Por Luciano Simão, Missionário da Boa Nova, estagiário

«Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados, segundo as suas gerações. O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência, anunciadores de oráculos proféticos. Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores pelo seu ensino…» Livro do Eclesiástico 44,1.10-15.

A nossa ligação à fé em Cristo chegou até nós por D. António Barroso, através dos nossos pais e dos nossos avós. Temos, por isso, que reverenciar o que os missionários do Colégio das Missões Ultramarinas, em especial o Venerando D. António Barroso, fizeram nas terras donde sou natural, no norte de Angola, na altura Angola-Congo. Foi por eles que nos chegou o anúncio da Boa Nova do Filho de Deus, morto e ressuscitado. Queremos viver em sintonia com aqueles que nos comunicaram a alegria da ressurreição de Cristo,

 

Missão Católica de Maquela do Zombo, Norte de Angola, em 2003.

 

O general Norton de Matos que governou Angola, de 1912 a 1915, e, depois, de 1921 a 1924, como Alto-Comissário, sonhou transformar a histórica vila numa cidade e fazer dela a capital do distrito do Congo Português, capaz de rivalizar com as capitais do Congo Belga e do Congo Francês, respectivamente Leopoldville (actual Kinshasa) e Brazzaville.  O projecto foi abandonado logo que ele deixou o governo da colónia, e Maquela do Zombo manteve-se como simples vila fronteiriça.  A sua população de escassos milhares de habitantes (300.000 em 2013) vivia sobretudo do comércio.Maquela do Zombo fica no Norte de Angola, Província do Uíge, muito próximo da fronteira com a República do Zaire, e cerca de 113km a Este de São Salvador do Congo, actual M`banza-Kongo. Foi uma povoação importante do antigo Reino do Congo, como se confirma pela existência de uma igreja quinhentista, classificada como monumento nacional, a segunda igreja mais antiga de todo o território de Angola.

Os Zombos sempre tiveram a reputação de grandes comerciantes. Bentley refere-se-lhes como “comerciantes activos e inteligentes, e como uma raça muito fina”. O Padre Barroso, da Missão Católica de S.Salvador, que conheceu os Zombos de perto, na mesma época,  também se lhes refere em termos muito elogiosos. Escreve que, «atiçado pela curiosidade de visitar o Zombo», marcou o dia da partida para 20 de Julho de 1886. E acrescenta: «Na minha excursão realizada ao Zombo, região que nos está aqui à porta e que nos tempos modernos não foi visitada por algum viajante, fui optimamente recebido em toda a parte, e julgo não haver dificuldade em fundar missões entre eles» (Trabalhos da Missão Portuguesa de S. Salvador. Apontamentos de uma viagem ao Bembe, 20-1-1884).

Igreja da vizinha Missão de S. Salvador do Congo, fundada pelo Padre Barroso.

 

Os missionários de Cernache ajudaram-nos a reencontrar o nosso eixo, a reencontrar aquele fio condutor que nos permite agir, decidir e avançar rumo ao futuro, fio que nos estimula todos os dias.  Queremos agradecer tudo o que nos permite ser o que somos, como somos e  a maneira como nos ajudaram a cumprir cada vez melhor a nossa missão de cristãos.

O missionário de Remelhe ao serviço da Igreja, formado no Colégio das Missões Ultramarinas, Cernache do Bonjardim, embarcou para Angola com diversos padres, no quinto dia do més de Agosto do ano 1880, na companhia de D. José Sebastião Neto, que tinha sido nomeado

Bispo de Angola e Congo. (F. Gomes, José, Súmula Biográfica de D. António Barroso, 2 Ed. Lisboa, 2008, p.35). Partiu com incumbência específica de ir restaurar e revitalizar a antiga Missão Católica de São Salvador, no Congo Português, sede da primeira Diocese Católica ao sul do Sara, que havia sido, nos séculos passados, o elo de ligação entre as coroas amigas do Congo e de Portugal. Poderíamos dizer tal como escreve Amadeu Araújo, que D. Barroso, soube conjugar muito bem a cidadania e o múnus pastoral, cumprindo como poucos a dupla obediência evangélica a César e a Deus, sem divergência ou oposição, sem mistura, nem comparação, (Araújo,  Amadeu Gomes, D. António Barroso Memórias de um Bispo Missionário, Ed. Fundação Portucalense, Porto, 2012, p. 5).

Para cumprir essa missão de restaurar e revitalizar a antiga Missão Católica de São Salvador, no Congo Português, era preciso usar a metodologia paulina da evangelização: «E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo). Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele (1 Cor 9,20-23)».

De facto, D. António Barroso, viveu a experiência kenótica de Paulo de Tarso, identificou-se com o povo local para poder transmitir a identidade de Jesus Cristo nele configurada pelo ministério de sacerdote, mergulhou na cultura local para dele identificar os elementos essenciais para anunciar o Evangelho de vida, com a cruz na mão direita e a enxada na mão esquerda. A cruz redentora do homem em Jesus Cristo, e a enxada, instrumento de sustento de vida do homem Bakongo, (o homem da cultura kikongo, norte de Angola). D. António Barroso anuncia a redenção do homem no seu conjunto: cultural, política, intelectual e mesmo na sua dimensão de sociabilidade.

De facto, neste vasto território do Congo, o Padre António Barroso, exerceu uma generosa e inteligente actividade missionária; investigando a acção missionária anterior, conseguiu apurar e localizar a existência de 12 igrejas católicas no território de um dos reinos mais poderosos e maiores de Africa. Fez-se amigo sincero do rei para captar a sua benevolência, que estava a ser arrastada para os interesses de outras nações que pretendiam desfigurar o Evangelho da Boa Nova.

Restaurou a Igreja no seu sentido Ekklesia, povo de Deus peregrino. Restaurou locais de culto, residências para os missionários, capela, escola, hospital, observatório meteorológico e granja agrícola (M.B.Adílio José, António Barroso e a Primeira República, Ed. Câmara Municipal de Barcelos, 2005, p. 19), e  atendeu sobretudo, à questão da organização da Igreja local em harmonia com a Igreja universal: organização, formação e unidade do clero. Pregou Cristo, ensinou a doutrina, organizou e administrou os sacramentos.

Para terminar, foi com grande honra e entusiasmo que escrevi este artigo. Sinto que é uma obrigação moral reconhecer as melhorias trazidas à  minha terra pelo Missionário António José de Sousa Barroso. Uma grande gratidão pela sua experiência viva da fé em Cristo, pelo zelo evangélico que nos transmitiu.