Por Victor Pinho, investigador
“Em toda a minha vida nunca fugi ao cumprimento dos deveres de cidadão português, de padre ou de Bispo.
Recebendo o castigo que me foi imposto, protestarei contra a ilegalidade do mesmo, e darei graças a Deus por mais uma vez me julgar digno de alguma coisa sofrer, por ter cumprido tanto quanto possível com os meus deveres.
De resto, qualquer perseguição à Igreja, ou aos seus ministros, redunda sempre em benefício da mesma e em desprestígio das instituições que a fazem.” – escreveu D. António Barroso, em 1917, a propósito do seu segundo exílio.
A “questão religiosa” da Primeira República trouxe graves problemas a D. António Barroso, tendo sido exilado em 1911, levado a tribunal em 1913, e sofrido um segundo exílio em 1917.
O governo provisório da República publicou uma série de decretos hostis à Igreja. Protestaram os bispos numa Pastoral Colectiva, datada de 24 de Dezembro de 1910, mas só distribuída e explicada aos fiéis católicos, em 26 de Fevereiro do ano seguinte. Expunha a doutrina sobre o problema religioso em Portugal. A sua leitura foi suspensa por ordem do governo, mas, na diocese do Porto, D. António Barroso recebeu com serenidade o telegrama da suspensão e ordenou aos párocos que continuassem a lê-la.
No dia 7 de Março de 1911, o ministro da justiça, Afonso Costa chamou-o a Lisboa, sendo esperado na estação ferroviária de Campolide pelo seu chefe de repartição Germano Martins. Depois é conduzido de automóvel pelo centro da cidade e pela rua do Ouro, sendo apedrejado e insultado por alguns populares, a maior parte dos quais carbonários e hostis ao catolicismo, descendo até ao Terreiro do Paço e à casa do ministro (foto).
Aí foi constituído um simulacro de tribunal a que ele mesmo presidiu, estando presentes o Procurador-Geral da República, que o interrogou até altas horas da noite, e dois ajudantes e Manuel de Arriaga e António Macieira.
No dia seguinte, 8 de Março de 1911, depois de passar a noite no quartel-general, era enviado para o Colégio das Missões, em Cernache do Bonjardim, sob a custódia de um alferes. Aí viveria o primeiro mês do penoso exílio.
O decreto-lei, entretanto publicado, em 9 de Março, destituía-o das suas funções de Bispo do Porto e declarava vaga a sua diocese, “como se a vacância do bispado resultasse de falecimento”. Como reconhecimento dos seus serviços no ultramar e às suas virtudes pessoais, era-lhe concedida a pensão vitalícia anual de 1.200$000 réis, paga em prestações mensais pelo Ministério das Colónias. Nunca quis receber esta pensão, apesar de lutar contra a falta de recursos.
Cerca de um mês depois, em Abril de 1911, foi obrigado a deixar o Colégio de Cernache do Bonjardim, devido a uma sublevação nesse colégio, ficando na casa de um médico amigo, Dr. Gualdim António de Queirós de Melo.
Em Junho daquele ano, na companhia do seu secretário, o padre Sebastião de Oliveira Braz, parte para a sua casa, em Remelhe, onde chega no dia 10, e permaneceu até 1914.
Segundo Carlos A. Moreira Azevedo (“Réu da República: O Missionário António Barroso Bispo do Porto, 2009) “viveu em Remelhe, na simplicidade, como anacoreta, aproveitando o tempo, orientando a diocese à distância e recebendo muitas visitas que admiravam as suas virtudes.” Exerceu sobre os remelhenses um papel curioso: “combatia a rotina das suas culturas agrícolas e fomentava o espírito associativo”, tendo tomado parte activa na fundação do Sindicato Agrícola de Barcelos, com uma caixa de crédito para os associados.
Levantava-se cedo, lia e trabalhava. Aproveitava para dar pequenos passeios, apoiado num cajado e falando com os seus conterrâneos. Celebrava missa em sua casa, em capela improvisada, e por vezes na Capela da Casa de Santiago de Moldes. Em Remelhe ordenou vários presbíteros: 23 (1911), 20 (1912) e 20 (1913).
Mantinha relacionamento com pessoas amigas. Comia, frequentemente, na casa da Torre, propriedade do major José Simões da Silva Trigueiros, militar reformado de grande cultura. Foi várias vezes à casa de praia, na Apúlia, de Eduardo António da Fonseca, maestro portuense que comporia o hino a D. António Barroso que homenageou o bispo quando regressou à diocese em 1914. Também, em Viana do Castelo, era recebido na casa do Dr. Alberto de Magalhães Cerqueira de Queirós.
Dois anos mais tarde, em 1913, no dia 24 de Março, D. António Barroso representou o Papa Pio X, a solicitação deste, como padrinho, no baptizado de um filho do seu amigo, Dr. Sebastião dos Santos Pereira de Vasconcelos que se realizou na Casa São Tiago, em Custóias – Matosinhos, na Diocese do Porto. Ora, o Bispo não podia voltar a qualquer ponto do território da sua Diocese. Por isso, foi intimado a comparecer a julgamento, no Tribunal de S. João Novo, daquela cidade, no dia 12 de Junho, mas foi absolvido, o que teve grande repercussão na imprensa nacional e local.
No dia 22 de Junho, várias agremiações católicas, organizaram uma homenagem, em Remelhe, tendo sido pequena a sala de recepção da sua residência para receber os visitantes. A todos D. António Barroso agradeceu e testemunhou que estava disposto a ir aos tribunais, quantas vezes fosse necessário para defender a verdade.
Seguiram-se viagens pela França, Bélgica, Holanda e Vale do Reno para estudar e conhecer instituições e obras sociais católicas.
REGRESSO À DIOCESE
Depois de três anos de exílio, no dia 19 de Fevereiro de 1914, a Câmara dos Deputados decidiu que D. António Barroso podia voltar a residir na sua diocese e a praticar actos de culto. A fim de evitar manifestações, entrou na cidade, ao cair da noite, em 3 de Abril, vindo de automóvel de Remelhe. No dia seguinte, realizou-se um Te Deum de acção de graças, na Catedral. Muitos choravam de alegria ao ver e ouvir a voz do bispo que amavam (foto). Ao palacete de Sacais, onde passou a residir, afluíram, durante alguns dias, centenas de pessoas.
No dia 30 de Setembro daquele ano, D. António Barroso veio à Quinta da Castanheira, em Barcelos (actual Casa de Saúde de S. João de Deus) para presidir ao casamento de Antónia de Meneses Verney de Castro Casado Gerades Cardoso da Silva, filha do Visconde de Godim, com Simeão Luís Maria de Noronha Porto.
Em inícios de 1916, esteve gravemente doente, e veio para Remelhe nos princípios do mês de Fevereiro, para convalescer.
O jubileu episcopal, em 5 de Julho, ocasionou diversas homenagens, recebendo do Papa Bento XV uma carta onde refere a prova de estima. Continua a aconselhar a Santa Sé em matéria de assuntos africanos,
Em finais de Novembro de 1916, o seu estado de saúde agrava-se. Quer o Presidente da Câmara Municipal de Barcelos, Dr. Vieira Ramos, quer o Dr. Matos Graça, conceituado clínico, bem como o Centro Católico de Barcelos, presidido por Secundino Machado, enviaram telegramas a saber do seu estado, mas melhorou.
Decorria o ano de 1917, e em 13 e 17 de Fevereiro, foram mandadas celebrar missas pelo restabelecimento da sua saúde, respectivamente na Capela do Solar do Benfeito, pela família Matos Graça, e na Igreja Matriz. A esta última, que foi seguida de Te-Deum, estiveram presentes diversas personalidades e instituições, Bombeiros Voluntários de Barcelos, Associação Humanitária Barcelense, Círculo Católico, Associação Comercial, Irmandades da Ordem Terceira, SS. Sacramento, Bom Jesus da Cruz, Senhora do Terço, Santa Casa da Misericórdia, Senhora do Rosário e Senhora da Graça e também as internadas do Recolhimento do Menino Deus.
Em resposta ao Arcipreste Pe. José Fernandes Rios Novais, que lhe tinha comunicado a realização das missas, D. António Barroso agradece a atenção dos barcelenses na edição de 28 de Fevereiro de 1917, do jornal local “Acção Social”.
Em 19 de Fevereiro redige o seu testamento, testemunhando o seu desprezo pelos bens materiais:
“Nasci pobre, rico não vivi e pobre quero morrer, em obediência e acatamento às sábias leis da Santa Igreja católica. Por isso, e salva a liturgia, quero que o meu funeral seja o mais pobre possível.”
NOVO EXÍLIO
Nos inícios da segunda quinzena de Junho de 1917, D. António Barroso veio a Barcelos, novamente à Quinta da Castanheira, onde já tinha estado várias vezes, e em cuja capela de Nossa Senhora da Conceição, baptizou António Manuel, primeiro filho de Marcos Tameirão (Vallado) e de Elisa Cardoso e Silva Tameirão, neto materno dos Viscondes de Godim, e em casa dos quais permaneceu.
Naquele mesmo ano de 1917, já em pleno Verão, estando Portugal em guerra e o Bispo do Porto preocupado com os problemas da diocese e ainda com o da assistência em campanha, chegou ao conhecimento do ministro da justiça, Alexandre Braga, que tinha autorizado o exercício do culto no oratório de três senhoras que viviam em comunidade, junto à igreja paroquial de Vila Boa de Quires, concelho de Marco de Canaveses, religiosas da “Casa das Capuchinhas”, de Guimarães que tinha encerrado por causa das leis da Separação Igreja-Estado. Mais um crime gravíssimo, segundo os governantes republicanos, explorado por alguns jornais para efeitos de castigo exemplar.
Apesar dos bons ofícios do Presidente da República, Dr. Bernardino Machado, para que se evitasse novo exílio, o Diário do Governo de 3 de Agosto desse ano, publica um decreto de 31 de Julho que o condenava a dois anos de exílio e proibe-o de residir nos distritos do Porto, Braga, Viana do Castelo, Vila Real, Aveiro e Viseu.
D. António Barroso saiu, discretamente, do Porto, em 7 de Agosto, acompanhado do cónego Gaspar de Freitas e iniciou, em Coimbra, o seu segundo exílio, vivendo mais de quatro meses no Hotel Avenida.
A chegada ao poder de Sidónio Pais, em 5 de Dezembro de 1917, anulou o decreto e D. António Barroso voltou, de novo, ao Paço de Sacais, no Porto, em 20 de Dezembro de 1917.
Passados poucos meses, doente, enfraquecido e envelhecido e, após quatro meses de sofrimento, faleceu na madrugada de 31 de Agosto de 1918.
Depois de quatro dias de homenagens, o cortejo fúnebre saiu do Paço de Sacais para a Sé, no dia 3 de Setembro. No dia seguinte, de manhã, celebraram-se as exéquias solenes, com a presença dos bispos do Algarve, Viseu, Coimbra, Portalegre e Braga. Depois, o corpo foi trasladado para Barcelos, por comboio, debaixo de chuva abundante. Manteve-se exposto ao público, na Igreja Matriz, até ao dia 5, quando foi transportado para Remelhe, numa carreta dos Bombeiros Voluntários de Barcelos, onde foi sepultado, em modesto sarcófago, no cemitério paroquial. Aqui repousou até 5 de Novembro de 1927, quando os seus restos mortais foram trasladados para a bonita capela-jazigo, feita por subscrição pública lançada pelo “Comércio do Porto” e dinamizada pelo seu director Prof. Bento Carqueja.
Em Novembro de 2019, os seus restos mortais foram, de novo, trasladados, desta vez para os “fundos” da Igreja Paroquial de Remelhe, o que segundo afirmou o Arcebispo Primaz de Braga, D. Jorge Ortiga, trará um “novo impulso” para a causa da canonização do “Bispo dos Pobres” e incremento da devoção.