria, intitulada Ninharias. Apud GOMES, J. Ferreira, Súmula biográfica de D. António Barroso, p. 77.

[58] Ana Joaquina Senra que era, como já se referiu, vizinha de infância do António José, um ano mais nova, contou esta estória divertida: «Um dia o pai foi a Braga levar um carro de lenha. Ao vê-lo, disse o António aos companheiros: O meu pai foi sempre assim de umas ideias… Tem uns bois na corte e vem com estas vaquitas…» A simpática velhinha, então com 97 anos, concluiu: – «É claro que o pai não tinha bois nenhuns, mas o rapaz não queria que os companheiros ficassem a julgá-los pobrezinhos…». Entrevista feita a Ana Joaquina Senra, pelo jornalista António Álvares da Silva, a 23 de Julho de 1951. Diário do Norte, 03-08-1951. Uma gabarolice, própria de um adolescente em fase de afirmação perante o grupo.

A entrevista, diversas vezes citada neste trabalho, constitui um depoimento notável de conteúdo, e credível.

[59] O mesmo nome de família de D. José Maria Ferrão de Carvalho Martens, que foi Superior do Colégio das Missões Ultramarinas, quando o António José ali estudou, e que o ordenou presbítero, em 1879.

[60] O plano de estudos recebeu entretanto alterações, e dele não constam algumas das disciplinas que o António José estudou em Braga. Em 26 de Abril de 1877, quando já levava o curso adiantado, foi publicada legislação que permitia aos estudantes destinados à carreira eclesiástica, fazerem os exames finais das disciplinas do ensino secundário nas respectivas dioceses.

[61] Foi neste Seminário, fundado por D. Frei Bartolomeu dos Mártires, na sequência das determinações do Concílio de Trento, que funcionou o Liceu Nacional de Braga, do ano lectivo de 1840-1841, ao ano lectivo de 1844-1845. Com a criação da Biblioteca Pública, o Liceu passou, com esta, para o extinto Convento dos Congregados do Oratório, e ali funcionou, de 1845-1846 a 1920-1921. De 1921-1922 a 1985-1986, funcionou no Colégio do Espírito Santo (Sá de Miranda).

[62] Fusão das Faculdades de Cânones e de Leis na Faculdade de Direito, decretada pela reforma de Passos Manuel; Criação das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto; Fundação das Escolas de Farmácia de Coimbra, Lisboa e Porto; criação do Conservatório Real de Lisboa; Criação da Academia de Belas-Artes em Lisboa e da Academia Portuense de Belas-Artes.

[63] Certidão, com assinatura reconhecida em Braga, em 1 de Fevereiro de 1873. In Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

[64] A avó do professor Martins era irmã do cirurgião Barroso, como já se referiu. Cf. TRIGUEIROS, António J. L., s.j Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918), p. 18.

[65] Certidão. In Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

[66] Naquele ano de 1872, no Liceu Nacional de Braga, as matrículas para exames dos alunos externos, iniciaram-se a 7 de Maio. Com o n.º 100 matriculou-se António José de Sousa Barroso.

[67] É um lugar-comum justificar com a idade, o fracasso da passagem por Braga do aluno António José Barroso Porém, no livro de termos das matrículas para exames, dos alunos externos (ano lectivo 1871-1872), o António José, com 17 anos, é o segundo mais novo, dos 6 registados na página onde consta o seu nome. E, ao matricular-se para o ano lectivo de 1872-1873, é o terceiro mais novo, entre sete nomes que constam da mesma folha. As razões do seu insucesso escolar estarão relacionadas com a dificuldade que teve em se integrar no meio estudantil bracarense, e com alguma desmotivação que sentiu.

[68] PINTO, António Ferreira – D. António Barroso, Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar, Porto, 1931, p. 7.

[69] A referência que o seu amigo e biógrafo faz às frigideiras, recorda-nos que o António José tinha fama de ser muito brincalhão, em miúdo, e que manteve essa fama pela vida fora. A sua vizinha de infância, Ana Joaquina Senra, na mencionada entrevista ao Diário do Norte, contou um episódio patusco sobre a sua queda para a culinária: «Um dia, o Padre António estava com o meu irmão em nossa casa – Em aparte – Ele era sempre um mangador … Sabe ? Apareceu um gato na varanda e disse o Padre António: – que grande gato que ali está: valia por um coelho e come-se tão bem como se fosse um coelho. – Se quiser… disse o meu irmão. – Pronto, é já, disse o Padre António. – O meu irmão foi dentro de casa, trouxe uma arma e, zás, matou o gato, que caiu redondo. Eu arranjei-o como se fosse um coelho, e, no dia seguinte, o Padre António, no fim da missa, cozinhou-o e foi servido num jantar onde ele quis que estivessem outros padres e o abade da freguesia, o ‘Padre Rabicho’, como lhe chamavam cá. Deixando aflorar um sorriso malicioso: Sabe? Todos comeram do gato e todos acharam que era muito bom o coelho. No fim, quando D. António disse a maroteira que tinha feito, é que todos eles ficaram muito zangados e queriam vomitar. Mas tudo passou em risota, que eles bem sabiam que ele era muito brincalhão».

[70] TRIGUEIROS, António J. L., s.j. – Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918). vol. I, Barcelos, 2007, p. 21.

[71] Ibidem, p. 12.

[72] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia, Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 16.

[73] Ibidem.

[74] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso, Lisboa, 1938, p. 10.

[75] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia, Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 16.

[76] «Licença que presta José António de Souza a seu filho António José de Sousa Barroso para se matricular no Real Colégio das Missões Ultramarinas». In Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

[77] Certidão de nascimento e baptizado, certidão de casamento dos pais, certidões de habilitações (escola de Góios, escola particular de José Valério Capella e Liceu Nacional de Braga), autorização do pai, referida no texto, com o compromisso de indemnizar o Colégio, nos casos previstos nos estatutos da instituição, e outros documentos que constam do Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

[78] «O erro máximo dos nossos dias é o Modernismo, que invade todo o campo da fé em todas as direcções». Provisão ácerca do exame dos livros e escriptos submettidos por seus auctores ou editores á approvação ecclesiastica na Diocese do Porto, Porto, 1909, p. 9.

[79] Em tempos de monarquia, e com a tendência, notória também noutras áreas, de copiar expressões inglesas, pegou a moda de o apelidar de Real, ainda que tal designação careça de suporte.

[80] GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 30.

[81] Se «decidissem a bandonar o curso, teria a família de pagar 150$000 por cada ano de ensino, o que para aquela época era uma verdadeira fortuna». PEREIRA, Pedro Vaz – As Missões Laicas, alguns apontamentos, I Parte. Boletim do Clube Filatélico de Portugal, n.º 398, Dezembro, 2002.

Houve dois Padres que indemnizaram o Colégio para não irem para as Missões: Padres João da Cruz Teixeira e Luís José Neto. Cf. TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905, p. 69.

[82] TRIGUEIROS, António J. L., s.j. – Estudos sobre D. António Barroso (1854-1918). vol. I, Barcelos, 2007, p. 22. Segundo o autor, «a referência à pequena do Matos, diz respeito à única filha do rico proprietário vizinho, António José da Silva Matos, de seu nome Clementina, falecida a 24 de Agosto de 1876, com seis anos, de cambras, e que significava o final de uma antiga família de lavradores da Torre de Moldes, dado que a mãe Florinda Rosa de Barros, que era verdadeiramente a senhora da Casa, falecera de parto em 1870. A madrinha Delfina era a mulher de José António Alves, filha da madrinha de D. António, e então senhora da casa do Barroso (que fora do avô). E o Domingos era o Domingos José Simões irmão desta e senhor da Casa do Simões (ambos primos direitos de D. António e vizinhos da casa dos pais)».

[83] AFONSO, Castro – D. António Barroso, Bispo Missionário, e os Missionários de Cernache do Bonjardim. Igreja e Missão, 1995, p. 259.

[84] Em Portugal, o Priorado da Ordem do Hospital ou de Malta, começou por ter a sua sede em Leça do Balio. Os membros desta Ordem, fundada em 1099 – a mais célebre e antiga das Ordens religiosas e militares que tiveram a sua origem nas Cruzadas – chamavam-se, ao princípio, Hospitalários de São João.

[85] O último Grão-Prior do Crato foi o Infante D. Miguel, depois D. Miguel I. No foro eclesiástico, o Grão-Prior exercia a jurisdição por meio de um vigário geral e provisor.

[86] Em finais do século xviii, o país conheceu um ciclo de grandes reformas, nestas se incluindo uma nova formulação das Ordens Militares sob tutela régia. A Ordem de Malta e o seu Grão Priorado encontravam-se então em decadência.

[87] No século xviii já se fazia sentir a necessidade de renovação e de acção missionária, como foi notório particularmente na área protestante, com o Metodismo, muito influente no mundo anglo-saxónico.

O final do século xviii foi, de facto, um período de grande pressão sobre as Igrejas, nomeadamente sobre a Católica, no sentido de uma revitalização religiosa. Muitas das congregações religiosas que viriam a desenvolver uma significativa acção de renovação católica no século xix, nasceram no contexto da Revolução francesa, como se informa a seguir, em O despertar da consciência missionária, na Europa.

[88] Também chamados Vicentinos e Lazaristas, e conhecidos ainda, em Portugal, como Rilhafolenses, devido à localização da sede, no convento de Rilhafoles, em Lisboa.

Fundada por S. Vicente de Paulo, a Sociedade dos Padres da Missão mereceu aprovação pontifícia, em 12 de Janeiro de 1633. Estes Padres estavam vocacionados para as missões «entre fiéis como entre infiéis», e também para a direcção e para o ensino nos seminários, para a direcção das Irmãs da Caridade e para a orientação de retiros espirituais.

 

[89] «Para dotação do Seminario foram dadas as hortas e mais terrenos cultivados do parque Bom Jardim, e treze capellas». «As hortas do parque Bom Jardim foram doadas aos directores do Seminario por decreto de 14 de Junho de 1791», informa TEIXEIRA, Cândido da Silva (O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim, p. 180). Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, a propriedade das mesmas retornou para o Estado. O mesmo autor escreve que «o parque Bom Jardim foi concedido ao Collegio em 22 de Outubro de 1885, a pedido do actual superior Dr. Antonio José Boavida» (Ibid., p. 26).

De início, o curso do seminário era constituído por três cadeiras: gramática latina, filosofia e teologia moral. Foi depois acrescido de retórica e teologia dogmática.

[90] Ibid., p. 181.

[91] Surgiram Seminários das Missões em Milão, Burgos, Mill Hill, Lyon, Dublin, Maryknoll, Quebec, Imensee, Yarumal, Cidade do México, Goa, Kerala.

[92] Na Igreja de França, a resistência à Revolução fez-se acompanhar de uma adesão crescente à autoridade romana, dando origem a um forte movimento que ficou conhecido como ultramontanismo.

[93] Annales de la Propagation de la Foi, Tomo I, 1822, Avant-propos. Apud PRUDHOMME, Claude – Problématiques missionnaires catholiques du XIX siécle. Congresso Internacional de História. Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas. Actas. Vol. I. Braga: Universidade Católica Portuguesa, 1993, p 134.

[94] A reabertura do Seminário de Cernache, em 1855, e a respectiva Lei, de Agosto de 1856, não podem ser dissociadas da Concordata de Fevereiro de 1857.

[95] PRUDHOMME, Claude – Problématiques missionnaires catholiques du XIX siécle. In Congresso Internacional de História. Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas. Actas. Vol. I. Braga: Universidade Católica Portuguesa, 1993, p 137.

[96] A concepção romântica da missão estava presente em quase todos os que aspiravam a partir para países inacessíveis e ingratos, marcados pela hostilidade do clima e da natureza (Gronelândia ou África) ou dos homens (China ou Oceania). Era suportada por uma literatura que exaltava o heroísmo dos mártires – modelos a seguir. A aspiração ao martírio chegou a ter assomos mórbidos. Alguns fundadores de congregações missionárias tiveram o cuidado de chamar a atenção para os perigos da exaltação e do fanatismo.

[97] TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim, Lisboa: Imprensa Nacional, 1905, p. 16.

[98] Sorte semelhante tiveram a Casa do Infantado e o Priorado do Crato.

[99] Natural de Arnoia, concelho da Sertã, onde nasceu a 18 de Dezembro de 1804, filho do Dr. José Mata e de Maria do Carmo e Mata.

[100] O segundo seria o Cardeal D. José da Costa Nunes.

[101] O dia 8 de Dezembro passou a ser celebrado, anualmente, naquela instituição, com especial solenidade, aproveitando-se a data festiva para realizar cerimónias de ordenação, de juramento, de despedida de missionários, etc.

[102] Estes números, indicados por TEIXEIRA, Cândido da Silva, O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim, p. 23, parece não coincidirem com o mapa de alunos apresentado pelo mesmo autor, p. 182: em 1856 nada consta e em 1857 havia 14.

[103] Cf. TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905, pp. 29-30. O Padre Luís Bernardino da Natividade foi Superior desde 5 de Outubro de 1855, até Outubro de 1857. Ao longo do ano de 1856 foi já sendo substituído por Frei João Baptista de Jesus. Seguiram-se o Dr. Constâncio Floriano de Faria, de Novembro de 1857 a Dezembro de 1860, o Padre Manuel Joaquim Mendes, de 1860 a 24 de Julho de 1861, o Padre António Bernardino Barroso, de 24 de Julho de 1861 a Outubro de 1862, o Padre Francisco Xavier de Miranda, de Outubro de 1862 a 4 de Julho de 1865.

[104] PAIXÃO, Braga – Colégio das Missões, em Cernache. Cucujães: Editorial Missões, 1956, p. 18.

[105] AFONSO, Castro – O Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim 1791-1991. Cucujães: Editorial Missões, 1991, p. 19.

[106] A contribuição do governo para as obras de ampliação, foi feita com madeiras de matas nacionais.

[107] A lápide, em mármore, comemorativa da conclusão das obras, tem o seguinte texto, em latim: «Este edifício, dedicado à Imaculada Virgem Maria, foi concluído pela protecção da mesma Senhora, no ano de 1869». O total de todas as despesas realizadas com obras, até 30 de Junho de 1871, foi de 11:461$090 réis.

[108] Publicado no DG, n.º 206, de 13 de Setembro de 1871, pp. 232-42.

[109] Este afinado agrupamento musical, que continuou a funcionar durante os anos da formação de António José Barroso, que ali deu entrada no ano seguinte, mas que era pouco dado à música, foi fundado por Nestor Augusto de Castilho, músico e violoncelista, que partiu para as Missões naquele ano da sagração de D. João Maria, e que morreu, em serviço, em 1896.

Além da orquestra, foi criada também no seminário uma banda de música, em 1884. Em 1905, ainda actuavam com êxito as duas. Por elas passaram muitos cantores, bons organistas e tocadores de vários instrumentos. Por elas passaram alguns que, depois, como padres fundaram e regeram bandas no Ultramar.

[110] Esta dinâmica laicizadora, importada da França revolucionária, e que tivera assomos já no Portugal de meados do século xix, teve uma expressão clara na Lei de Separação entre o Estado e a Igreja, de 20 de Abril de 1911

[111] Decreto n.º 3352, de 8/9/1917, art.º 2.º.

[112] TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905, p. 181.

[113] A transcrição, autêntica e fiel, destas páginas do livro Matrículas n.º 3 – 1858-1875, Processo n.º 62, foi feita, amavelmente, pelo Padre Manuel Castro Afonso. Todos os termos dos exames referidos no texto transcrito se encontram exarados no livro Exames de 1871 a 1880, conservado no Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

Igualmente se guardam no mesmo Arquivo os documentos referentes às Ordenações e Promessa Solene de servir as Missões, na secção Processos de Ordenações e Admissões, 1871-1877 e Processos de Ordenações e Admissões, 1878-1880.

[114] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 16.

[115] Cf. TEIXEIRA, Cândido da Silva – O Collegio das Missões em Sernache do Bom Jardim. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905, p. 28.

[116] GOMES, J. Ferreira – D. António Barroso na Oratória. Boletim de D. António Barroso, II Série, n.º 163, 2007, p. 5.

[117] Entrevista feita a Ana Joaquina Senra, pelo jornalista António Álvares da Silva, a 23 de Julho de 1951. Diário do Norte, 03-08-1951.

[118] Certidão. In Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

[119] Certidão. In Arquivo do Colégio das Missões Ultramarinas de Cernache do Bonjardim.

[120]  Francisco Martins doutorou-se em 27 de Junho de 1886, na Universidade de Coimbra, e foi um lente célebre da Faculdade de Teologia daquela Universidade. Ali o visitou D. António, mais tarde, como se refere no texto. Veio a ocupar o lugar de Reitor do Liceu do Porto, por cinco anos, sendo então hóspede de D. António, de quem se lembrou também no momento das disposições testamentárias.

[121] Número significativo, se atendermos a que, no total dos trezentos e poucos Padres formados no Colégio de Cernache do Bonjardim, só oito ascenderam ao episcopado: além destes três, cujos percursos são conhecidos, também António Joaquim Medeiros (Macau), João Gomes Ferreira (Cochim), Mateus de Oliveira Xavier (Goa), José Alves Martins (Cabo Verde) e José Bento Ribeiro (Cochim).

[122] Cinquenta anos depois, o Cónego António José Boavida, que foi Superior em Cernache durante duas décadas, escreveria que a verba então atribuída era muito reduzida: «Para satisfação de todos os encargos inerentes a este empreendimento colossal e a uma obra tamanha, os poderes públicos simplesmente dão a mesquinha dotação de 1:200$000 réis, deduzidos dos fundos das Missões da China, administrados então, como hoje, em Macau. Confiavam, porventura, na acção providente de Deus, que alimenta as despreocupadas avesinhas do Céu, e veste os lírios humildes dos vales!…»

[123] PAIXÃO, Braga – Colégio das Missões, em Cernache. Cucujães: Editorial Missões, 1956, p. 16.

[124] A proposta de criação dum Colégio com este fim específico, apresentada por Sá da Bandeira, ficou pendente, durante quatro anos, na 3.ª secção do Conselho Ultramarino. Almeida Garrett, que foi relator da questão, mostrou algum empenho no assunto, embora não defendesse o restabelecimento das Ordens e Congregações religiosas. Depois de outras hipóteses, como se refere no texto, acabou por se decidir fazer o Colégio das Missões em Cernache, absorvendo o do Bombarral e alargando-o a outros destinos além da China, como Macau, Goa, São Tomé, conferindo-lhe a designação de Colégio das Missões Ultramarinas. Cf. AFONSO, Castro – D. António Barroso, Bispo Missionário, e os Missionários de Cernache do Bonjardim. Igreja e Missão, 1995, pp. 260-61.

[125] Portugal não dispunha de meios para evangelizar a Índia e a China, e as relações entre a Santa Sé e o Governo português ressentiam-se, com a Propaganda Fide pelo meio.

Entretanto, a crise que a Concordata de 1857 provocou no governo, levou a que se assentasse numa nova, em 23 de Junho de 1886. Esta restringiu mais os direitos portugueses na Índia, provocando lá um geral desapontamento, como se confirma pela reclamação dos cristãos de Ceilão que pretendiam continuar na jurisdição do Padroado e que, para isso, enviaram a Lisboa e a Roma um delegado. Em vão. Entretanto, a Sé de Goa, primacial há muito no Oriente, foi elevada a Patriarcal, concedendo-se ao respectivo Arcebispo o título pomposo de Patriarca das Índias Orientais.

[126] «Esta ambiguidade vai manter-se até ao fim da vida do Colégio das Missões, vindo a ser a causa maior, em 1911, do seu encerramento pelo governo republicano». AFONSO, Castro – O Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim 1791-1991. Cucujães: Editorial Missões, 1991, p. 14.

[127] REGO, A. da Silva – Lições de Missionologia. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1961, p. 129.

[128] PAIXÃO, Braga – Colégio das Missões, em Cernache. Cucujães: Editorial Missões, 1956, p. 15

[129] No Colégio das Missões Ultramarinas, uma das provas de fogo para permitir ou vedar o acesso dos alunos finalistas às ordens maiores, após haverem concluído os estudos de Teologia, era o «Auto de Inquirição de Vita et Moribus». Constava de um «interrogatório» feito confidencialmente a diversas testemunhas, sobre a vida e costumes dos alunos, onde se questionava inclusive sobre as ideias políticas de cada um. Eram procedimentos normais na Igreja de então, comummente aceites pela sociedade da época, mas também reveladores da formação ministrada na secular instituição cernachense.

Ao interrogatório seguia-se uma leitura pública do Auto, numa missa apropriada, sendo este, depois, afixado nas portas da igreja, para que o povo pudesse pronunciar-se sobre cada um dos candidatos, caso houvesse «impedimento ou defeito». O artigo 4.º deste extenso questionário, era do seguinte teor: «Se tem mostrado ter ideias e opiniões pouco ortodoxas em matéria de Religião, ou opostas à independência e honra nacional».

[130] Como desenvolvidamente veremos na III parte deste trabalho, o Padre Barroso, atento às críticas dos políticos de Lisboa, que bem conhecia, e, sobretudo, à voz e ao sofrimento dos mais pobres, fez da sua vida missionária, uma longa caminhada do litoral para o interior.

[131] No seu relatório de 1912-1913, o ministro das Colónias, Cerveira de Albuquerque, observava: «Os missionários de Sernache do Bonjardim desempenham quási sempre o lugar de párocos. As paróquias criaram-se nos núcleos de população branca mas a acção isolada dum padre pouco ou nada pode no meio do sertão, e assim se explica em parte o insucesso dos missionários».

[132] Até 1885 terão sido formados 75 missionários; dali a 1905, mais 164; e de 1905 até 1911, mais 78, o que dá o número notável de 317. Cf. PAIXÃO, Braga – Colégio das Missões, em Cernache. Cucujães: Editorial Missões, 1956, p. 18.

[133] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 143.

[134] BARROSO, António – Ofício ao Vigário de Raiporam, de 25-11-98. Apud AZEVEDO, Carlos A. Moreira – António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade. Lusitania Sacra, 2.ª Série, Tomo XVI. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2004, pp. 399-410.

[135] «O bispo de Himéria só consigo podia contar para a obra de reformação», escreveu ENES, António, estabelecendo um contraste entre o que observara antes e depois de D. António Barroso. Apud CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 163.

[136] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 214.

[137] Boletim de D. António Barroso, II Série, n.º 175, Agosto/Setembro, 2008.

[138] BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. LIII

[139] FARINHA, Pe. António Lourenço – A Acção Missionária em Moçambique. In Portugal Missionário. Cucujães: Escola Tipográfica do Colégio das Missões, 1929, p. 90

[140] PINTO, António Ferreira – D. António Barroso, Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar. Porto: Tip. Porto Médico, 1931, pp. 185-86.

[141] Boletim Oficial de Angola, 1880, p. 565. Apud MACEDO, José Adílio B. – D. António Barroso e a Primeira República. Barcelos: Câmara Municipal, 2005, p. 16.

[142] Boletim Oficial de Angola, Portaria 391, 1880, p. 565. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 347.

[143] Instruções Confidenciais do Governo-Geral ao Padre António Barroso (19-1-1881). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 352-53: «Diligenciará sempre, pelos meios persuasivos e convenientes, manter a influência da Coroa Portuguesa naquelas regiões e no ânimo do Rei. No que respeita ao catolicismo e derramamento da nossa religião, não é deste Governo-Geral mas de Sua Excelência Reverendíssima o Bispo da Diocese, que dimanam as instruções.

Procurará conhecer da propaganda e trabalhos das missões estrangeiras estabelecidas no Congo e no Zaire, e bem assim dos trabalhos e fins de Stanley, ou de qualquer outro explorador, ou missão, que aporte àquelas paragens, dando periodicamente conta de tudo ao Governo-Geral da Província.

Conhecerá e dará informações circunstanciadas do estado moral e social do Reino do Congo, sua importância e influência nos povos circunvizinhos, principalmente os que estanciarem nas margens do Zaire.

Promoverá a pronta reconstrução de uma das igrjas portuguesas, de casa para residência da Missão, e para escola, empregando os artífices que para esse fim fazem parte da Missão, e devem trabalhar sob as ordens do Superior da mesma Missão. Para estes trabalhos solicitará do Rei do Congo materiais e trabalhadores. Terminada a reconstrução de uma igreja, procederá à de outras, como é conveniente.

Além do ensino religioso promoverá o de instrução primária e profissional, aproveitando para este último os artífices da Missão, ao que estão obrigados pelo seu contrato, e estabelecendo escola nossa, portuguesa, bem constituída e profícua.

Proporá para este Governo-Geral tudo quanto julgar conveniente a bem dos interesses de Portugal e da Missão, e solicitará os elementos de que carecer, para que os seus trabalhos e resultados sejam úteis e proveitosos.

Luanda, dezanove de Janeiro de 1881. António Eleutério Dantas, Governador-Geral».

[144] Sucedeu a D. António Barroso, na prelazia de Moçambique, com o título de bispo de Epifânia, e faleceu, em 1925, como Bispo de Damão.

[145] Instruções Confidenciais ao Capitão Barreto Mena (19-1-1881). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 354.

[146] A Conferência de Berlim reuniu de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, sendo de então o respectivo Acto Geral, que expressa bem a competição entre as potências europeias para a aquisição de direitos territoriais em África, no último quartel do século xix. Há que ter presente também o Acto Geral assinado em 1890, no termo da Conferência Antiesclavagista de Bruxelas, reunida em 1889.

[147] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 18.

[148] Clero secular, que só muito episodicamente teve grande relevância na história da Igreja.

[149] O Padre António Barroso conta assim a estória: «Para passar, sem nos atolarmos, estes canais, que são muitos, é indispensável servirmo-nos dos ombros dos pretos. Sentei-me, pois, nas espáduas de um hercúleo africano, lancei as pernas para o peito dele, e atacámos o primeiro canal, e tudo bem. No meio do segundo, porém, o pobre homem, metido até à cintura em lodo e água, sente que alguma coisa lhe falta, tenta apoiar-se, cai, porém, e eu tomo um banho forçado, não precisamente em água, mas numa mistura de água e terra negra. Grande algazarra, e o caso assim o pedia; ao sair do atoleiro, eu devia ter semelhança com uma estátua que sai da fundição antes que lhe sejam puídas as protuberâncias pela lima do artista». BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 95.

[150] Pelo decreto de 30 de Maio de 1834, que extinguiu em Portugal e nos seus domínios todas as Ordens religiosas, os últimos Padres Capuchinhos retiraram de Luanda. No ano de 1834, havia em Angola só 1 Capuchinho italiano e 2 Carmelitas.

[151] BARROSO, António – Relatório do Superior da Missão do Congo, ao Ex.mo e Rev.mo Bispo de Angola. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 6.

[152] D. António Barroso, neto dum cirurgião rural, manifestou gosto pela medicina, em diversas ocasiões. Na juventude, em Braga foi condiscípulo de Magalhães Lemos que viria a ser um psiquiatra insigne e director, com Júlio de Matos, do Hospital do Conde Ferreira, no Porto. Foi também condiscípulo de Tomaz de Meira, médico em Viana do Castelo, cuja amizade sempre cultivou.

[153] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 26.

[154] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 100.

[155] Ibidem, p. 99.

[156] Carta do Padre António Barroso ao Rei do Congo (1-4-1881). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 377.

[157] Relatório do capitão Ricardo Mena (11-3-1881). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 368

[158] É hoje reconhecido que a Missão baptista prestou indiscutíveis serviços à população de São Salvador e arredores, sobretudo no campo do ensino, das artes e ofícios e da assistência sanitária, chegando a ter muitas vezes médico privativo para serviço do povo.

[159] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia, Livraria Portugueza Editora, Porto, 1921, p. 22.

[160] Ibidem.

[161] BARROSO, António – Trabalhos em África. Missão Portuguesa do Congo (20-5-1886). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 79. Cf. também nesta página, as mencionadas estrofes do autor da Harpa do Crente.

[162] Portaria do Governador de Angola (5-1-1883). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 392.

[163] Provisão do Chantre da Sé de Luanda (8-1-1883). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 393.

[164] Cf. Carta do Chantre da Sé de Luanda ao Padre António Barroso (16-5-1883). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 412.

[165] Carta do Bispo de Angola e Congo ao Ministro Júlio de Vilhena (13-6-1883). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 418.

[166] Confidencial do Governador de Angola ao Ministro do Ultramar (20-7-1883). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 421.

[167] Relatório do Governador-Geral (1-9-1882 a 1-9-1883). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 425.

[168] Ofício do Governador de Angola ao Ministro do Ultramar (14-11-1884). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 453-54.

[169] Ofício do Vigário-Geral do Bispado ao Padre António Barroso (26-6-1885). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 470.

[170] Portaria do Ministro Pinheiro Chagas (23-9-1885). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 478: «Sua Magestade El-Rei, a quem foi presente o ofício em que o governador-geral da província de Angola dá conta de novos e relevantes serviços prestados aos interesses nacionais na África ocidental pelo honrado e patriótico missionário cónego António José de Sousa Barroso, chefe da missão de São Salvador do Congo, que com o maior zelo, dedicação e infatigável solicitude tem continuado a promover, com a sua influência e prestígio, o desenvolvimento das relações comerciais da região do Congo, que ultimamente tem tomado grande incremento e atraído caravanas importantes ao mercado de São Salvador, o que representa um altíssimo serviço prestado ao comércio africano, manda que, em seu real nome, seja transmitido àquele prestante e benemérito missionário o maior aplauso e louvor por actos que tanto ilustram e nobilitam o seu carácter de português e que tanto o recomendam ao reconhecimento nacional. O que se comunica ao governador-geral da província de Angola para seu conhecimento e devidos efeitos. Paço, 23 de Setembro de 1885 – Manuel Pinheiro Chagas».

[171] Foram bem acolhidos na corte de D. João II, e durante dois anos residiram no Convento de São João Evangelista, chamado dos Loios, para contactarem e conhecerem sob diversas formas, a vida da capital.

[172] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 152.

[173] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia, Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 25.

[174] Ibidem.

[175] GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S., D. António Barroso. Homem de Acção. Português de Lei. Pessoa de Bem (1854.1918). Minho: Fundação da Tertúlia de Afife, 1956, p. 12.

[176] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Livraria Portugueza Editora, Porto, 1921, p. 26.

[177] Cf. Ofício de D. António Leitão e Castro ao Ministro da Marinha (20-2-1889). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 528-32. D. António Tomaz da Silva Leitão e Castro fora Superior interino do Colégio de Cernache, de 1884 a 1885. Pinheiro Chagas encarregara-o de uma reforma dos Estatutos, como se referiu na II Parte.

[178] Seis anos mais tarde, em 1897, quando do funeral de D. João Gomes Ferreira, D. António Barroso, recordando este momento da sua sagração, proferiu uma notável oração fúnebre, «em frase levantada e erudita, um verdadeiro primor de retórica», como comentava O Século, de 11 de Julho de 1897.

[179] Pagela publicada pela Igreja diocesana do Porto, em 2 de Outubro de 1918.

[180] MACEDO, José Adílio B, – D. António Barroso. Síntese Biográfica e Bibliográfica, Separata de Barcelos Revista, II Série, n.º 8, 1997, p. 51.

[181] ENES, António – Moçambique, Relatório apresentado ao Governo. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 3.ª Edição, 1946, pp. 7-8.

[182] «Vê do Monomotapa o grande império/ De selvática gente negra e nua/ Onde Gonçalo morte e vitupério/ Padecerá, pela fé santa sua». Canto X, estrofe XCIII.

[183] Cf. BRÁSIO, António – História e Missiologia. Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, 1973, p. 555.

[184] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 202.

[185] Cf. BRÁSIO, António – História e Missiologia. Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, 1973, p. 555. A elevação da jurisdição de Moçambique a Bispado, era ambição muito antiga, mas foi sempre adiada de século para século, até que, pela Bula Solemnibus Convencionibus, de 4 de Setembro de 1940, baseada na Concordata e no Acordo Missionário, da mesma data, Pio XII criou em Moçambique três dioceses: «Na Colónia de Moçambique suprimimos e declaramos extinta a Prelazia nullius de Moçambique, sufragânea da Igreja metropolitana goense», criando em seu lugar a Igreja Metropolitana de Lourenço Marques e as Dioceses da Beira e de Nampula.

[186] FARINHA, Padre António Lourenço – A Acção Missionária em Moçambique. In Portugal Missionário, Couto de Cucujães: Escola Tipográfica do Colégio das Missões, 1929, p. 89.

[187] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 196-97.

[188] Ibidem, p. 205.

[189] Ibidem, p. 209.

[190] Por isso o Prelado mudou-a para Mongue, «bom terreno que reune condições de salubridade a uma população muito densa», escreveu no diário que o acompanhava.

[191] O Instituto D. Amélia e o Instituto Leão XIII foram extintos com a implantação da República, o que terá amargurado D. António: «Essas duas instituições, de tão fecundos resultados civisadores, e alicerçadas em tantos sacrificios, varreu-as uma rajada de jacobinismo estolido, logo apoz a implantação do actual regímen», escreveu BRAZ, Sebastião de Oliveira, D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia, p. 41.

[192] D. Rafael, Prelado de Moçambique, com o título de Bispo de Augusta, por ocasião do I Congresso Missionário Nacional, efectuado em Barcelos, de 31 de Agosto a 6 de Setembro de 1931.

[193] ENES, António – Moçambique, Relatório apresentado ao Governo. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 3.ª Edição, 1946, pp. 200-02.

[194] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 39.

[195] Ibidem.

[196] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 90.

[197] Ibidem, p. 92.

[198] D. Ernesto Gonçalves da Costa, 1.º Bispo de Inhambane é natural de Barcelos, e, como D. António Barroso, foi criado entre courelas, na Ucha. Sagrado em Lourenço Marques, em 30 de Dezembro de 1962.

[199] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 93.

[200] Mercê das circunstâncias em que decorreu a recolha de fundos, o Instituto D. Amélia destinava-se a meninas brancas e assimiladas.

[201] Leão XIII, o Papa que tanto admirava, foi um hábil caçador, na mocidade.

[202] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 104.

[203] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 44.

[204] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 109.

[205] Ibidem, pp. 121-22.

[206] A medida teve aspectos positivos. As exportações e as receitas públicas de Moçambique superaram as de Angola. Ainda era assim quando da proclamação da República.

[207] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 45

[208] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 128.

[209] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 50

[210] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Moçambique, em 13 de Janeiro de 1894. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1071.

[211] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, pp. 50-51.

[212] Ibidem, p. 51.

[213] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 136.

[214] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 56

[215] CAPELO, H. e IVENS R. – De Angola à Contra-Costa, vol. II. Apud CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 142.

[216] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 58.

[217] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 143.

[218] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 197.

 

[219] Cf. FERREIRA, Cón. J. Augusto – Memórias arqueológico-históricas da cidade do Pôrto. Apud CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 149.

[220] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 152.

[221] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 67.

[222] Ofício de D. António Barroso ao Ministro do Ultramar (21-01-1896). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 593.

[223] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 40.

[224] Ibidem, p. 68.

[225] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 233.

[226] Ibidem, p. 234.

[227] Ibidem.

[228] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 40.

[229] «No comboio ascendente das 10 horas e 12 m. da manhã da passada segunda-feira chegou a esta villa, vindo directamente de Lisboa». O Commercio de Barcelos, n.º 295, de 27-10-1895.

[230] Naquele relatório, referindo-se à acção que os missionários do Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim vinham desenvolvendo em Moçambique, advogou a transformação daquele Colégio em Congregação missionária ou em Seminário que ficasse sob a responsabilidade total e exclusiva da Igreja, sem interferências políticas directas. Temendo ser mal interpretado, entendeu afirmar que nada o movia contra os missionários de Cernache do Bonjardim, e foi então que, aludindo a D. António Barroso, que era um deles, escreveu: «Já houve nesta Prelazia um prelado, que, por sinal, deixou aqui um traço de luz que tarde se apagará, que pediu a criação dum seminário para esta província, fundado e dirigido no reino, debaixo da sua inteira responsabilidade, sem com isto querer depreciar os missionários de Cernache do Bonjardim, o que de modo nenhum procuro fazer».

[231] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 69.

[232] Político de carreira, também natural do concelho de Barcelos, um ano mais novo que D. António Barroso. Viria a encontrar-se com este diversas vezes, nomeadamente quando, mais tarde, D. Manuel II visitou Barcelos.

[233] O Século, de 11 de Julho de 1897. D. João Gomes Ferreira, contemporâneo de D. António Barroso no Seminário de Cernache do Bonjardim, foi missionário em Macau e em Timor e, depois, Bispo de Cochim, de 1887 a 1897. D. António Barroso terá sido contactado para esta Diocese de Cochim.

[234] O Commercio de Barcellos, de 23 de Janeiro de 1898.

[235] Apud AZEVEDO, Carlos A. Moreira – António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade. Lusitania Sacra, 2.ª Série, Tomo XVI. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2004, p. 400.

[236] Cf. CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 172.

[237] Carta ao Núncio Apostólico, datada do Colégio das Missões Ultramarinas, Cernache do Bonjardim, em 26 de Maio de 1897. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1103.

[238] Carta ao Núncio Apostólico, datada das Caldas do Gerês, em 19 de Junho de 1897. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1104.

[239] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Lisboa, em 6 de Julho de 1897. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1113.

[240] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Lisboa, em 15 de Julho de 1897. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1114.

[241] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Felgueiras, em 20 de Julho de 1897. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1115.

[242] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Barcelos, em 25 de Setembro de 1897. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1121.

Os Padres de Maduré, a que faz referência, são José Norbero e Dias, para os quais obtivera do Santo Padre faculdade de os absolver de censuras em que haviam incorrido, por haverem realizado procissões em territórios que o Bispo de Trichinopoly entendia serem da sua jurisdição.

[243]AZEVEDO, Carlos A. Moreira – António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade. Lusitania Sacra, 2.ª Série, Tomo XVI. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2004, p. 402.

[244] Com efeito, foi a partir deste século, que a Igreja começou a empenhar os cristãos na fundação de templos e de outras obras pias, concedendo-lhes privilégios especiais. O Decreto de Graciano, as Clementinas e o Concílio de Trento dão disto testemunhos. Mas é do pontificado de Nicolau II (1058-1061), o primeiro documento em que se faz expressa menção do «padroado». O direito de padroado era, então, na prática, a faculdade de apresentar um clérigo para um benefício vacante.

[245] Dela se poderá tirar a conclusão, entre outras, de «que a cruzada henriquina, base jurídica do padroado espiritual ultramarino da Ordem de Cristo, teve alma e finalidade missionárias». BRÁSIO, António – História e Missiologia. Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, 1973, p. 16. Afinal, o conceito missionário medieval concretizava-se e traduzia-se no conceito de cruzada, e a exploração atlântica foi iniciada e prosseguida sob a égide e bandeira da Ordem de Cristo e em espírito de cruzada.

[246] Ao Rei de Portugal era concedido o padroado destas três sedes, bem como de todos os benefícios inerentes, já existentes ou a existir. Foi assim que, por exemplo, quando em 1575, Gregório XIII, pela bula Super specula militantis Ecclesiae, instituíu o Bispado de Macau, este foi declarado sufragâneo da metrópole goesa.

[247] CHAGAS, M. Pinheiro, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 183.

[248] Esta nova constituição provocou na Índia um geral desapontamento, como se confirma pela reclamação dos cristãos de Ceilão, que pretendiam continuar na jurisdição do Padroado e que, para isso, enviaram a Lisboa e a Roma um delegado. Em vão.

[249] AZEVEDO, Carlos A. Moreira – António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade. Lusitania Sacra, 2.ª Série, Tomo XVI. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2004, p 399.

[250] A Portugal faltava capacidade para administrar um tão vasto Padroado, mas punha-se a questão de saber se a Santa Sé tinha o direito de nomear Bispos para os territórios do Padroado, e de neles criar novas Dioceses, já que o Padroado dispunha de competência exclusiva nesta matéria. Este direito foi sempre realçado pelo «Regalismo», com acérrimos defensores em Portugal, os quais entendiam que a Propaganda Fide vinha evoluindo de modo pouco cordato.

Tendo nascido para resolver os problemas da missionação fora dos domínios das Coroas de Padroado, esta Congregação, ao longo do século xix, foi-se transformando num grande Dicastério das Igrejas não europeias e contou com o concurso importante de Ordens religiosas. Em muitos casos, estas Ordens, Congregação ou Institutos eram apoiados e suportados por potências políticas com interesses concorrentes com os interesses portugueses. Depois, nos fins do século xix e princípios do século xx, a Propaganda Fide apostou claramente na constituição de igrejas autóctones.

[251] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Roma, em 18 de Março de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1123.

[252] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Roma, em 14 de Abril de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1127.

[253] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Meliapor, em 16 de Junho de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1128.

[254] Cf. O Commercio de Barcellos, de 10 de Julho de 1898.

[255] Carta ao Núncio Apostólico, datada do Seminário de Rachol, em 20 de Julho de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, pp. 1131-33.

[256] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Meliapor, em 25 de Agosto de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, pp. 1134-35.

[257] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Kandy, em 7 de Dezembro de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1141.

[258] Carta ao Núncio Apostólico, datada de de Hashnabar, em 11 de Outubro de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1139.

[259] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Kandy, em 7 de Dezembro de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, p. 1142

[260] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Madras, em 22 de Dezembro de 1898. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, pp. 1144-45.

[261] TEIXEIRA, Padre Manuel – Macau e a sua diocese, vol. XIII, a Missão na China. Macau: Tipografia da Missão, 1977, pp. 393-94.

[262] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 74.

[263] Carta ao Núncio Apostólico, datada de Madras, em 07 de Março de 1899. Apud Portucalensis Causa Beatificationis et Canonizationis Servi Dei Domini Antonii Joseph de Sousa Barroso Episcopi. Porto, 1994, pp. 1147-48.

[264] Figura detestada pelo Núncio Apostólico, em Colombo. Dele escreveu que «de sacerdote católico tem apenas o nome».

[265] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 192.

[266] Ibidem, p. 11.

[267] Em 27 de Setembro de 1908, o Círculo Católico de Operários de Barcelos lançou o movimento das peregrinações anuais ao Santuário da Franqueira. A primeira grande peregrinação foi presidida pelo «bispo santo», D. António Barroso, que passou a ser um peregrino assíduo. Mais tarde, quando não dispunha já de força física para aguentar a caminhada, chegou a fazer a peregrinação anual num carro de bois. Cf. Diário do Minho, de 22 de Abril de 2005. No alto do Monte, e sob o olhar da Senhora, a sua alma de patriota orava para que as gerações novas de então se deixassem imbuir do espírito que animara os heróis de antanho.

[268] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 69.

[269]Apud GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 71.

[270] BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. LIII.

[271] Ibidem, p. XXXV.

[272] Cf. Boletim de D. António Barroso, II Série, n.º 174, Julho, 2008.

[273]FARINHA, Pe. António Lourenço – A Acção Missionária em Moçambique, In Portugal Missionário. Cucujães: Escola Tipográfica do Colégio das Missões, 1929, p. 90.

[274] REGO, A. da Silva – Lições de Missionologia. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1961, pp. 14-15.

[275] CORDEIRO, Luciano – Primeiro Relatório apresentado à Comissão de Missões do Ultramar, Imprensa Nacional: Lisboa, 1880, pp. 6-9. Apud BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. XLVIII.

[276] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 142.

[277] Ibidem, p. 143.

[278] Ibidem, p. 141.

[279] Foi na comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1889, que Padre Barroso, ao descrever as exigências da vida missionária e a fragilidade dos evangelizadores, como indivíduos, propôs uma alternativa, sugerindo a criação de uma Congregação ou um Instituto das missões portuguesas, como adiante mais desenvolvidamente se informará.

[280] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. XLIX.

[281] GUERREIRO, Cón. Alcântara – Quadros da História de Moçambique, Vol. II, Imprensa Nacional de Moçambique: Lourenço Marques, 1954, pp. 454-55.

[282] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 205.

[283] Cf. FARINHA, Pe. António Lourenço – A Acção Missionária em Moçambique, In Portugal Missionário. Cucujães: Escola Tipográfica do Colégio das Missões, 1929, p. 91.

[284] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa, na sessão de 7 de Março de 1889. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 9091.

[285] FARINHA, Pe. António Lourenço – A Expansão da Fé na África e no Brasil. Subsídios para a História Colonial, Vol. I, Lisboa, 1942, p. 357.

[286] FARINHA, Pe. António Lourenço – A Acção Missionária em Moçambique, In Portugal Missionário. Cucujães: Escola Tipográfica do Colégio das Missões, 1929, p. 90.

[287] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 162.

[288] BARROSO, António – Trabalhos em África. Missão Portuguesa do Congo (20-5-1886). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 45.

[289] Ibidem.

[290] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 205.

[291] Ibidem.

[292] Ibidem, p. 223.

[293] Ibidem.

[294] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 149.

[295] Ibidem.

[296] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 220.

[297] Ibidem. Ver também CUNHA, Amadeu, Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso, p. 85.

[298] Cf. REGO, A. da Silva – Lições de Missionologia. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1961, pp. 559-60.

[299] Ibidem, pp. 561-62.

[300] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 220.

[301] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 221.

[302] Ibidem, p. 222.

[303] É possível ainda que uma tão clara mudança de estratégia por parte de D. António tivesse também presente a experiência da Propaganda Fide nesta matéria. Criada para resolver os problemas da missionação fora dos domínios das Coroas de Padroado, no século xix transformou-se num grande Dicastério das Igrejas não europeias. Nos fins do século xix e princípios do século xx, apostou claramente na constituição de Igrejas autóctones. Associadas a estas Igrejas, surgiram, por vezes, pretensões de autonomia política. Ora, a actividade missionária necessitava do concurso do Estado, e este, ao mesmo tempo que garantia o apoio também rejeitava, naturalmente, quaisquer veleidades de autonomia.

[304] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 222.

[305] BARROSO, António – Trabalhos em África. Missão Portuguesa do Congo (20-5-1886). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 41.

[306] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 143.

[307] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p 70. Esta informação aparece também incluída no cap. XXI do seu extenso relatório sobre a colónia moçambicana.

A sua presunção levou-o até a criar uma Missão, obedecendo a uma determinada estratégia política: a Missão de Sto. António de Macassane, que, como era de esperar, pouco durou.

O relatório sobre Moçambique, apresentado ao Governo por António Enes, foi publicado pelo Ministério das Colónias, pela primeira vez, em 1893.

[308] Ofício do Governador de Angola ao Ministro do Ultramar (15-02-1884). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 440.

[309] Apud AZEVEDO, Carlos A. Moreira – António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade. Lusitania Sacra, 2.ª Série, Tomo XVI. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2004, p. 400.

[310] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 39.

[311] AZEVEDO, Carlos A. Moreira – António Barroso, Bispo de Meliapor (1897-1899): Construtor da Unidade. Lusitania Sacra, 2.ª Série, Tomo XVI. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2004, p. 399.

[312] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 29.

[313] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 145-46.

[314] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 229.

[315] Ofício de D. António Barroso ao Ministro do Ultramar (21-1-1896). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 593.

[316] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 41.

[317] Ibidem.

[318] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 147.

[319] Ofício de D. António Barroso ao Ministro do Ultramar (02-05-1893). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 553.

[320] Ofício de D. António Barroso ao Ministro do Ultramar (21-1-1896). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 593.

[321] Ofício, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 158.

[322] Ofício de D. António Barroso ao Ministro do Ultramar (21-1-1896). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 593.

[323] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 157.

[324] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 41.

[325] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 229.

[326] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 147.

[327] Ibidem, p. 146.

[328] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 227.

[329] Apud MENDES, Alves – D. António Barroso Bispo do Porto. Porto, Aloysio da Cunha Leite – Editor, 1899, p. 44.

[330] BARROSO, António – Discurso. In PINTO, António Ferreira – D. António Barroso, Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar, Porto: Tipografia Pôrto Médico, L.da, 1931, p. 146.

[331] A. C. – Carta da índia Inglesa. O Comércio do Porto, 8 de Março de 1889. Citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 36.

[332] CAMPINHO, José – D. António Barroso e o mundo do trabalho. Conferência proferida em Barcelos, no auditório da Câmara Municipal, em 8 de Novembro de 2008.

[333] Ibidem.

[334] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 102. Prossegue, escrevendo que, mal regressou ao Porto e retomou a normalidade das suas funções, D. António fez «convergir grande parte da sua acção para o desenvolvimento e progresso das obras catholico-sociaes».

[335] PINTO, António Ferreira – D. António Barroso, Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar. Porto: Tipografia Pôrto Médico, L.da,, 1931, p. 107.

[336] Dotada de amplas instalações, esta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), estende a sua acção a mais sete freguesias circunvizinhas de Remelhe, incluindo Góios, terra de diversos familiares de D. António Barroso, e onde este frequentou o ensino primário. Na génese da iniciativa, estiveram José Júlio de Brito Limpo Trigueiros, descendente de Bernardo Limpo da Fonseca, o fidalgo vizinho de D. António, que na infância o motivou para os estudos, e Maria de Lurdes Gomes de Araújo, primeira presidente do Centro Social de Remelhe.

[337] No tempo histórico em que actuou, o sistema de colonização visava converter o africano em português. Embora usando, naturalmente, a linguagem corrente no seu tempo, D. António manifestou sempre e em todas as circunstâncias, um grande respeito e simpatia pelos africanos.

[338] BARROSO, António – O Congo. Seu Passado, Presente e Futuro. Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 100-01.

[339] Ibidem, p. 129.

[340] BARROSO, António – Diário, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 143.

[341] Ibidem, pp. 121-22.

[342] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 66.

[343] BARROSO, António – Trabalhos em África. Missão Portuguesa do Congo (20-5-1886). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 40.

[344] BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 227.

[345] GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S. – D. António Barroso. Homem de Acção. Português de Lei. Pessoa de Bem. Minho: Fundação da Tertúlia de Afife, 1956, p. 21.

[346] CAMPINHO, José – D. António Barroso e o mundo do trabalho. Conferência proferida em Barcelos, no auditório da Câmara Municipal, em 8 de Novembro de 2008.

[347] GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S. – D. António Barroso. Homem de Acção. Português de Lei. Pessoa de Bem. Minho: Fundação da Tertúlia de Afife, 1956, p. 22.

[348] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 112.

[349] Ofício do Governador de Angola ao Ministro do Ultramar (14-11-1884). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 453-54.

[350] Ibidem, p. 29.

[351] Ofício de D. António Barroso ao Ministro do Ultramar (1-5-1893). In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, pp. 551-52.

[352]BARROSO, António – Padroado de Portugal em África. Relatório da Prelazia de Moçambique. In BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. 202.

[353] «Meu Exmo. Amigo – Os meus trabalhos e especialmente a guerra inhibem-me de ir a Moçambique, o que sinto, principalmente por me privar da sua companhia, que tanto tenho desejado. Dizem-me, porém, que V.Exa. tenciona vir aqui; se assim é, peço-lhe que apresse a realisação do seu projecto e venha passar alguns dias commigo n’esta pacata residencia da Ponta Vermelha». In BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, pp. 68-69.

[354] O tenente-coronel de Engenharia, Conselheiro Fernando de Sousa, e o redactor do Reporter, J. Petra Viana.

[355] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 213.

[356] A. C. – Carta da Índia Inglesa. O Comércio do Porto, 8 de Março de 1889. Citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 36.

[357] No funeral, foi conduzida, em salva de prata, pelo Cónego Gaspar de Freitas.

[358] No funeral, foi conduzida, em salva de prata, pelo Cónego Joaquim Pereira da Rocha.

[359] Transcrição de GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 53

[360] GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 51.

[361] Ibidem, p. 71.

[362] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 39.

[363] Ibidem, p. 42.

[364] Ofício de 1 de Fevereiro de 1893, citado por CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 158.

[365] D. António Barbosa Leão, colaborador de D. António, depois Bispo de Angola, e seu sucessor como Bispo do Porto. Depoimento datado de 29 de Maio de 1920, citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, pp. 64-66.

[366] D. Augusto de Castro Meireles, que também veio a ser titular da mitra portucalense, citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 68.

[367] Palavras do testamento de D. António José de Sousa Barroso, Bispo do Porto, lavrado a 19 de Fevereiro de 1917.

[368] A. C. – Carta da índia Inglesa. O Comércio do Porto, 8 de Março de 1889. Citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 36.

[369] Testemunho do Padre Américo, citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 75

[370] CUNHA, Amadeu – Jornadas e Outros Trabalhos do Missionário Barroso. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1938, p. 212. Aqui são narrados outros episódios interessantes sobre o espírito caritativo de D. António, que se foi tornando lendário.

[371] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p 117. Acrescenta o autor que D. António foi, por vezes, vítima de falsos necessitados. Supostos indigentes terão abusado da sua inesgotável caridade.

[372] Transcrição de BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p. 119.

[373] BRAZ, Sebastião de Oliveira – D. António José de Sousa Barroso – esboço da sua biographia. Porto: Livraria Portugueza Editora, 1921, p 109.

[374] MENDES, Alves – D. António Barroso Bispo do Porto. Porto: Aloysio da Cunha Leite – Editor, 1899, pp. 40-45.

[375] A. C. – Carta da índia Inglesa. O Comércio do Porto, 8 de Março de 1889. Citado por GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, p. 36.

[376] GOMES, J. Ferreira – Súmula biográfica de D. António Barroso. Cucujães: ed. do Autor, 2002, pp. 63-76.

[377] BRÁSIO, António – D. António Barroso, Missionário, Cientista, Missiólogo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1961, p. LIII.

[378] Cf. Carta da Rainha para o Bispo-Conde de Coimbra, do dia 29 de Janeiro de 1899, onde atesta que fez tudo para a nomeação do Bispo do Algarve para o Porto, conforme recomendação do Bispo de Coimbra. Mas venceu a opção do Barroso, «prelado muito digno» (Cf. Cartas da sua majestade a Rainha senhora D. Amélia a D. Manuel Bastos Pina, Bispo-Conde de Coimbra. Lisboa, 1948, p. 109.

[379] Cf. Carta do Núncio de 21 de Janeiro de 1899, citada por GOMES – Súmula, p. 38.

[380] Cf. Carta de 24 de Janeiro de 1899, citado por Ibid., pp. 39-40.

[381] Não se descortina como na Índia uma crónica do jornalista do O Comércio do Porto, datada de 23 de Janeiro, já desse a notícia. Como só fosse publicada a 14 de Fevereiro deveria ter havido alterações que desconhecemos.

[382] ASV, ANL, Div. V, Pos. III, f. 125; Proc. XV, 3437.

[383] Jornal Alliança. (2-8-1899).

[384] A procuração para a tomada de posse foi dada ao vigário capitular Dr. Manuel Luís Coelho da Silva.

[385] BRAZ – D. António, p. 78.

[386] Faziam parte do séquito: o secretário, o Vigário Geral de Meliapor, Mons. Couto, pároco de Quelimane, Mons. Afonso Pereira, Santos Barroso, F. Francisco Manuel Vaz, de Bragança, párocos da cidade do Porto: Campanhã, Foz, Cedofeita, Santo Ildefonso, Massarelos, coadjutor da Sé.

[387] Cf. longa citação, na biografia de BRAZ – D. António, pp. 78-90.

[388] Cf. Ibid., 88.

[389] PINTO, António Ferreira, cón. – D. António Barroso: Um Herói da Epopeia Portuguesa no Ultramar. Porto: Tip. Porto Médico, 1931, p. 52.

[390] BARROSO, António – Visita Pastoral [12-8-1900]. Porto: Typ. Catholica, 1900, p. 6.

[391] AGUIAR, Américo Monteiro de – O Gaiato. 11: 280 (20-11-1954).

[392] Cf. Carta de 4-10-1899, do ASV, Nunciatura de Lisboa, Rub. 250, citado por GOMES – Súmula, p. 22. O Presidente do Ministério era José Luciano de Castro e Ministro da Justiça o Dr. José Alpoim. Este respondeu ao embaixador que D. António já tinha a recompensa de uma diocese onde a côngrua era muito superior à anterior. Tinha passado de 4 para 14 contos. Além disso, havia outro candidato que era D. Manuel Baptista da Cunha, Arcebispo Primaz. O Núncio deu o recado para Roma e nenhum foi nomeado. A vontade do Embaixador e a sua pressão não surtiram efeito.

[393] Mesmo ainda antes de chegar ao Porto, na viagem para Portugal, teve conhecimento de um surto de peste bubónica e logo escreve para Roma, a pedir dispensa do jejum e da abstinência enquanto durasse o flagelo (cf. esta informação em Boletim de D. António Barroso. 24 (1994) 2.

[394] BARROSO, António – Carta Pastoral saudando e exhortando os seus diocesanos [27-07-1899]. Porto: Typ. Catholica, 1899, p. 7.

[395] Ibid., p. 9.

[396] Ibid., p. 10.

[397] Ibid., p. 11.

[398] Ibid., p. 12.

[399] ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal. 2 ed. Lisboa, 1970, vol. 3, p. 587. Proc. XVII, 3952-3958.

[400] Sobre o método e resultado das visitas pastorais pode ver-se a descrição da primeira, realizada em Amarante, entre 24 de Outubro e 17 de Novembro do ano de 1900, ver Boletim de D. António Barroso. 91 (2001) 1-4. Transcreve as notícias retiradas dos jornais. Para as visitas de Penafiel ver O Penafidelense de 27-09-1901.

[401] Ibid., p. 5.

[402] Ibid., p. 9.

[403] Cf. Ibid.

[404] Cf. Ibid., p. 10.

[405] Ibid., p. 12.

[406] BARROSO, António – Dinheiro de S. Pedro (Septima Pastoral) e Congregação da Doutrina Christã [20-1-1906 e 30-11-1906]. Porto: Typ. Real Officina de S. José, 1906, p. 5.

[407] Ibid., pp. 5-6.

[408] Ibid., pp. 6-7.

[409] Ibid., p. 8. Um ponto doutrinal a privilegiar na formação: a constituição da Igreja de Jesus Cristo e o primado de Pedro.

[410] ID. – Dinheiro de S. Pedro e Congregação da Doutrina Christã. Porto 1906, p. 10.

[411] Cf. Ibid.

[412] Ibid., p. 11.

[413] CABRAL, Conceição – Morto imortal. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 13.

[414] Ibid., p. 12.

[415] Ibid.

[416] BARROSO, António – Dinheiro de S. Pedro (Oitava Pastoral) e Provisão Disciplinar [21-11-1907]. Porto: Typ. Peninsular, [1907].

[417] Ibid., p. 9.

[418] Cf. ID. – Dinheiro de S. Pedro: 10.ª Pastoral [7-12-1908]. Porto: Typ. de José F. da Fonseca & Filho, 1908, p. 4.

[419] ID. – Quaresma de 1909: Instrucção parochial [22-02-1909]. Porto: Typ. de José F. da Fonseca & Filho, 1909, p. 6.

[420] Ibid., p. 13.

[421] Ibid., p. 10.

[422] Ibid., p. 12.

[423] Ibid., p. 14.

[424] Ibid., p. 16.

[425] ID. – Pastoral quaresmal de 1905, p. 10.

[426] DANTAS, Júlio – O Bispo do Porto D. António Barroso. O Tripeiro. (1926) 264. Proc. XVII, 3839.

[427] BRAZ – D. António, p. 112

[428] O Primeiro de Janeiro, 31-8-1918.

[429] BRAZ – D. António, p. 91

[430] PINTO – D. António, p. 58.

[431] Citado por PINTO – D. António, p. 60. Atravessou o Pátio da Universidade no meio de enorme ovação. Passou a Porta Férrea pisando as capas estendidas pelos estudantes até à Rua do Infante D. Augusto. D. António ainda entrou para o carro, mas perante a intensidade das saudações optou por descer a pé até casa do Doutor Martins e teve de aparecer à janela várias vezes para agradecer as provas de carinho dos estudantes. À noite, pelas onze horas, a Academia em peso foi despedir-se do bispo à estação. Este comoveu-se perante tão estrondosas manifestações.

[432] Proferida na Igreja de Santa Marta, perante o Bispo-Conde de Coimbra, D. Manuel Correia Bastos Pina e o Bispo de Meliapor D. Henrique José Reed da Silva.

[433] Cf. PINTO – D. António, p. 62.

[434] A Palavra. 25-11-1895. Apud PINTO – D. António Barroso, p. 60.

[435] Cf. Boletim de D.António Barroso. 29 (1995).

[436] LEÃO, António Barbosa – Carta-prefácio. In BRAZ – D. António, p. 12.

[437] Cf. PINTO – D. António, p. 64.

[438] BARROSO, António – Pastoral quaresmal de 1909, p. 20.

[439] Ibid., p. 21.

[440] Ibid., pp. 22-25.

[441] ID. – Pastoral [04-03-1916]. Boletim da Diocese do Porto. 2 (1915-1916) 285.

[442] Cf. ID. – Quaresma de 1901: Confissão e Bulla: Instrucção Pastoral [12-01-1901]. Porto: Typ. Catholica, 1901. 16 p.

[443] Ibid.

[444] ID. – Quaresma de 1906: Bulla da Santa Cruzada e Provisão disciplinar [20-1-1906]. Porto: Typ. de José F. da Fonseca & Filho, 1906, pp. 16-17.

[445] ID. – Quaresma de 1908: O Matrimonio Catholico: Instrução Pastoral [28-2-1908]. Porto: Typ. Peninsular, [1908], pp. 25-28.

[446] Cf. Ibid., p. 21.

[447] Ibid., 30-11-1906, p. 11.

[448] Cf. Ibid., p. 20.

[449] Texto fornecido pelo Vice-Postulador Dr. Ferreira Gomes.

[450] 15-10-1899; 30-9-1900; 11-11-1901; 12-9-1902; 17-12-1903; 31-8-1904; 20-10-1905; 30-11-1906; 21-10-1907; 7-12-1908; 18-1-1910; 18-1-1911.

[451] ID. – Dinheiro de S. Pedro [15-10-1899]. Porto: Typ. Catholica, 1899, p. 7.

[452] Ibid.

[453] 1899 – 1.831.195; 1900 – 1.781.530; 1901 – 1.791.180; 1902 – 1. 699. 235; 1903 – 1. 651. 825; 1904 – 1. 503. 560; 1905 – 1. 542. 575; 1906 – 1. 762. 590; 1907 – 1. 477. 850; 1908/09 – 1. 915. 660; 1910 – 1. 378. 490.

[454] BARROSO, António – Dinheiro de S. Pedro [30-9-1900]. Porto: Typ. Catholica, 1900, p. 4.

[455] Ibid., pp. 7-10.

[456] Ibid., p. 7.

[457] Ibid., pp. 6-7.

[458] IGREJA CATÓLICA, Papa (Bento XV) – Carta [30-06-1916]. Boletim da Diocese do Porto. 2 (1915-1916) 475-476.

[459] Cf. BARROSO, António – Pastoral sobre o Ano Santo. Já tinha publicado duas provisões: Ao Ill.mo e Rev.mo Cabido, Reverendos… [18-12-1899]. Porto: Typ. Catholica, 1899. 1 fl. in. Provisão [1-1-1900]. Porto: Typ. Catholica, 1900. 1 fl. in.

[460] ID. – Pastoral sobre o Ano Santo, p. 9.

[461] ID. – Dinheiro de S. Pedro (Quinta Pastoral) e Immaculada Conceição (Jubileu da Definição do Dogma) [17-12-1903]. Porto: Typ. Catholica, 1904.

[462] Cf. Boletim de D. António Barroso. 123 (2003) 2.

[463] Exortação de 4 de Julho de 1916. Supl. ao n. 23 do Boletim da Diocese do Porto. 2 (1915-1916) 5 de Julho de 1916, pp. 1-2. BARROSO, António – Circular [18-01-1917]. Boletim da Diocese do Porto. 3 (1916-1917) 257-261.

[464] Ibid., pp. 258-59.

[465] SILVA, Manuel Ferreira da, Bispo Tit. de Gurza – D. António Barroso. In UM HERÓI da epopeia, p. 9.

[466] Cf. Boletim da Diocese do Porto. 3 (1916-1917) 217-229.

[467] SAMPAIO, Miguel Estêvão de Faria – Proc. III, 440-445.

[468] Cf. SOUSA, Pinheiro de – Missionário no Porto. In UM HERÓI da epopeia, pp. 31-32.

[469] Cf. BARROSO, António – Provisão. A Palavra. 19-11-1899, p. 1.

[470] Cf. PINTO – D. António, pp. 145-57.

[471] PINTO, A. F. – D. António. Boletim da Diocese do Porto. 5 (1918-1919) 21-35.

[472] Cf. PINTO – D. António, p. 87.

[473] PINTO — D. António, p. 91. Das 17 ordenações em Remelhe resultaram: tonsura e menores 55; subdiáconos 52, diáconos 65 e presbíteros 63. Acompanhava os seminaristas o Mestre de Cerimónias Mons. Joaquim Lopes, falecido em 1919, o companheiro mais dedicado do Sr. D. António Barroso, segundo Ferreira Pinto (PINTO, António Ferreira – Para a história duma pequenina Catedral. In UM HERÓI da epopeia, p. 18

[474] Ibid., p. 30.

[475] Cf. Boletim da Diocese do Porto. 1 (1914-1915) 1.

[476] Através das provisões de 14 de Dezembro de 1914 e 8 de Maio de 1918.

[477] Provisão de 21 de Novembro de 1907, repetida a 6 de Dezembro de 1916. Boletim da Diocese do Porto. 3 (1916-1917) 185-186.

[478] BARROSO, António – A arte em Portugal. Boletim da Diocese do Porto. 3 (1916-1917) 215-216.

[479] ID. – Dinheiro de S. Pedro (Quarta Pastoral) e Rosario. Porto: Typ. Real Officina de São José, 1902. 43 p.

[480] Ibid., p. 9.

[481] ID. – Pastoral sobre o Anno Santo e Provisão acerca da Tuberculose [6-2-1900]. Porto: Typ. Catholica, 1900, p. 30.

[482] ID. – Pastoral da Quaresma de 1910: Bulla e Dinheiro de S. Pedro de 1909 [10-2-1910 e 12-2-1910]. Porto: Typ. Real Officina de São José, 1910, p. 3.

[483] Ibib.

[484] Ibid.

[485] ID. – Pastoral da Quaresma de 1910, p. 5.

[486] Cf. Ibid., p. 6.

[487] Cf. Ibid. Descreve nesta pastoral a natureza da Igreja.

[488] Cf. mais informações: Boletim de D. António Barroso. 79 (1999) 1-2.

[489] Cf. ID. – Em favor da Lituânia. Boletim da Diocese do Porto. 3 (1916-1917) 397-398; 458-460; 476; 500.

[490] Boletim da Diocese do Porto. 4 (1917-1918) 258: ainda sobre este tema das condições sanitárias escreve outra Circular: BDP. 4 (1917-1918) 348-349.

[491] ID. – Instrução Pastoral [25-4-1918]. Boletim da Diocese do Porto. 4 (1917-1918) 331.

[492] Ibid.

[493] Ibid., p. 330.

[494] Ibid., p. 332.

[495] Ibid., p. 333.

[496] Ibid., p. 334.

[497] Ibid., p. 335.

[498] Ibid., pp. 336-37.

[499] Ibid., p. 337.

[500] BARROSO, António – Oração congratulatória da vitória…, apud CUNHA – Jornadas, p. 200.

[501] BARROSO, António – Carta-prefácio. In BRAGA, Luís de Almeida – O culto da Tradição. Conferência realizada na Associação católica do Porto na noite de 26 de Março de 1916. Coimbra, 1916.

[502] Cf. Boletim de D .António Barroso. 5 (199 ) 1.

[503] MEIRELES, António Castro – Prefácio. In PINTO – D. António, p. n.n.

[504] FONSECA, Teotónio – O Concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado. vol. 2. Barcelos, 1948, pp. 315-24.

[505] GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S. – D. António Barroso. Afife: Fundação da Tertúlia de Afife, 1956, p. 12.

[506] Ibid., p. 13.

[507] BRÁSIO – D. António, p. LIII.

[508] Viria a ser um notável médico no domínio da nutrição vegetariana.

[509] Cf. Boletim D. António Barroso. 106 (2002) 3.

[510] Cf. GOMES – Súmula, p. 23. Texto da carta em Boletim D. António Barroso. 108 (2002) 2.

[511] Cf. COELHO, Francisco José Senra – D. Augusto Eduardo Nunes e os padres pensionistas. Igreja Eborense. 16 (1993) 227. Cf. também sobre a questão da pastoral Colectiva e sobre o protesto colectivo IDEM – D. Augusto Eduardo Nunes e os documentos do Episcopado português. Eborensia. 16 (2003) 97-120.

[512] Cf. MACEDO, José Adílio de – D. António Barroso, Afonso Costa e a Pastoral Colectiva. Lusitania Sacra. 6 (1994) 340.

[513] Citado por PINTO, António Ferreira – D. António José de Sousa Barroso. Porto 1919. Sep. Boletim da Diocese do Porto, pp. 22-25.

[514] Decreto de destituição de D. António Barroso datado de 7 de Março, publicado em Diário do Governo n. 55, de 9 de Março de 1911, p. 1000

[515] Ibidem.

[516] Cf. Excertos do discurso em GOMES – Súmula, pp. 53-54.

[517] Citado por Boletim de D. António Barroso. 13 (1993) 4.

[518] Há uma carta de Afonso Costa, com data de 8 de Março e hora, 3 horas da manhã, onde informa o Bispo de que foi informado pelas autoridades policiais de que havia perigo para a sua segurança se continuasse em Lisboa e que resolveu facilitar a ida para o Colégio das missões, «onde poderá estar tranquillamente os dias que quizer, sendo-lhe lá notificada a resolução do Governo acerca do caso da pastoral collectiva. O seu amigo pode acompanhá-lo. Saude e fraternidade». Conforme fotocópia cedida pelo Vice-postulador.

[519] Trata-se dos seguintes: P. Manuel Soares de Albergaria, pároco de Silvalde; Urbano Augusto Rodrigues Valente, abade de Argoncilhe; Agostinho Moreira da Costa, Abade de Vila Maior; António Alves Ribeiro, pároco de São João de Ver; Manuel Estêvão Ferreira, pároco de Anta.

[520] Diário do Governo, n. 91, 20 de Abril 1911, pp. 1607-08.

[521] Arquivo de José Barroso de Castelo-Grande, Remelhe. Boletim de D. António Barroso. 74 (1999) 1-2. Proc. XVI, 3554-58.

[522] BASTO, Artur Magalhães – Um apóstolo nos tribunais. O Tripeiro. 2 (1946) 50.

[523] COSTA, Afonso – Discursos parlamentares: 1911-1914. Compilação, prefácio e notas de A. H. de Oliveira Marques. Lisboa: Bertrand, 1976, vol. 1, pp. 23 ss.

[524] Escreve ao Núncio Apostólico a 1 de Maio, ainda de Cernache, e a 27 de Maio escreve outra já da Covilhã (ASV, NAL, 398 (3) fl.266-267).

[525] Carta transcrita por Boletim de D. António Barroso. 28 (1995) 6.

[526] Carta transcrita por Ibid.

[527] Cf. cartas para o Encarregado de Negócios da Santa Sé, onde revela acompanhar o que se está a psssar com os colegas e querer assumir com eles qualquer pena. Cartas de 1 e 27 de Maio transcritas em parte em Boletim de D. António Barroso. 126 (2004) 4.

[528] Há uma carta para o Núncio datada de 18 de Junho, escrita em Remelhe. Ver Ibid.

[529] Sobre as contas ver Boletim de D. António Barroso. 17 (1994) 6-7

[530] Esta capela foi antigamente igreja paroquial da extinta freguesia de Moldes e mostra pia baptismal, talvez quinhentista. No altar-mor vê-se uma imagem de Nossa Senhora dos Anjos e de São Boaventura.

[531] PINTO – D. António, p. 98. Durante todo o episcopado de D. António, à frente da Diocese do Porto, foram ordenados 415 presbíteros.

[532] FREIRE, Donaciano de Abreu – Recordando… In UM HERÓI da epopeia, p. 11.

[533] Informações recolhidas por Boletim de D. António Barroso. 28 (1995) 6-7.

[534] Traduzida do inglês e publicada no Boletim de D. António Barroso. 73 (1999) 3.

[535] Um pouco antes de um ano da sua morte, esteve presente no acto de criação do sindicato, em Barcelos, e usou da palavra, deixando admirados os ouvintes pelos conhecimentos técnicos demonstrados (cf. BRAZ – D. António, p. 112).

[536] Na véspera de ir a tribunal escreve ao Núncio ( 11-6-1913) mostrando a razão da sua atitude. Pretendia com a sua ida, sem recorrer do despacho de pronúncia, mostrar aos padres que não se deve temer a justiça quando se procede de recta consciência. É mais um exemplo de civismo e abnegação (Cf. GOMES – Súmula, p. 55).

[537] A criança era por isso neta do Eng. José Joaquim Guimarães Pestana Silva, chefe dos legitimistas no Norte. Foi ele que pediu a D. Sebastião Leite de Vasconcelos, perseguido bispo de Beja, refugiado em Roma, para ser o padrinho. Este tomou a iniciativa de pedir ao Papa, que delegou a sua representação em D. António Barroso.

[538] LEÃO, A.B. – Carta-prefácio. In BRAZ – D. António, p. 13. Ver descrição minuciosa em BASTO, Artur Magalhães – Um apostolo nos tribunais. O Tripeiro. 2 (1946) 49-52: Proc. XX, 4506-4509.

[539] Carta transcrita por Boletim de D. António Barroso. 28 (1995) 8.

[540] BRAZ – D. António, p. 104.

[541] Ibid., p. 102.

[542] Cf. PINTO – D. António, p. 78.

[543] O Governo criticou publicamente o representante do Ministério Público, Dr. António Maria Pinheiro Torres (Despacho de 27-6-1913) (cf. GOMES – Súmula, p. 24).

[544] A Nação. 1913, apud Boletim D. António Barroso. 110 (2002) 3.

[545] Documento publicado em Boletim de D. António Barroso. 21 (1994) 8.

[546] BARROSO, António – Lusitânia. 1914. Cit. por Boletim de D. António Barroso. 117 (2003) 2-3.

[547] A descrição pormenorizada da decoração é feita pelo correspondente do Diário de Notícias, de 3 de Abril de 1914.

[548] Cf. PINTO – D. António, p. 79.

[549] O rei D. Manuel II ofereceu ao Bispo o seu Palácio das Carrancas, onde actualmente se encontra o Museu Nacional Soares dos Reis, conforme carta de 5-3-1914 (Cf. GUIMARÃES- D. António, p. 19). Uma Comissão de senhoras tinham encontrado na Quinta de Sacais, na Rua do Heroísmo, uma casa que sofreu algumas adaptações para residência do Prelado e instalações dos serviços da diocese. O palacete, na Rua António Granjo, 219, já existia no século XVIII, como descreve Rebelo da Costa (Descrição topográfica e histórica da Cidade do Porto. Porto 1788), e era propriedade de um Cavaleiro da Ordem de Cristo, Nicolau Francisco Guimarães. Em 1914 era propriedade dos banqueiros António Nunes Borges e Francisco António Borges. Seria vendida em 1919 e passaria por diversas donos. (Cf. Boletim de D. António Barroso. 40 (1996) 1-2)

[550] Ver mais detalhes em Boletim de D. António Barroso. 28 (1995) 4.

[551] Cf. A Ordem. 11-4-1914.

[552] BARROSO, António – Carta ao Núncio, 15 – 5- 1914: ASV, NAL, rubrica 250 (3) fl.185-187, transcrita por Boletim de D. António Barroso. 28 (1995) 6.

[553] Cf. BARROSO, António – Carta-prefácio. In FERREIRA, J.A. – Manual de história das religiões. Braga: Livr. Cruz, 1914.

[554] ASV, ANL, fl.383-383v.

[555] Cf. BARROSO, António – Carta a Luís de Almeida Braga. Boletim de D. António Barroso. 38 (1996) 3.

[556] O Cónego António Joaquim Pereira narra ao pormenor a celebração na Sé, em carta para o Núncio (cf. ASV, ANL, Rubrica 250, N fl.298-300). Esteve presente o Bispo do Algarve. No dia seguinte foi a vez da Associação Católica

[557] Publicada em Boletim de D. António Barroso. 105 (2002) 3-4.

[558] Ver Boletim de D. António Barroso. 31 (1995) 1, onde se transcreve a carta.

[559] Cf. Arquivo Distrital do Porto, Administração do Bairro Oriental do Porto, Livro 163, do Registo de Testamentos, fl. 24 v. e ss. Transcrito em Boletim de D. António Barroso. 31 (1995) 2.

[560] Cf. Boletim de D. António Barroso. 29 (1995) 4. Publica o texto do A Manhã. de 3-8-1917, p. 1.

[561] António Barroso escreveu uma carta ao Presidente da República a explicar a situação (Ver GOMES – Súmula, pp. 56-57). Moreira das Neves conta que no verão de 1907, Bernardino Machado e o contra-almirante Júlio Pereira de Sampaio jogavam o voltarete, em Vidago, num intervalo de cura de águas, quando entrou na sala D. António Barroso e como se levantaram para lhe beijar a mão, em sinal de reconhecimento ao grande missionário.

[562] Era esta agora a residência, uma vez que em 1916 lhe tinha sido tirado o Paço para ser destinado à Câmara do Porto.

[563] Nessa mesma data, escreve ao Encarregado de Negócios da Santa Sé e envia cópia da carta enviada ao Presidente da República (cf. Boletim de D. António Barroso. 30 (1995) 1).

[564] BRAZ – D. António, pp. 114-15.

[565] Ibid., p. 116.

[566] ASV, NAL, VI 2-N 1549, fl.140-142.

[567] O Decreto revogatório n. 3.687 tem a data de 22 de Dezembro. António Barroso teve por isso conhecimento prévio do seu teor. Aliás nos dias do golpe de estado de Sidónio o Bispo ausentou-se de Coimbra e hospedou-se num Hotel da Avenida da Liberdade em Lisboa (cf. Boletim de D. António Barroso.106 (2002) 2. Desconhecem-se os meios de informação que conseguiu.

[568] Carta-prefácio. In BRAZ – D. António, p. 12.

[569] BARROSO, António – Entrevista a A Voz Pública. 21-3-1918.

[570] MACHADO, J. de Faria – Vida intensa: D. António Barroso. Ilustração Catholica 6: 262 (6-7-1918) 163. Publicado com data anterior porque se refere já à sua morte. O nome completo deste autor é José de Faria Machado Pinto Borges Pacheco da Costa e Freitas (1883-19??), Co-fundador da Liga Monárquica e por isso exilado e preso por motivos políticos, diplomata, escritor e jornalista.

[571] Todos os dias o médico, Dr. Gomes da Costa, ia limpar-lhe a boca deixando o bispo extenuado pelos vómitos.

[572] Cf. MACEDO, José Adílio – D. António Barroso morreu há 85 anos. Voz Portucalense, 3 de Setembro de 2003., p. 1.

[573] D. António Barbosa Leão declara: «Quanto mais se agravavam os seus padecimentos, mais se sublimavam as suas virtudes. Não se lhe ouvia uma queixa. ‘Seja feita a vontade de Deus’ era a sua jaculatória predilecta» (Carta-prefácio. In BRAZ – D. António, p. 12).

[574] SILVA, José Alves Correia da – O último olhar do Snr D. António Barroso. In UM HERÓI da epopeia, p. 7. Proc. XVII, 3839.

[575] Sobre os funerais ver a descrição da Ilustração Católica. 6: 270 (1918).

[576] A descrição de personalidades e instituições presentes nos funerais é referida por BRAZ – D. António, pp. 129-40.

[577] Vitralista da Rua da Escola Politécica, 227 – Lisboa. Faleceu em 1971.Herdou o gosto por esta arte da família e entrou para a Oficina do seu primo Claúdio Martins Azambuja, em 1911 Mais tarde, por 1920, viria a assumir o seu nome «Oficina Ricardo Leone». Atingiu o período áureo pelos anos 30 e 40. Os vitrais seriam limpos e restaurados passados sessenta anos pelo Professor Carlos Seixas.

[578] Cf. PINTO, Francisco Correia – Orações Fúnebres. Porto, 1956, pp. 335-57. Também publicada por PINTO – D. António, pp. 179-98.

[579] DANTAS, Júlio – O Bispo do Porto D. António Barroso. O Tripeiro. (1926) 264. Proc. XVII, 3839.

[580] Acta de reunião da Câmara Municipal do Porto de 5 de Setembro de 1918, transcrita em Boletim D. António Barroso. 111 (2002) 1.

[581] Album dos Vencidos, pp. 203-04. Boletim de D. António Barroso. 40 (1996) 3.

[582] Outras poesias são dadas a conhecer, como a de Maximiano Ricca ou de Moreira das Neves (cf. Boletim de D. António Barroso. 32 (1995) 5.

[583] Carta prefácio. In BRAZ – D. António, p. 9.

[584] BASTO, Artur MagalhãesUm Apóstolo nos tribunais. O Tripeiro. 2 (1946) 52; Proc. XX, 4506-09

[585] OLIVEIRA, Miguel – António Barroso. In OS GRANDES portugueses, 465-471.

[586] AFONSO, Manuel Castro – Proc. II, 241.

[587] REBIMBAS, Júlio Tavares – Discurso na sessão de encerramento do processo de D. António Barroso. Boletim de D. António Barroso. 24 (1994) 10-11.

[588] BRAZ – D. António, p. 117.

[589] Ibid., p. 119.

[590] BARROSO, António – Entrevista a A Voz Pública (21-3-1918).

[591] Acta de reunião da Câmara Municipal do Porto de 5 de Setembro de 1918, transcrita em Boletim D. António Barroso. 111 (2002) 1.

[592] Carta-prefácio. In BRAZ – D. António, p. 10.

[593] Ibid.

[594] DANTAS, Júlio – O Bispo do Porto D. António Barroso. O Tripeiro. (1926) 264; ID. – Espadas e rosas: pequenos contos e divagações literárias. 5 ed. Lisboa: Portugal-Brasil, 1923.

[595] Cf. PINTO – D. António, p. 53.

[596] NUNES, Augusto Eduardo – O Povo arouquense. Apud Boletim de D. António Barroso. 29 (1995) 2

[597] SANTOS, Manuel Mendes da Conceição – A Ordem. 8-7-1916, p. 1.

[598] Proc. XVIII, 4178.

[599] Proc. XVIII, 4182.

[600] BRAZ – D. António, pp. 120-21.

[601] Ibid., p. 117.

[602] Boletim de D. António Barroso. 1 (1992) 4.

[603] PINTO, A. Ferreira – D. António José de Sousa Barroso. Boletim da Diocese do Porto. 5 (1918-1919) 21-35. Proc. XVII, 3780-3794.

[604] SEABRA, Teófilo Salomão Vieira de – Provisão [ 4 – 9 – 1918]. Boletim da Diocese do Porto. 5 (1919-1919) 41.

[605] Proc. XVII, 3795-3797.

[606] PINTO – D. António, pp. 182-83.

[607] Ibidem, p. 194.

[608] Prefácio. In PINTO – D. António, p. n.n.

[609] MEIRELES, António Augusto Castro – D. António Barroso. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 5. Também com o título: In Memoriam. Por ocasião do Congresso Missionário de Barcelos e inauguração do Monumento ao Snr D. António José de Sousa Barroso. Homenagem dos alunos do Seminário de N.ª S.ª da Conceição do Porto.

[610] SILVA, A. Bernardo da – A bondade do Snr. D. António Barroso. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 6.

[611] Cf. PINTO – D. António, p. 55.

[612] Cf. Ibid.

[613] Cf. CUNHA – Jornadas, p. 212.

[614] CABRAL, Conceição – Morto imortal. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 12

[615] PINTO, Francisco Correia – Diga-se tudo. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 20.

[616] PINTO – D. António, p. 56.

[617] BRANDÃO, Raúl – Memórias. Vol. 2, Paris; Lisboa: Livr. Aillaud et Bertrand, 1925, p. 113. Faz observações sobre as insinuações de que Barroso teria um carácter fraco, deixando-se conduzir pela bondade e dizendo a todos que sim e conclui pelo agrado de o sentir mais próximo do coração.

[618] BRANDÃO, Júlio – O Primeiro de Janeiro (27-11-1938).

[619] SENRA, Ana Joaquina – Diário do Norte. 23-07-1951; Proc. XVII, 3946-3951.

[620] GOMES, António Ferreira – Testemunho-elogio fúnebre de D. António Barroso (5-11-1954). A Voz do Pastor. 13-09-1954, pp. 3-4. Proc. XVI, 3639-49.

[621] Ibid.

[622] AGUIAR, Américo Monteiro de – O Gaiato. 11, n. 280 (20-11-1954) 1.

[623] CUNHA, Jorge Teixeira da – D. António Barroso. Boletim de D. António Barroso. 66 (1998) 3.

[624] COELHO, Armindo Lopes – Alocução 2-8-1999. Boletim de D. António Barroso. 76 (1999) 5.

[625] BARROSO, António – Carta Pastoral saudando e exhortando os seus diocesanos [27-7-1899]. Porto: Typ. Catholica, 1899.

[626] SOUSA, Manuel José de – Ecce sacerdos magnus. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 8.

[627] O Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim. Traços monográficos. Lisboa 1905, p. 105: Proc. II, 269-270

[628] BELO, António Mendes – O Povo Arouquense. 130 (1-7-1916) 4; Proc. XVIII, 4160.

[629] Proc. XVIII, 4161.

[630] PINTO, A. F. – D. António José de Sousa Barroso. Boletim da Diocese do Porto. 5 (1918-1919) 21-35.

[631] Proc. XVIII, 4168.

[632] MEIRELES, António Augusto Castro – D. António Barroso. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 5.

[633] ROSEIRA, Mário Arnaldo da Fonseca – De antes quebrar que torcer. Boletim de D. António Barroso. 61 (1998) 2.

[634] GOMES – Testemunho-elogio, pp. 3-4.

[635] FERREIRA, Armando Gomes – O Tripeiro. 10 (1954) 196.

[636] TORRES, Alberto Pinheiro – O Comércio do Porto, 11 de Setembro de 1954, 1

[637] AGUIAR, Américo Monteiro de – O Gaiato. 11, n. 280 (20-11-1954).

[638] BRÁSIO, António – A Voz. 22-12-1968. Apud Boletim D. António Barroso. 112 (2002) 1.

[639] NEVES, Moreira das – De como D. António Barroso há 84 anos via problemas de Moçambique. A Ordem. e no O Barcelense. 18-6-1977.

[640] SOUSA, Gabriel de – Apontamentos para uma biografia. Lisboa, 1996, p. 15. (dactiloscrito)

[641] Ainda no 4.º ano de teologia, em 1931, Miguel Sampaio tinha escrito um texto elogioso do Bispo Barroso (Por Deus e pela Pátria. In UM HERÓI da epopeia portuguesa, p. 5). Aí, já testemunhava o seu entusiasmo: «não lhe sofria a alma de gigante o contraste observado entre a fé que ilumina a sociedade em que viveram os nossos santos heróis de antanho, e a vida letárgica de um povo entorpecido a modorrado no erro, como era aquele em cujo seio vivia. Foi desta arte que, com a mão trémulas sobre o coração quase gelado da sua geração, ele traçou o caminho a seguir».

[642] SAMPAIO, Miguel – Proc. III, 440-445.

[643] SANTOS, Cândido A. Dias dos – Depoimento de 22 de Março de 1994. Boletim de D. António Barroso. 114 (2003) 6.

[644] Boletim de D. António Barroso. 7 (1993) 4.

[645] Boletim de D. António Barroso. 9 (1993) 3.

[646] REBIMBAS, Júlio Tavares – Discurso na sessão de encerramento do processo de D. António Barroso. Boletim de D. António Barroso. 24 (1994) 10-11.

[647] CUNHA, Jorge Teixeira da – D. António Barroso. Boletim de D. António Barroso. 66 (1998) 2. 3.

[648] COELHO, Armindo Lopes – Homilia 2-8-1999. Boletim de D. António Barroso. 76 (1999) 2.

[649] Ibid. 4.